sábado, 11 de abril de 2015

In Para onde vão os Guarda-Chuvas


- A minha mãe, Sr. Elahi, interrogava-se para onde vão os guarda-chuvas. Sempre que ela saía à rua, perdia um. E durante toda a sua vida nunca encontrou nenhum. Para onde iriam os guarda-chuvas? Eu ouvia-a interrogar-se tantas vezes, que aquele mistério, tão insondável, teria de ser explicado. Quando era jovem pensei que haveria um país, talvez um monte sagrado, para onde iam os guarda-chuvas todos. E os pares perdidos de meias e de luvas. E a nossa infância e os nossos antepassados. E também os brinquedos de lata com que brincávamos. E os nossos amigos que desapareceram debaixo das bombas. Haveriam de estar todos num país distante, cheio de objectos perdidos. Então, nessa altura da minha vida, era ainda um adolescente, decidi ser padre. Precisava de saber para onde vão os guarda-chuvas.
 – E já sabe? – perguntou Fazal Elahi.
 – Não faço a mais pequena ideia, mas tenho fé de encontrar um dia a minha mãe, cheia de guarda-chuvas à sua volta.

Snobidando: Miguel de Carvalho

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Estantes de sonho: a lareira com vista para o jardim

Nem sei o que leia hoje...
 
Encontrado na página Bookshelf Porn. A não perder por nada! 


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Corram amanhã para a Snob, Miro Teixeira espera-vos

Com a presença do autor e apresentação a cargo de Helder Magalhães

SINOPSE:

Perante a iminência da morte, que influências ou distorções poderá sofrer um amor, de qualquer modo ou espécie, e sobretudo, até onde poderá este sobreviver?
O último e derradeiro suspiro de um amante determinará a sua extinção?
Corre! - É isso mesmo, uma estranha história de amor e morte anunciada, protagonizada por um personagem tão insólito, que se arrisca a ser demasiado real para acreditarmos que poderá mesmo existir ao nosso lado.
Um homem que, passada a portada do meio-século de vida, descobre duas coisas fundamentais pela primeira vez: que vai morrer em breve, e que afinal, sempre é digno e capaz de se apaixonar.

É aparecer!

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Tradições da Páscoa... Labar, limpar e esfregar!

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Notas soltas no livro de Inês Pedrosa, «Desamparo»

«O inevitável declínio das relações amorosas é uma das bases conceptuais do mundo contemporâneo. Tem gente que dedica a vida a estudar a duração da atracção física e a curva de crescimento do tédio conjugal. Parece que isso é tão científico como a composição da atmosfera e a elaboração das anestesias.»

«- Meu filho, você ainda não encontrou a sua mulher?
Rio-me, respondendo que não, que não quero saber de mulher, que, como diz a outra na televisão, «isso agora não interessa nada». Sorri, abana a cabeça, fala que não é verdade, que o amor é a matéria fundamental da vida.
- O resto sempre acaba se resolvendo. A vida é muito curta para dispensar o amor. É isso que nos dá força para aguentar tudo o que é feio e não presta, acredite na sua mãe.»


«Morremos sempre sozinhos. Mesmo de mão dada com a pessoa que mais amamos, os nossos dedos tornam-se de repente objectos em arrefecimento progressivo, deixamos de estar ali.»

«A beleza, conjugada com a solidão, arrasa. Porque a beleza é a representação estética da verdade, matéria demasiado intensa para quem está fisicamente só depois de ter renascido através do amor.»

