sábado, 1 de março de 2014

A Arte Está em Todo o Lado

Nós não nos damos conta de como a arte nos trespassa de todo o lado. Anotar isso aos que vaticinam a morte da arte. Isto ao nível mais corriqueiro.Dispor os móveis numa sala é fazer arte. Ou olhar uma paisagem, pôr uma flor na lapela, ou num vaso. Escolher uma gravata, uns sapatos. Provar um fato. Pentear-se. Fazer a barba ou apará-la quando comprida. Todas as coisas de cerimónia têm que ver com a arte. E o corte das unhas. 
Todo o jogo. Toda a verdade que releva da emoção. Às vezes mesmo a escolha do papel higiénico. Mas mesmo a desordem. Bergson, creio, dizia que se tudo fosse desordenado, nós acabaríamos por ler aí uma ordem. E não é o que fazemos ao inventarmos as constelações? Admitir a morte da arte é admitir a morte do homem, que impõe essa arte a tudo o que vê. Mas tenho de ir à casa de banho. A ver se invento arte mesmo aí. (Mas quando disse «casa de banho» e não «retrete», já a inventei.) 



Vergílio Ferreira em Contra-Corrente 3

Emílio Miranda, dia 12

As flores murcharam e pergunto-me se fui eu quem deixou de as acalentar
Se tu que lhes levaste a alegria.
Estavam no meu jardim onde costumava passar os meus dias;
Mas desde que morreram
Evito a porta de saída
Para não ter de me cruzar com os seus caules tombados
Ao lado das palavras que te dizia, caídas; julgo que mortas de tanto gritarem por ti.
É estranho como todas as faltas sofrem da lamentável necessidade de companhia…
É estranho também como tudo o que sentimos de melhor tende a transformar-se em flores murchas, cujo perfume – que enorme contrassenso – é mais forte do que o das vivas!

Emílio Miranda 

Foto: Cláudia Miranda

Foto frase do dia: Twain


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Coisas de nariz

na·riz
(latim naris, -is)
substantivo masculino

1. Parte saliente do rosto, entre a testa e a boca, que corresponde ao órgão do olfacto.

2. Cavidade das fossas nasais; conjunto das duas narinas (ex.: nariz entupido; tira o dedo do nariz).

3. Ventas; focinho.

4. [Por extensão]  Sentido do olfacto. = FARO

5. Cara; feições.

6. Parte saliente na parte da frente de algo (ex.: nariz do avião).

7. Parte do ferrolho que entra na fechadura.

"nariz", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Harold's Planet é já uma referência na ilustração.
Podem segui-lo no facebook (www.facebook.com/itsharoldsplanet) ou em haroldsplanet.com.

Foto frase do dia: Karen Moning


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Eu poético: «Rodriguinhos»

Rodriguinhos

caro amigo imaginário:

tenho medo de falhar, 
mas ainda não tentei ser diferente. 
sofro com a ausência de um abraço,
com a inevitabilidade do tempo 
e as feridas que ele abre. 

ontem vi o amor ao virar da esquina.
corri, corri o mais rápido que pude...
mas já lá não estava.

(nada me espera,
chego sempre tarde.
porquê?
porquê?)

mais vale pôr fim a tudo.
para que presto eu? 
diz-me!

????
???
??
?

encho-me de interrogações e nada concluo.

....
...
..
.

preencho o vazio com reticências.

~~~~
~~~
~~
~

peço um mar que me leve.

amigo, tem piedade de mim.
já que não curas a dor,
ao menos deixa-me

----
---
--
-

sem rodriguinhos. (*)

Rodrigo Ferrão

(*) «pôr de lado tudo o que é acessório ou tudo aquilo que não interessa; sem floreados; sem dramas desnecessários; sem sentimentalismo barato». 
Veja aqui os vários significados de "Rodriguinhos": http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=29877


Foto: Rodrigo Ferrão

Poesia que passa ao lado #4

Cavalo Volátil

No indefeso mercúrio das florestas
as árvores são as minhas luxuosas
portas do terror. E a primavera
passa por elas, indestrutível
como um cavalo volátil.




Joaquim Luís Alves in Autores Não Publicados, Assírio&Alvim 1987

a-ver-livros: volantim

Equilibra-me
na ponta
do teu coração 
matéria que se mantém
artista de circo
entre forças opostas
acrobacia
da precariedade
corda bamba 
laços que a queda
não desata
volantim dançando
na tenda 
do tempo
amor

Ana Almeida

Juro que tentei descobrir a autoria desta ilustração
mas não consegui. Se alguém souber...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Passatempo «Pretérito Perfeito»



A autora tem um exemplar para oferecer aos seguidores do Clube de Leitores - do livro Pretérito Perfeito. O livro será assinado e terá uma dedicatória para o/a vencedor(a)! 

