sábado, 11 de dezembro de 2010

Bocage - Antologia Poética

Uma novidade nas livrarias...

'Treze poemas em cada livro, treze poemas como treze luas, como os treze poemas do calendário lunar. A lua, esse ser cambiante que muda a sua face de espelho circular. Senhora das marés, astro da fecundidade. Ritmos lunares para dar medida ao tempo, ao tempo poético.

Este livro convida-o a ler um poema por dia, ou por semana, ou mês lunar. Depois, pode deixá-lo a repousar numa estante, aberto na ilustração que quiser, que é, nem mais nem menos, a leitura que André da Loba fez das palavras do poeta, para deleite dos nossos olhos e do nosso olhar mais pessoal.'

A primeira citação do livro de Novembro...


O capítulo 6 do livro do mês de Novembro é de uma riqueza extraordinária. Para quem leu ou está a acabar a história, sabe que é uma criança a narrar.

E, como tal, há pensamentos bem próprios da idade. Como este...

'Eu tinha acabado de aprender alguns palavrões naquela altura com muito boas e diversas pessoas, e quando a vaca se recusava a mexer-se, apesar de todas as minhas chibatadas, eu costumava gritar: «Skjalda, sua velha vaca maldita!», e alguns impropérios do género.'

Leiam este livro. É formidável!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A morte de Ivan Ilitch, Lev Tolstoi

Um dos pedaços literários mais formidáveis que li. História curta e simples de um funcionário público angustiado. E das suas doenças.

Viajamos até à Rússia dos Czares. Ivan leva uma vida razoável. É casado, embora não dê muito de si à mulher. Numa altura em que comemora a sua ascensão social, começam, verdadeiramente, os seus problemas de saúde.

Obsessivo com as suas doenças, tenta de tudo para travar o inevitável. Sofre pensamentos muito desgastantes, vive com o stress à flor da pele. E é incapaz de compreender que nada disso ajuda. Apenas acentua, cada vez mais, a inevitabilidade do seu destino.


Este é um livro introspectivo, das profundezas do pensamento humano. Através de Ivan Ilitch, Tolstoi questiona as limitações da nossa condição. A morte é retratada com todas as emoções que a atormentam. Viajamos às decisões do passado de Ivan, das suas tristezas, da vida que levou.

Em poucas páginas damos por nós a pensar naquilo que fazemos. Destas duas realidades - vida e morte.

A Um Ausente

Poema perfeito... Um dos meus heróis. Há em Drummond de Andrade toda a felicidade que um amante das letras pode encontrar. Como este pedaço...


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o acto sem continuação, o acto em si,
o acto que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Há uns meses escrevia isto...

Foi há uns meses que lancei uma conversa privada com um amigo dos livros, sempre atento e presente...

Hoje partilho, com a certeza que passo uma mensagem! É sobre uma forma de estar na vida...


'Sabes, há uma coisa no mundo que me preocupa mais do que todas as outras: quando avaliamos as pessoas pela rama. Quando nos fechamos em copas a viver o egoísmo das nossas próprias vidas.

A certeza de partilhar o melhor que temos é, sem dúvida, a maior missão que nos move. Com as falhas próprias da inquietude humana, com todas as limitações físicas e intelectuais que, por vezes, nos deixam as botas com os cordões mais difíceis de desatar.

O tempo urge. Anda e não perdoa. O passado foi, o presente é e o futuro pode ser. Incerto como o tempo que fará daqui a precisamente um ano.

Um emprego é um sustento. É uma forma de contribuirmos para a sociedade. É algo convencionado pelo homem, algo pelo qual se luta. Quem não luta é marginal ou muito rico. Ou então é totalmente incapacitado, talvez muito doente.

Os livros são como a droga que nos consome e corrói por dentro. Eu não gosto apenas de ler. Adoro sentir o papel, cheirar uma velha edição, apaixonar-me por uma capa ou saber que alguém se prepara para lançar mais um.

É raro encontrar alguém assim, mesmo neste negócio. Como tu sabes, há pessoas no ramo que não se preocupam em ler muito. Desconhecem o que vendem. É indiferente vender aquilo ou peixe na lota.