*In Desamparo, Inês Pedrosa
Dom Quixote

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações


Dear José

Dia duit!, que é como quem diz saudações!
Escrevo-lhe ainda das míticas e formidáveis terras da ilha de Eire, mátria dos ventos ancestrais e de um verde e azul escuro sempre maravilhosos.
Já bebi por si, como me havia pedido. Visitei vários locais esplendorosos, mas há um que gostaria de partilhar consigo, ainda que por umas quantas palavras.
Penhascos de Moher. Um mar céltico finitamente infinito e revoltado, o vento soltando sibiliantes líquidas e com o adocicado de uma gaita de foles imaginária. Efraim jamais tinha visitado esta formidável ilha, jovem dos trópicos literários.
(…)
Mas não foi por isso que lhe escrevi. É com uma luminosa merencória que lhe escrevo, ainda que em terras altas.
Pois bem, envio-lhe nesta missiva uns quantos poemas que trago sempre nas minhas malas e que considero inacabados. (Peço-lhe que após transcrever esta carta a queime, como todas as outras, deixando apenas o que julgar ter interesse literário. O resto, carbonize!)
É um conjunto de poemas em constante alteração e que são como que um oráculo tropical. Mesmo nestas insulares e frias terras consigo sentir as quentes e prateadas noites de luar de outros lugares. O que interessa é que lhe envio uns cinco poemas, dos quais terá que escolher um (fiz o favor de os escrever de uma golfada e são os únicos que nunca retoquei após a sua primeira demão. Escolha um deles e os outros deite-os ao fogo, ou à água, que também é imagem diluviana quanto baste! Não procure continuações ou divisões, pois não lhas dou! Escolha um e queime os outros. É o que lhe peço.)
Efraim cumprimenta-o saudosa e hebraicamente. Shalom!
Haveremos de voltar um dia destes, quando nos cansarmos deste mar e desta magnífica cerveja cor da terra e do carvão oitocentista!
Slán!

Gonçalo V. de Sousa.


Do livro Brasil Lindo e Trigueiro

“Altos Luares de Copacabana.”

Havemos de nos encontrar nos altos luares de Copacabana,
Senhora minha do Brasil brasileiro.
O teu corpo estendido na minha cama,
Enquanto a minha alma te sorve os beijos de um dia inteiro.

E havemos de percorrer as praias de areia mística
De mãos dadas.
O sol, meu amor, será testemunha,
E as ondas cumprirão todas as suas promessas de espuma.

Teremos o céu azul e infinito a nosso lado
E teremos sempre o amor dos dias grandes e fartos e luminosos
E os teus cabelos, loiros, anelados, sedosos,
São o mestre deste verso exótico e apaixonado.

Teremos o calor das tardes e a suavidade das manhãs azuis.
Seremos sempre os dois, celebrando os nossos beijos de cetim
Enquanto os teus braços dourados e o teu líquido olhar
Me fazem adormecer em sonhos que são os teus lábios carmim.

Seremos filhos desse Brasil lindo e trigueiro,
Iremos beber das águas dos canaviais verdes e distantes
Iremos saltar, inocentes e nus, pelas cachoeiras de cores murmurantes
Até me ensinares a amar o teu Brasil brasileiro.

Matar-me-ás a sede de música refrescante
Princesa minha das causas azuis e tropicais.

O samba será o teu corpo dourado balançando o vento
E os coqueiros serão filhos de um luar que será feito dos versos
Dos trovadores filhos do sul do Trópico de Câncer.

E assim nos vejo correndo pelo teu Brasil exótico e colorido,
Pintando aguarelas que são músicas antigas e iniciáticas
De um propósito de morros e florestas e luzes
Que só se encontram nos recantos da terra de nosso Senhor.
A tua Terra.
O teu Brasil brasileiro.



Rio de Janeiro, 25 de Fevereiro de 1968.


Snobidando: Raul de Carvalho

|a doença da felicidade|

Vem, serenidade!

Vem, serenidade!...
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.

Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
 
Raul de Carvalho
 
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Foto frase do dia: Barahona

In Agora e na Hora da Nossa Morte


O miúdo anda de bicicleta numa rua sem carros, que lhe parece muito comprida. No final da rua, mais uma rua e depois o campo, é isto, o mundo com possíveis e impossíveis. Daqui a muitos anos, quando regressar à sua aldeia, se ainda houver aldeia, verá como afinal era curta aquela rua e o campo, pouco maior do que um bom quintal. Daqui a muitos anos é possível que não veja uma só criança fazendo aquele mundo grande; e que se sinta uma espécie em vias de extinção.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

a-ver-livros: implosão

Explodem 
os paralelepípedos
em verde
num entusiasmo patético
tesão de terra
aspirando sol

Impludo eu
e só isso

Ana Almeida


Snobidando: Luís Miguel Nava

Sem outro Intuito, in Vulcão de Luís Miguel Nava

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam, ...
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.
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Bai'má Benda: Num lebo geito pra pêtas porra...

