sábado, 12 de julho de 2014

Poema à noitinha... José Santiago Naud

Verão

Eu te chamo tumulto
e virei sobre ti
ao fogo dos frutos
na hora em que a polpa da tarde
fende
e pelo campo escorrem farelos de ouro
à luz azul da bruma.

Para ti alço
com a rigidez de um bico,
garras, córneas, penas descendo
em teu tremor,
instante todo de corpo a não ser
mais que carcassa, maré, esvaimento.

E quando, inerte
— casca ou pele, gretado
o teu querer não for mais que apetência
ou saudade,
o sangue a escorrer ainda
escondendo os talos da grama mais pequena,
há-de permanecer aos olhos que o não vêem
íntimo sinal de união
entre a fêmea e o macho
— o que penetra
e quanto, deixando penetrar
inaugura.

*José Santiago Naud, in Noção do Dia

fifteen feet of pure white snow

Alaska, Anchorage, Rene Burri
Fonte: magnumphotos.com

"It is not the way of the Wild to like movement. Life is an offense to it, for life is movement; and the Wild aims always to destroy movement. It freezes the water to prevent it running to the sea; it drives the sap out of the trees till they are frozen to their mighty hearts; and most ferociously and terrible of all does the Wild harry and crush into submission man - man, who is the most restless of life, ever in revolt against the dictum that all movement must in the end come to the cessation of movement."

White Fang, de Jack London

Andar à chuva e ler

Desconheço o autor.

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

Foto frase do dia: Nietzsche

Acompanhe o blog http://homoliteratus.com/

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Alireza Darvish: equilíbrio perfeito

Dialogue (The Drawings) Vision Bound Unbound Alireza Darvish.

* Para saber mais sobre o pintor iraniano Alireza Darvish 
siga o link:  www.animacali.com

Foto frase do dia: Quintana


a-ver-livros: por escrever

A tua mão
na minha mão
e a nossa sombra
na contracapa do diário
que ficou por escrever

A minha pele
na tua pele 
e o nosso cheiro
nas páginas cruas

O nosso olhar
e a nossa cegueira
e o nosso futuro
que não chegou a ser

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor britânico Adrian Paul Allinson
siga o link www.bbc.co.uk/arts/yourpaintings/artists/adrian-paul-allinson

Gonçalo Viana de Sousa - o Flâneur das Sensações



Meu querido José.

O texto, a impressão que agora lhe envio por estafeta (desculpa as horas tardias, pois só agora lhe pude enviar esta resma de nonsense!) não requere nenhum tipo de apresentação ou introdução com laivos literários, como até agora lhe pedi. Transcreva estas palavras escritas à pressa e com caligrafia de fogo e tempo.  Peço-lhe que encontre o arranjo de Debussy intitulado "Rêverie". É fundamental que o apresente com o texto! Sem ele, NADA feito! Os leitores que o oiçam vezes sem conta ao longo da leitura. Um pouco de infinito mascarado de náusea nunca fez mal. E isso basta.
Não me pergunte, outra vez, por Maria Adelaide. Não lhe sei responder, nem quero. O tempo, meu jovem amigo. Aprenda a saber o tempo. Mas chega de conselhos. Nunca fui bom conselheiro. Espero por si ainda esta noite, depois do texto, em minha casa. Quero apresentar-lhe alguém.
Até já e, como sempre, muito seu.

Gonçalo V. de S.

(Insónias Impressionistas - Debussy "Rêverie") -  https://www.youtube.com/watch?v=y5ot-88UV-Y


