Há dias fiz o
mesmo caminho que fizemos.
Lembraste?
Caminhámos lado a lado sem dar as mãos.
Temos tanta
dificuldade em dar as mãos.
Bem sei que não
é suposto sermos vistos de mãos dadas, mas estávamos longe, muito longe, in a kingdom far far away, como nas
histórias para crianças, longe do teu mundo, longe do meu mundo.
Falámos de
cinema e de livros, falámos de todas as histórias, menos da nossa história.
Só não falámos
do tempo.
E estava um céu
tão interessante, cinzento chumbo, baixo, quase palpável, mesmo como eu gosto.
Pois, não sabias.
Qual é a minha
cor preferida? Rápido, sem pensar!
Cinzento. Estás
a ver, não sabias.
Depois de
falarmos de tudo, sem falar de nós, sentámo-nos num banco do jardim. Primeiro
lado a lado, o meu corpo longe do teu, far
far away, três palmos mal medidos, e olhos postos no rio, as mãos
arrumadas.
Se alguém
perdesse dois minutos a olhar para nós ficaria com dúvidas, estão ou não
juntos, mas ninguém perdeu dois minutos a olhar para nós.
As pessoas só
perdem tempo a olhar para os outros nas felicidades e nas catástrofes, inveja
ou pena, mas só um é pecado mortal.
Mesmo nós não
perdemos dois minutos a olhar para nós, apenas temos olhos um para o outro.
O que é que eu
faço sem teus olhos?
Até que a
distância se tornou insuportável, e sem aviso desaguei no teu colo, eu em
estado líquido, os teus braços à minha volta redondos e côncavos, como paredes
de aquário, tu a segurar-me dentro de ti.
Eu às voltas no
teu peito, uma tempestade dentro do teu peito capaz de virar todos os barcos, eu,
meu porto de abrigo, dentro de ti.
Os teus dedos a
afastar-me o cabelo dos olhos e a arrumá-lo com critério no armário atrás da
minha orelha, os teus lábios na minha testa, no meu nariz, o teu cheiro, o
compasso do teu coração, os meus olhos fechados.
Até que hoje,
talvez porque estava o mesmo céu cinzento de chumbo, baixo, quase palpável, fiz
o mesmo caminho.
De um lado o
jardim, com os bancos de jardim, do outro lado o Tejo.
Os bancos de
jardim com vista para o Tejo.
Os meus olhos apenas para os bancos de jardim.
Até que reconheci o nosso banco de jardim.
Sentei-me a olhar para o Tejo e para
as gaivotas.
A verdade é que não eram gaivotas, mas não sei como chamar-lhes, e
quando não se sabe inventa-se, não foi assim que nos ensinaram em pequenos, far far away.
Estive sentada
cinco minutos, não mais.
Cinco minutos e
a insuportabilidade da tua ausência.
Até que dez
metros depois, também não sei se foram dez metros, far far away, quando não se sabe inventa-se, reconheço outro banco
de jardim como o nosso banco de jardim, o que se repete dez metros depois, de repente
todos me parecem iguais, e sinto-me infeliz e quase ridícula por me sentir
infeliz e por não conseguir mostrar a mim mesma, eu a mim mesma, o nosso banco de jardim, porque
todos os bancos de jardim me parecem iguais, e pergunto-me como é possível, se
o nosso amor foi tão diferente.