Num lebo geito pra pêtas porra...

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terça-feira, 7 de abril de 2015

raiz


da janela ao coração
a cidade ergue-se árvore
e encarna-se abraço

espaço ao amor
flor entre os braços
a que a casa é.



Helder Magalhães

É do Borogodó: AS CRONINQUIETAS, DE PENÉLOPE MARTINS

Elephant Gun_Fernando Cohen_Lisboa Compacta SD9_004864.jpg
fotografia de Fernando Cohen, em LISBOA COMPACTAhttp://www.750grain.com/lisboa-compacta-fernando-cohen/#.VRtFovnF_5s
a menina veio me dizer que tinha por hábito ir pedir a benção. a casinha do avô ficava no fundo do quintal da família. ela beijava a mão dele e ele repetia todas as noites o mesmo gesto ‘espera mais um pouco, fica mais um pouco’.
ele abria a portinha mágica do armário e de lá vinham aqueles biscoitos redondos que tinham um gosto tão bom.
‘o avó me dava um só’, ela já sabia que na noite seguinte o mesmo encanto se repetiria…
hoje a menina veio me dizer que era bolacha maria. ‘o avô me dava bolacha maria, coisa melhor do mundo’.
– penélope martins – 31 de março de 2015 –
ela é a nossa correspondente no Brasil, acompanhe o seu blog https://todahoratemhistoria.wordpress.com/

Flâneur - Lugar de livros, pessoas e palavras - e também do Clube de Leitores

O Clube de Leitores continua a reunir os amigos nesta grande festa que é celebrar os livros e saudar os amantes da literatura!

E agora vai contar com algumas participações da Flâneur - uma livraria Alfarrabista online.

Fiquem de olho nas publicações da Cátia Monteiro e do Arnaldo Vila Pouca, eles vão andar por aí!

gravura: "Le Flâneur", Paul Gavarni, 1842

Visitem a página do Facebook: https://www.facebook.com/flaneurlivros

Manifesto Flâneur:

Ler, reflectir, relacionar conceitos, contemplar a obra, o outro e a nós mesmos... Os livros estão para nós como a cidade, as multidões e o mundo estão para o flâneur. Dão-nos novos fôlegos, entusiasmo, vida. Mas como defendemos que os livros sejam verdadeiramente livres, queremos partilhar com os outros "esta espécie de coração" (Manuel António Pina).

O Flâneur, por Charles Baudelaire:

The crowd is his element, as the air is that of birds and water of fishes. His passion and his profession are to become one flesh with the crowd. For the perfect flâneur, for the passionate spectator, it is an immense joy to set up house in the heart of the multitude, amid the ebb and flow of movement, in the midst of the fugitive and the infinite. To be away from home and yet to feel oneself everywhere at home; to see the world, to be at the centre of the world, and yet to remain hidden from the world—impartial natures which the tongue can but clumsily define. The spectator is a prince who everywhere rejoices in his incognito. (...) Or we might liken him to a mirror as vast as the crowd itself; or to a kaleidoscope gifted with consciousness, responding to each one of its movements and reproducing the multiplicity of life and the flickering grace of all the elements of life.

— Charles Baudelaire, "The Painter of Modern Life", (New York: Da Capo Press, 1964). Orig. published in Le Figaro, in 1863.

Também em: http://flaneur.tictail.com/ e flaneurlivros@gmail.com

Teoria dos Limites, as primeiras linhas

O que não pode ser dito

Inefável é o que não pode ser dito
 
Jorge de Sena, Os paraísos artificiais
 
«Não não, disse, e continuou a andar, seguindo os homens que levavam o caixão aos ombros, por entre jazigos com inscrições de amor e saudade eternos e campas com flores murchas e ar abandonado, e apertou-lhes ainda mais as mãos, a agradecer o cuidado e a ternura. Sabia que teria de chegar ao fim, ouvir o terrível barulho da terra a cair sobre o caixão, deixar-se abraçar por muitas daquelas pessoas, escutar as palavras de consolo, fazer o caminho de regresso ao carro, ser levada para a casa vazia, perceber que estava sozinha. Era a última tarefa, pensou, um exercício final, uma operação de álgebra, como uma sucessão matemática, a seguir ao 2 vem o 4 e depois o 6 e o 8, enquanto conseguisse continuar sabia que se aguentaria, por isso tinha recusado por duas vezes a sugestão das primas para sair do cemitério, e era-lhe quase grato o abandono do corpo que elas amparavam, instando-o a prosseguir por entre áleas de ciprestes e liquidâmbares em que os olhos não se demoravam como deveriam, recortes verdes e avermelhados num céu azul que contrastava com as cores escuras das roupas e a tristeza dos rostos. Não, repetiu, e a terceira negativa em tão curto espaço de tempo pareceu-lhe excessiva, mas nenhuma das primas mostrou surpresa, apesar de saberem as três que essa era uma palavra de uso pouco habitual nela, sempre mais inclinada a anuir ou a aceitar em silêncio, e continuaram a andar atrás dos homens que transportavam o caixão aos ombros, num gesto último de apreço e respeito. De olhos baixos, o que via era o fim das calças e os sapatos, quatro pares pretos e dois castanhos, de vez em quando o vislumbre de uma meia cujo branco achou obsceno, e imediatamente o associou ao jovem poeta em ascensão fulgurante que fizera absoluta questão de entrar no grupo dos seis homens, o que causara comentários em surdina pouco simpáticos que ele devia ter ouvido e ignorara, postando-se entre dois escritores mais consagrados, calculando que ninguém ousaria dizer-lhe para se afastar e conseguindo assim a fotografia na primeira página dos jornais do dia seguinte. Vaidade das vaidades, feira das vaidades, poderia ser o título da notícia, e a ideia fê-la pensar no Pai, porque era o tipo de frase que Ele diria, e espantou-se que nenhum sentimento se associasse à ideia, nem pena nem alívio, nada, mesmo nada, a não ser que o abandono do corpo fosse consequência da sensação de orfandade que talvez ainda não fosse evidente mas que poderia chegar em breve.»


*In Teoria dos Limites, Maria Manuel Viana
edição teodolito, capa João Vilhena

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Porquê? - Judith Teixeira


*Judith Teixeira, in Poesia e Prosa
Organização de Fábio Mário da Silva e Cláudia Pazos Alonzo

Dom Quixote, 2015

In Desamparo

«Quando comecei a trabalhar em jornais, na década de oitenta do século passado, os dedos tremiam-me sobre as teclas rijas das máquinas de escrever, temendo ser incapaz de atingir a verdade através da escrita, por falta de experiência. Fui aprendendo à minha custa, e à custa de contemplar aqueles para os quais a verdade e a mentira são pares intermutáveis nas danças de salão, que a capacidade de voar através da noite da dor importa bem mais do que a experiência. É esse o meu método de aproximação à verdade; um método incauto e muitas vezes trôpego, um método que me expõe e me esfola a pele da alma; mas antes esfolar-me por me atrever a voar do que por existir ajoelhada diante da estatuária do medo.»

*in Desamparo, Inês Pedrosa
Dom Quixote

domingo, 5 de abril de 2015

A única coisa verdadeira, Wim Wenders e Manoel de Oliveira

"A única coisa verdadeira é a memória. Mas a memória é uma invenção.
No fundo, a memória, quer dizer, no cinema; no cinema, a câmara pode fixar o momento, mas esse momento já passou. 

No fundo, o que ele traz são fantasmas, parece-me a mim.
E já não temos a certeza se esse momento existiu fora da película, ou a película é uma garantia da existência desse momento. Não sei."





Foto frase do dia: R. L. Stine


In Não Posso nem Quero


Nesse Outono, a seguir ao Verão em que ambos morreram, ela e o meu pai, houve uma altura em que lhes quis dizer: Está bem, morreram, eu sei, e já estão mortos há algum tempo, todos nós aceitámos isso e explorámos os nossos sentimentos iniciais em relação a isso, sentimentos surpreendentes, alguns deles, e os sentimentos que temos agora que passaram alguns meses - mas está na altura de regressarem. Já estão longe há tempo suficiente.