            Sim, é a noite que entra neste quarto de tons nocturnos. E com um sopro suave e vagaroso, azul e amarelado, abre-me os olhos de luz pálida.
O que é a luz?
            Desço a avenida e ainda consigo acreditar na humanidade. Efraim, Efraim, que foi feito do nosso tempo? Abandono a vontade de descer a avenida como abandonei a escadaria que me levaria à varanda do outro lado da tempestade. Neste quarto de hotel, em Nicosia, com a escuridão azulada a desmaiar em verde amarelado, como que adormecendo nos braços de Vénus, é que me encontro com a vida. Esqueço as grandes avenidas das cidades países. Esqueço os grandes boulevards onde poderia ser personagem de um romance de oitocentos. Tudo isso é mentira. Mentira e a minha fome de mundo inventado pelo papel de uma resma esquecida num quarto de Paris, talvez, ainda que Alexandria me bafeje com os seus ares quentes, laranjas e pensativos. Laranjas, quentes e pensativos.
            Esqueço o copo de whisky já gasto, velho companheiro, no corrimão de pedra da varanda deste meu quarto de hotel que me parece a vida inteira. Que fiz eu? Parece-me que toda a vida é um copo de whisky esquecido numa varanda de um quarto qualquer. Esquecimento e silêncio.
            Sento-me numa das cadeiras de verão. A noite é quente, abafada e pensar é um combate com os suores interiores. Sangue e angústia. Lembro-me de Ida Rubinstein e penso na maneira estupidamente astronómica com que me encontrei com ela. Como, sendo eu um homem nascido em meados do século XX, poderia encontrar-me com uma mulher que morreu caquética a meio do século? Rir é pouco. Mas a loucura tem precedentes menores e bem mais frágeis.
            Mas o corpo dela, e aquele sinal debaixo do seio esquerdo... Pergunto-me onde irá parar esta loucura ficcionalmente verdadeira. Pergunto-me onde irei terminar os meus dias de solidão acompanhada, se não sou capaz de distinguir a verdade da ficção, ou, melhor dizendo, uma realidade de outra. Fecho os olhos e todo um mundo diferente me aparece. É Paris, como sempre, e os boulevards. É Moscovo ou S. Petersburgo e o caminho-de-ferro. E surgem também Ida e Emma e Anna. Rio-me tanto e de forma grotesca, quase romântica. Impressionante é a maneira como personagens literárias entram na minha vida com a facilidade que nunca tive em beijar. Maria Adelaide.
            Mas é de noite. Nicosia é uma cidade pensativa e triste por fora. Por dentro, quem somos nós, Efraim? Seres de sentimentos absolutos? Criações de maldades terceiras? Tenho medo que sejamos marionetas na mão de um qualquer Arquitecto ainda mais senil que todos nós.
            Nada disso interessa. Nada disso vale um olhar. Interessa, sim, existir.

Existir muito. Existir muito. Existir muito. Existir aqui, agora, neste momento e nesta noite de insónia ou de algo que se parece com uma insónia mas que é a vida, grande e invevitável.

E o céu de Nicosia e a noite desta cidade de sol é minha, para sempre.

 Para Sempre.






















          




























































Pensei no silêncio que seria se acabasse esta impressão com a palavra Sempre. E sempre é demasiado tempo para se ter alguma coisa que não seja a solidão. Levanto-me e vou buscar o copo esquecido como quem se lembra que o perdão é possível. Que foi que me fiz, Maria Adelaide?
            O que me aconteceu?
            Efraim! Whisky, em doses Tolstoianas! E uma aspirina também.
            Agora sim, ébrio de realidade, posso terminar esta quase impressão.
Rêverie.

            

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A Andarilhos - tudo o que precisam saber!


Autores publicados
Daniela Quental
 Emílio Miranda
Filipe Cachide
José Duarte
Lucas Millecco
Manuel Claro
Pedro Vaz
Rodrigo Ferrão

Editores/Direcção
Marcos Foz
Maria Leonor Castro Nunes
Maria Martina Matozzi
Design
Mariana Seiça

Desenho de capa
Lobo

Colaboração
Rui Sousa
Junho de 2014
150 exemplares


Encomendas: andarilhos@sesla.org

Ouça os Andarilhos em entrevista à Rádio Universitária de Coimbra (RUC)



Jack London para as vossas alegrias

«Presa Branca não conta apenas a história de um cão-lobo selvagem. Mas mostra como as mudanças dramáticas no seu comportamento vão evoluindo em relação com as mudanças no seu ambiente social e natural. O livro explora, assim, de modo indirecto, questões sociológicas sobre o comportamento humano - o que é que leva as pessoas a agirem de forma selvagem ou civilizada? Em Presa Branca, Jack London mostra como a civilização é uma força tão poderosa quanto a natureza em termos de comportamento individual.»


*a leitura deste romance é conduzida pelo Clube do Livro SESLA. 

Foto frase do dia: Clarice Lispector

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quarta-feira, 9 de julho de 2014

Poema à Noitinha... Augusto de Campos

poema de Augusto de Campos, 1958 em VIVA VAIA

Graffiti literato: George Orwell

Animal Farm – George Orwell. Singapore.