Para participar, basta responder ao seguinte: Se fosse um verbo, qual seria? Em que tempo, e porquê?

As melhores respostas enviadas em comentário a este post (tanto aqui no blog, como na página do facebook ou ainda no grupo) vão a uma finalíssima de 3 dias a ser votada pelos membros do blog e seguidores. 

O envio das frases deve ser feito até Quarta, dia 5 de Março. No dia seguinte, anunciaremos as respostas que vão seguir para a finalíssima.

Boa sorte! 

*O vencedor terá que enviar-nos a sua morada. Em caso de não o fizer, o Clube atribuirá o livro a outro(a) finalista. Fique atento!

Foto frase do dia: Neruda


Poemas cantados 7: A Gente Vai Continuar

 

A Gente Vai Continuar 
* Jorge Palma

Tira a mão do queixo não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas pra dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem á batota
Chega a onde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada pra andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada pra andar
Enquanto houver ventos e mar

A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
A liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo


* O Jorge Palma é tanto poeta como é músico de mão cheia. Das suas letras escolho esta. Pelo arrepio. O eterno arrepio, enquanto houver estrada para andar.

Ana Almeida

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Foto frase do dia: John Burroughs


É do borogodó: Nanã

No canto da sala escondida
No canto da sala humilhada
No canto da sala cuspida, rota
Na sala escura
Na brisa ressentida
Na rede mortificada
Nanã
Invade o ar o cheiro do raspar de tachos
Nanã
lume dos peitos fartos, meu silêncio.
Ainda sonho, minha avó,
Noites longas de atabaques para nossa gira
Flamejando lilás a quaresmeira
Os nossos pés fincados no barro do chão.

Penélope Martins


a-ver-livros: isto não é um poema

Isto não é um poema. 
O poema rasguei-o. Em cem palavras.
Escolhi umas quantas.
Plantei-as em vasos individuais junto à janela.
Deram flor.
São mais bonitas separadas que juntas. 

Ana Almeida

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Resquício (perdido) poético

Jeito(s) de mulher são revoluções feitas de silêncio
vistas em binóculos de criança sonhadora
admiradas com sapiência de tartaruga
executadas em pano de necessidade,
numa violência bela
oferecida a alguém que assista.

extensões espontâneas de espaço
alheio

sempre alheio, sempre sedento.



Marcos Foz

Foto frase do dia: Martin Luther King


a-ver-livros: detalhe

Sou detalhe
pincelada de livro
numa biblioteca 
de seiva e vento
subindo das raízes
para as folhas
vigorosas
da primavera

Ana Almeida

* para saber mais sobre a pintora Catherine Morrisey
siga o link www.westlandgallery.ca/catherine-morrisey.html

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Tordo: o trava-línguas

Toda a comoção envolvendo a partida de Fernando Tordo para o Brasil - emigrante aos 65 - fez-me recordar uma velha canção que, devido à sua fantástica letra trava-línguas, em tempos me servia de aquecimento vocal para os meus dias de rádio. Pertence ao disco "Só Ficou o Amor Por Ti", de 1994.
Experimentem acompanhá-lo a cantar a letra, vá. Conseguiram? ;)

Ana Almeida

O VÍDEO ESTÁ AQUI. SIGAM O LINK:
http://www.youtube.com/watch?v=t8-rbTm3VRk

O rato roeu a rolha
de Fernando Tordo

Enquanto eu passo piso puxo
Pinto paro pulo parto peco
Piro e não passo disso não

Enquanto eu faço foto fato fito
Faro fosso furo falo fico
E não faço nada não

Enquanto eu tiro trago troço
Trapo travo tremo tramo
Troco e não trepo nada não

Enquanto eu largo ligo logo
Laço lago lavo lato luto
Lanço e não limpo nada não enquanto eu…….

Enquanto eu chego chago xingo
Chamo choro chuto chato chalo
Chapo e não chupo nada não

Enquanto eu rapo rodo ralo rato
Raso racho roxo riso russo
E não rimo nada não

Enquanto eu caro canto cato calo
Capo caso cavo cacho copo
E não caço nada não

Enquanto eu soco seco saco sigo
Cego safo selo sugo saro
E não sinto nada não enquanto eu…….

 

Emílio Miranda, dia 11

Já fomos tudo e agora não somos nada
O vento beija as janelas onde se detém, reticente;
A luz aguarda no tapete
O momento em que alguém
A expulsará assim que entre…
Já fomos tudo, agora somos apenas
O pó que paira
Na penumbra
Tremulamente…

Emílio Miranda 


Foto: Cláudia Miranda

Foto frase do dia: K. Hosseini