Aqui critico o modo de estar na profissão, não a legitimidade para se ser como é. Isto porque é legítimo ser-se assim e, como qualquer um, fazer um bom trabalho. Não é o meu modo de estar nem o teu, nós entregamo-nos de corpo e Alma.

Está-nos no sangue e é algo que não conseguimos disfarçar...'

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Livro do mês de Dezembro, Primo Levi

Vamos estudar um pouco de história. A história de uma vida entre muitas que sentiram na pele o Holocausto. Uma prosa nua e crua acerca do maior drama na vida da humanidade.

'Se isto é um Homem' é o livro escolhido pela Carla Valério para leitura conjunta do nosso clube. Não posso esperar outra coisa que não seja uma discussão alargada de um livro triste e cruel. As expectativas para começar estão elevadas.

'Na noite de 13 de Dezembro de 1943, Primo Levi, um jovem químico membro da resistência, é detido pelas forças alemãs. Tendo confessado a sua ascendência judaica, é deportado para Auschwitz em Fevereiro do ano seguinte; aí permanecerá até finais de Janeiro de 1945, quando o campo é finalmente libertado.

Da experiência no campo nasce o escritor que neste livro relata, sem nunca ceder à tentação do melodrama e mantendo-se sempre dentro dos limites da mais rigorosa objectividade, a vida no Lager e a luta pela sobrevivência num meio em que o homem já nada conta.

Se Isto é um Homem tornou-se rapidamente um clássico da literatura italiana e é, sem qualquer dúvida, um dos livros mais importantes da vastíssima produção literária sobre as perseguições nazis aos judeus.'

Primo Levi nasceu em Turim em 1919 e suicidou-se em 1987, na mesma cidade.

Carla Valério em Dezembro

Negociação rápida. À minha pergunta se queria participar, a Carla disse logo: 'preferes clássico ou novidade?'

Mais umas mensagens e chegamos à escolha. Havia 5 possibilidades, mas esta ganhou. E cumpre-se um desejo meu - mais rápido do que planeado - ler a grande obra do italiano Primo Levi.

Quanto à pessoa que escolheu o livro de Dezembro, posso dizer que é uma leitora requintada. Gosta de se tratar com bons romances, de discuti-los, de transportá-los. Guarda alguns obrigatórios, aos quais volta sempre que preciso. Os melhores dos melhores. Poesia também faz parte!

Ganhei-a como cliente, muito recentemente. Uma mensagem e ponho-me em busca dos livros que precisa. Entrega ao domicílio e transferência bancária. O mundo pode ser tão simples, para quê complicar?


De resto, voltamos aos juristas. Daquela espécie à qual eu faço parte... A Carla é do meu ano de entrada (não do de saída). Apesar de não a ter conhecido muito bem no meu tempo em Coimbra, temos vários conhecidos e amigos em comum. E hoje partilhamos a mesma cidade - este Porto.

Quero agradecer a sua participação e dar-lhe as boas vindas. Caminho livre para sonharmos mais um pouco. Pelas letras que nos unem!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Marina, marina...

A jornada de Outubro fica fechada. O livro de Novembro (de Laxness) está nas bancas para ser discutido e, para Dezembro, está quase a sair novo escritor e mais um tesouro...

É 'tradição' dar uma opinião sobre as escolhas dos meus convidados e, não fugindo a ela, comento o livro que o Diogo Martins nos trouxe.

'Marina' de Zafón mantém-se ao estilo do escritor. Fugindo, ainda, da mágica muito própria de 'A sombra do Vento', mas fiel a uma maneira de estar na escrita: a quase adjectival 'escrita que prende'.

É impossível não tirarmos os olhos dos livros do escritor. Os cenários são sempre muito bem conseguidos, com o excelente pano de fundo da cidade condal. Saltar de pedra em pedra pelas ruas de Barcelona parece ser a grande fórmula de Zafón.


Quanto à história, um misto de thriller e policial, com toques de mistério e fantasia. As duas principais personagens são (espanto meu) duas crianças. Dotadas de um enorme espírito de aventura, Marina e Óscar Drai - rapaz que escapa constantemente do internato - entram na pele de detectives.