Foto frase do dia: Dostoievski


a-ver-livros: de vez

Já me esquecias, amor
já me largavas a soleira
da porta
e a bainha das saias
já abandonavas as esquinas
em que me esperas
só para me ver sofrer

Já me esquecias, amor
e retiravas os sinais que vais deixando
no caminho
já me deixavas em paz
e apagavas o teu nome
no paredão

Já me esquecias, amor
ou voltavas de vez para os braços
que ainda têm o teu contorno

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor colombiano Jaime Abril
siga o link www.colombia.com/pintores-colombianos/jaime-abril

terça-feira, 8 de julho de 2014

Poema à noitinha... Hatherly

Esta Noite Morrerás
Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito e aquele que procurar a marca dos teus passos encontra urtigas crescendo por sobre o teu nome. Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito e uma gota de sangue ressequido é a marca dos teus passos. No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio e na casa do tempo a hora é adorno. Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome. Constante. O mar é isso. A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome. O mar é tu morreste. O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu par- tiste e no meu leito crescem folhas sangue. A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar. No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia. Agora a lua chega devagar e o mar é o leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto. A noite é eu procurar a marca dos teus passos. Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente. A lua é uma seta. Tu partiste é o silêncio em forma de lança. Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto vou uivar como um lobo. Vou clamar pelo teu sangue extinto. Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta. O teu ventre, lua. Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua possa vir tocar-me o rosto. Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido e a marca dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito. E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te. Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos abertos de um pássaro esventrado. Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para poderes enfim tocar-me o rosto.
*Ana Hatherly, em “Poesia 1958-1978”

Poema visual de Ana Hatherly tirado daqui: http://www.casadellapoesia.org/poeti/hatherly-ana

É do borogodó: no trem

vinha no trem uma mulher com verniz nas unhas. tom rosa pálido que não combinava com a blusa bordada de lantejoulas douradas. extravagantes as sandálias de dedo com as unhas dos pés também pintadas. os olhos da mulher eram pequenos, apertados no meio de um rosto marcado – ainda que ela o tivesse tentado esconder com a maquilagem pastosa. vinha no trem uma mulher que eu não conheço; suas unhas rosadas levavam minha atenção porque os dedos dela eram delicados e mansos passeando por mechas de seus cabelos descoloridos. e eu imaginei que dentro de seus lábios ressecados dormia uma história que me faria gostar ainda mais de estar sentada ao seu lado, num trem qualquer, num dia perfeito como hoje. 

*Penélope Martins, em ‘coisas da vida’.


*post originalmente publicado em http://azeiteealecrim.wordpress.com/2014/06/14/2544/

J' suis snob, Boris Vian


*Dedicado à Livraria Snob e a todos os seus amigos

J´suis snob... J´suis snob
C´est vraiment l´seul défaut que j´gobe
Ça demande des mois d´turbin
C´est une vie de galérien
Mais lorsque je sors à son bras
Je suis fier du résultat
J´suis snob... Foutrement snob
Tous mes amis le sont
On est snobs et c´est bon

Chemises d´organdi, chaussures de zébu
Cravate d´Italie et méchant complet vermoulu
Un rubis au doigt... de pied, pas çui-là
Les ongles tout noirs et un tres joli p´tit mouchoir
J´vais au cinéma voir des films suédois
Et j´entre au bistro pour boire du whisky à gogo
J´ai pas mal au foie, personne fait plus ça
J´ai un ulcère, c´est moins banal et plus cher

J´suis snob... J´suis snob
J´m´appelle Patrick, mais on dit Bob
Je fais du ch´val tous les matins
Car j´ador´ l´odeur du crottin
Je ne fréquente que des baronnes
Aux noms comme des trombones
J´suis snob... Excessivement snob
Et quand j´parle d´amour
C´est tout nu dans la cour

On se réunit avec les amis
Tous les vendredis, pour faire des snobisme-parties
Il y a du coca, on deteste ça
Et du camembert qu´on mange à la petite cuiller
Mon appartement est vraiment charmant
J´me chauffe au diamant, on n´peut rien rêver d´plus fumant
J´avais la télé, mais ça m´ennuyait
Je l´ai r´tournée... d´l´aut´ côté c´est passionnant

J´suis snob... J´suis snob
J´suis ravagé par ce microbe
J´ai des accidents en Jaguar
Je passe le mois d´août au plumard
C´est dans les p´tits détails comme ça
Que l´on est snob ou pas
J´suis snob... Encor plus snob que tout à l´heure
Et quand je serai mort
J´veux un suaire de chez Dior!

