sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Correntes d'Escritas, a torrente de escritores e leitores, na Póvoa de Varzim

Foto: Pedro Ferreira
A Póvoa de Varzim recebe-nos mais uma vez, os escritores, os leitores, os editores e tradutores, todos e todas aqueles para quem os livros são parte da sua vida. São as Correntes d’ Escritas na sua 12ª edição. Para além de inúmeros lançamentos de livros e as conferências, este ano a oportunidade de ver ou rever os filmes “O Filme do Desassossego” de João Botelho e “José e Pilar” de Miguel Gonçalves.

Porque as escritas não se fazem só de letras também há espaço para a exposição que resulta de um protocolo estabelecido entre o município da Póvoa de Varzim e a Fundação de Serralves, a Biblioteca Municipal irá acolher a Exposição “Poesia Experimental Portuguesa” da Colecção da Fundação de Serralves. Esta reúne e apresenta obras e edições paradigmáticas desta intervenção experimental, realizadas entre a década de 60 e a década de 80, abrangendo assim um período compreendido entre 1964, data da edição do primeiro número dos “Cadernos de Poesia Experimental”, e 1984, data da recolha dos materiais presentes em “Poemografias”, o último livro e exposição que reúnem nomes históricos do experimentalismo com alguns dos seus mais recentes continuadores. São apresentadas nesta exposição obras de Ana Hatherly, António Aragão, António Barros, Ernesto de Melo e Castro, Fernando Aguiar, Salette Tavares, os nomes mais representativos do Experimentalismo português ao longo deste período.

Apesar da abertura oficial do Correntes d’Escritas ter sido no dia 23, a 19 de Fevereiro, já tinha subido ao palco do Auditório Municipal a peça Bela Dona, Apalavrado 3 de Pedro Eiras e com encenação de Renata Portas.

Foto: Pedro Ferreira
Claro está há também uma Feira do Livro, organizada pela Papelaria Livraria Locus.

As Correntes já não são só da Póvoa e para além das escolas por onde andaram já vários dos autores, o Correntes d’Escritas ruma a Lisboa onde, no dia 1 de Março terá lugar a 10ª mesa do evento. “Para lá deste lugar, ninguém diz as palavras” (A Inexistência de Eva, da Filipa Leal, Deriva Editores) dará mote a uma conversa moderada por Raquel Ochoa e que irá reunir Conceição Lima, David Toscana, Inês Pedrosa, Kirmen Uribe e Uberto Stabile.

Amanhã, sexta-feira, seremos dois aqui do blogue (eu e o Rodrigo Ferrão) a visitar e cruzar palavras pela Póvoa. Procurem-nos! 

Foto: Pedro Ferreira

Poema de Rui Barbosa

Poeta Brasileiro, sempre actual. Ouçam a declamação...
(Obrigado Isa)



Sinto Vergonha de mim:

'Sinto vergonha de mim…
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.


Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo,
buscando a tal “felicidade”
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos “floreios” para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre “contestar”,
voltar atrás
e mudar o futuro.


Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer…

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro !

”De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto“'

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Metamorfose, Franz Kafka


'Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto.'

É assim que começa um dos livros mais repugnantes que li. Acredito que é esse o objectivo na cabeça de Kafka: deixar o leitor desconfortável.

O extraordinário não é a situação irreal da transformação de um homem em insecto. É a sucessiva exclusão que a sua família vai fazendo à medida que se adaptam a esta nova realidade. Ao ponto do abandono.

Interpretar este livro afigura-se particularmente complicado. Julgo que podemos seguir duas vias: comparamos o insecto a um doente e toda a atenção que, de repente, noutra condição, temos que despender. Comparamos o insecto a qualquer tipo de exclusão e o mal que isso acarreta.

Não aconselho 'Metamorfose' a qualquer leitor, mesmo sendo o livro preferido de muita gente. No entanto, como qualquer livro de Kafka, está presente toda a ironia e sarcasmo da condição humana.

Observar o homem-insecto a transformar-se e a adaptar o seu estilo de vida, é notável. Mas, ao mesmo tempo, revelador da nossa frágil natureza.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

'A solidão dos Inconstantes', RSM - 3.ª parte

Terceira parte.
Apreciação final:

O teu romance foi bom de se ler. O que mais gostei foi andar a saltar de sítio em sítio. Neste Portugal tão diferente, em Alexandria, Paris, Argentina...

Diz-me lá, foste assim a tanto lado? A precisão dos locais é extraordinária.

Outro aspecto que me agradou foi ir acompanhando os teus gostos: a tua literatura, a tua música, os teus pensamentos... Tudo isso disperso nas personagens que construíste. É bom conhecer os escritores que emprestam Alma aos livros que escrevem.


Revi-me em pensamentos das tuas personagens. Aliás, quis entrar na tela do romance para resolver alguns assuntos. Confesso que cheguei a ficar triste com os seus problemas.

O teu romance, Raquel, é muito português. Retrata bem o nosso estado de espírito. Julgo que somos assim, inconstantes como as tuas personagens.

É aí que está a vitória deste livro. A tua vitória.

Para quando o próximo?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Além-tédio

'Nada me expira já, nada me vive
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!


Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...'