Uma grande viagem a outros tempos na vida de Barcelona, à misteriosa história de um homem que veio de leste e fez uma enorme fortuna na cidade. Ao seu desaparecimento - que deixou muita coisa por explicar - e de tudo que se encontrava à sua volta.

Pelo meio, descobertas macabras, assassínios, marionetas que ganham vida... Muita acção, a um ritmo alucinante.

Zafón conta uma história muito diferente dos restantes romances que lhe trouxeram fama em Portugal. Esta nada tem a ver. No entanto, está bem conseguida. Longe de ser uma referência extraordinária, de ser um livro que esteja dentro dos meus preferidos. Mas entreteve-me. Lê-se bem e rápido. O escritor consegue prender.

Deixo, por fim, uma frase: 'Pintar é escrever com a luz (...). Primeiro deves aprender o seu alfabeto; depois a sua gramática. Só então poderás ter o estilo e a magia.'

Foi o livro de Outubro. Obrigado ao Diogo. E até qualquer livro...

domingo, 5 de dezembro de 2010

Quase palpáveL

Há dias fiz o mesmo caminho que fizemos.
Lembraste? Caminhámos lado a lado sem dar as mãos.
Temos tanta dificuldade em dar as mãos.
Bem sei que não é suposto sermos vistos de mãos dadas, mas estávamos longe, muito longe, in a kingdom far far away, como nas histórias para crianças, longe do teu mundo, longe do meu mundo.
Falámos de cinema e de livros, falámos de todas as histórias, menos da nossa história.
Só não falámos do tempo.
E estava um céu tão interessante, cinzento chumbo, baixo, quase palpável, mesmo como eu gosto.
Pois, não sabias.
Qual é a minha cor preferida? Rápido, sem pensar!
Cinzento. Estás a ver, não sabias.
Depois de falarmos de tudo, sem falar de nós, sentámo-nos num banco do jardim. Primeiro lado a lado, o meu corpo longe do teu, far far away, três palmos mal medidos, e olhos postos no rio, as mãos arrumadas.
Se alguém perdesse dois minutos a olhar para nós ficaria com dúvidas, estão ou não juntos, mas ninguém perdeu dois minutos a olhar para nós.
As pessoas só perdem tempo a olhar para os outros nas felicidades e nas catástrofes, inveja ou pena, mas só um é pecado mortal.
Mesmo nós não perdemos dois minutos a olhar para nós, apenas temos olhos um para o outro.
O que é que eu faço sem teus olhos?
Até que a distância se tornou insuportável, e sem aviso desaguei no teu colo, eu em estado líquido, os teus braços à minha volta redondos e côncavos, como paredes de aquário, tu a segurar-me dentro de ti.
Eu às voltas no teu peito, uma tempestade dentro do teu peito capaz de virar todos os barcos, eu, meu porto de abrigo, dentro de ti.
Os teus dedos a afastar-me o cabelo dos olhos e a arrumá-lo com critério no armário atrás da minha orelha, os teus lábios na minha testa, no meu nariz, o teu cheiro, o compasso do teu coração, os meus olhos fechados.
Até que hoje, talvez porque estava o mesmo céu cinzento de chumbo, baixo, quase palpável, fiz o mesmo caminho.
De um lado o jardim, com os bancos de jardim, do outro lado o Tejo.
Os bancos de jardim com vista para o Tejo.
Os meus olhos apenas para os bancos de jardim.
Até que reconheci o nosso banco de jardim.
Sentei-me a olhar para o Tejo e para as gaivotas.
A verdade é que não eram gaivotas, mas não sei como chamar-lhes, e quando não se sabe inventa-se, não foi assim que nos ensinaram em pequenos, far far away.
Estive sentada cinco minutos, não mais.
Cinco minutos e a insuportabilidade da tua ausência.
Até que dez metros depois, também não sei se foram dez metros, far far away, quando não se sabe inventa-se, reconheço outro banco de jardim como o nosso banco de jardim, o que se repete dez metros depois, de repente todos me parecem iguais, e sinto-me infeliz e quase ridícula por me sentir infeliz e por não conseguir mostrar a mim mesma, eu a mim mesma, o nosso banco de jardim, porque todos os bancos de jardim me parecem iguais, e pergunto-me como é possível, se o nosso amor foi tão diferente.