*Boris Vian

capa tirada daqui.

Acompanhe a página da Livraria Snob no Facebook. Abre brevemente, em Guimarães. Pode lá encontrar isto e muito mais.

Foto frase do dia: Anton Tchékhov

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

«Contradição», Juliana Mbr

Contradição...
Sou um ser que caminha sem alma, Que caminha sem pés. Sou alguém que caminha sem rumo, Que sente sem sentir, Que ouve sem ouvir, Que espera o que não chega. Sou um ser que, por dentro, está morto, Ainda que, por fora, pareça vivo. Isto é, realmente, viver sem viver, Querer ser feliz sem verdadeiramente o querer, Desejar colorir o meu mundo escuro sem cores... Serei sempre aquele ser humano Que por mais que dê nunca recebe, Que por mais que tente nunca consegue, Que por mais que lute nunca vence, Mas que, acima de tudo, não tem medo do que aí vem. Receio sim o que fica pra' trás, E por isso vivo o presente ausente.
JulianaMbr

Contradição tirada daqui. É do cartoonista Ángel Boligán

Emílio Miranda, dia 30

Dá-me uma refeição de luz
Dessas que sabes cozinhar
Com o teu olhar…

Emílio Miranda 
Foto: Cláudia Miranda

a-ver-livros: banho-me

Banho-me, serena, na dor que sobe
e desce
companheira inseparável
das sombras
que nascem e se põem 
com o sol
e com as ondas que vêm
e vão
beijando a areia
que os meus pés 
desdenham

Banho-me na náusea, sedante
de outra dor
que não se rege 
pelas luas ou marés

Secar-me-ei, enfim, no pó 
das estrelas
que o fogo conceder

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor americano Frederick Childe Hassam
siga o link http://www.frederickhassam.org/


domingo, 6 de julho de 2014

Gosto do que vejo!


Rute Coelho em entrevista

Depois de O Inimigo Invisível, em que abordou o tema da Maçonaria, Gostas do que Vês?, é o segundo livro desta autora, lisboeta, quase jornalista, porém advogada e... vamos saber mais.


Raquel Serejo Martins: O livro aborda, ao caso no feminino, uma vez que temos como personagens principais duas mulheres, Natália e Cecília, o tema do tamanho do corpo, no tempo do primado da imagem. Assim, duas perguntas: Somos o que parecemos?  E como lidam com a sua condição estas mulheres?
Rute Coelho: A imagem é o primeiro olhar do outro. É o nosso reflexo pela manhã ao espelho quando acordamos, por isso também somos o que parecemos, quer queiramos assumir isso, quer não.
As personagens vivem presas numa obesidade mórbida, embora lidem com essa condição de forma diferente. A Natália não aceita que o seu corpo é diferente e quer ser igual às outras mulheres, porque imagina que sendo magra será feliz. A Cecília, pelo contrário assume as suas curvas com confiança e determinação tanto na sua vida profissional como na sua vida pessoal.

RSM: Qual a sua personagem preferida e porquê?
RC: Gosto das duas personagens. São duas facetas de uma mesma realidade. É injusto escolher uma delas, porque ambas tem um pouco de mim.

RSM: Seria possível este livro ter como personagens principais dois homens, parece-lhe que esta questão se coloca com a mesma acuidade no masculino?
RC: As mulheres vêem-se mais ao espelho do que os homens. Apesar disso, não tenho dúvidas que um miúdo gordo na escola sofre tanto com as piadas como as raparigas, e na adolescência e na idade adulta, é ignorado, exatamente, da mesma forma. Ser diferente pelo tamanho do corpo, por ter um nariz mais pontiagudo ou orelhas de Dumbo, é sempre motivo de chacota e de descriminação.

RSM: Como foi o processo de concepção do livro? Partiu de uma estrutura prévia, conhecia à priori o final do livro, ou a história foi-se fazendo à medida da escrita?
RC: Quando comecei a escrever este livro sabia que queria escrever a duas vozes, queria que fossem distintas e queria que retratassem um pouco o universo da relação que temos com o corpo numa época em que se valoriza tanto a imagem. A narrativa foi acontecendo à medida do desenvolvimento das próprias personagens.

RSM: Pessoalmente parece-me corajoso abordar este tema. Enquanto escrevia teve momentos em que sentiu precisar de coragem?
RC: Senti que era importante as pessoas perceberem que não as únicas a estarem naquele tipo de situações. A sentirem que precisam de ser isto ou aquilo para serem felizes. No entanto, confesso que houve episódios mais difíceis de escrever do que outros.

RSM: Gostas do que vês? – O título é uma pergunta, a resposta pode ser um tiro de bala. Será esta a pergunta que de forma silenciosa e permanente fazemos aos outros? E bem aventurados os que não sentem necessidade de perguntar, porque aos mesmos pertence a calma dos dias?
RC: Devemos primeiramente fazê-la a nós. Se estivermos confiantes em quem somos e no nosso valor, isso transparecerá. Contamos sempre com a opinião dos outros, mas não nos precisamos de subjugar a ela.

RSM: E quanto à Rute Coelho como leitora, três livros de leitura recente de que gostou?
RC: « O Complexo de Portnoy » de Philph Roth, «1Q84 vol1» de Haruki Murakami e os «Níveis da Vida» de Julian Barnes


E bem vinda ao Clube de Leitores!

Vencedoras do passatempo «Os filhos do Éden»

Parabéns S Dias, Bibliotecária e Avó Madalena, são as vencedoras do passatempo «Os filhos do Éden». Cada uma vai receber 1 exemplar do livro!

O que têm que fazer agora? Contactar o blog para sabermos a vossa morada! Procurem-nos no facebook (na página ou no grupoou enviem email para: blogueclubedeleitores@gmail.com

O que se pedia era relativamente simples, responder ao seguinte - Se vivesse num local isolado, quem levava consigo? Porquê?

E estas são as respostas vencedoras, com grande mérito. Parabéns!

S Dias:

Se para um local isolado for, por escolha ou obrigação, quem comigo levaria, sem sombra de duvida, seria a outra metade do meu coração! Pode não ter o engenho de um Macgyver, para de todas as situações nos desenrascar, mas sei que me escuta de alma e coração; eu não sei mil e uma histórias, como Sherazade, mas como eternos apaixonados que somos, Eduardo Freitas, eu e tu, de um qualquer local isolado daremos um cantinho cheio de emoção!

Bibliotecária:

Levaria comigo o bibliotecário da Biblioteca de Alexandria o que seria equivalente a levar um centro de conhecimento.
Não importa o lugar onde se está para falar dos livros e do prazer que eles oferecem. Mas, se o lugar é deserto, bastariam duas pessoas e a conversa seria infinita. O espaço preencher-se-ia de personagens fictícias ou reais e tornar-se-ia pequeno. O tempo ficaria preenchido e seria curto. 
Seria como viver no Olimpo com o deus da sabedoria.

Avó Madalena:

A minha primeira reacção foi pensar em levar o meu filho, mas depois pensei melhor, amo-o demais para o deixar isolado do mundo, sem possibilidade de crescer e aprender de forma saudável. Não quero de modo algum priva-lo da vida, do amor, da convivência, da cultura. Com esta linha de pensamento para com as restes pessoas, não levaria ninguém, porque as pessoas que amo não merecem ser isoladas uma das outras. Inimigos, políticos e afins também não levava, amo-me a mim e á minha sanidade intelectual. Por isso ou ia completamente sozinha ou se deixassem levava toneladas de livros. Teria saudades de quem deixava cá, mas para mim o amor é liberdade e amo demais para os prender a mim, num sitio isolado.

*O vencedor terá que enviar-nos a sua morada. Em caso de não o fizer, o Clube atribuirá o livro a outro(a) finalista. Fique atento!


P.V.P.: 18,90 € 
Data de Edição: 2014
Nº de Páginas: 444
Editora: Editorial Presença

O apanhador de desperdícios

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

Fotografia em Munique, pelo amigo Diogo Martins, 2010

Apanhei-te a ler... dia 9

Al Pacino

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada!