sábado, 8 de dezembro de 2012

Revista Grisu e o seu elenco de luxo... Conheçam a nova sensação das revistas de poesia

(Foto: Carlos Lobo)

Está "um mimo" o 1.º número da Grisu (que já mora cá em casa). Com o preço simpático de 5 euros, a revista nasce de um projecto da Associação Cultural com o mesmo nome e foi apresentada com pompa e circunstância na cidade de Guimarães - por Rosa Guimarães, leitura de José Eduardo Silva e acompanhado à guitarra por António José Pereira.

Esta publicação nasce sob a direcção de Alberto Gomes, Ana Guimarães e João Salgado. 

As primeiras palavras pertencem a Roh Huberzirk (retiradas de «Os Sabres de Mensur»): 
- De uma forma geral, tudo aquilo que se diga é igual ao litro - rosnou o marquês, contemplando o copo.
- Tem dias - respondeu o major -, tem dias... Atrás de tempos, tempos vêm, e essas tretas todas.

(in Público, suplemento Ípslon, 30/11/2012 - por Luís Miguel Queirós) - clicar para ampliar

Entretanto, Luís Miguel Queirós deu grande destaque da Revista no seu espaço de opinião do Ípslon. E não é para menos... Esta edição conta com nomes muito sonantes como Carlos Poças Falcão, Adília Lopes, Manuel Gusmão, Manuel de Freitas, Miguel-Manso, Renata Coelho Botelho, Rui Pires Cabral, Vítor Nogueira, Fernando Guerreiro, fotografias de Carlos Lobo (Tokyo Story), traduções de poemas dos irlandeses Thomas Kinsella, John F. Deane, Richard Murphy, MacDara Woods, Tom McIntyre, Pat Boran e Eamon Grennan. Poemas inéditos dos japoneses Hisaki Matsuura e Junko Takahashi e do ucraniano Evgueni Daienine.

A tradução dos poemas dos irlandeses é levada a cabo por Alberto Gomes. E os poemas dos japoneses e do ucraniano são traduzidos e comentados por Adília Lopes.

(clicar para ler um poema de Richard Murphy - «Lenda»)

A Revista arrancou há pouco tempo. Por isso não será ainda fácil encontrá-la. No entanto, é com prazer que anuncio que o Clube de Leitores vai vendê-la na sua banca já no próximo Bairro dos Livros no Porto - 14, 15 e 16 de Dezembro. A edição de Natal é no antigo edifício AXA, na Avenida dos Aliados. Procurem-nos,  porque vamos andar por lá.

E para quem quiser conhecer um pouco mais, aqui fica a página do facebook. Anotem: https://www.facebook.com/pages/Revista-Grisu/551861361497037.

Podem também escrever para:

Grisu, Associação Cultural
Apartado 369
4801-913 Guimarães
grisu.ac@gmail.com

As bibliotecas não têm passado: transformam o antigo em contemporâneo

Foto: Pedro Ferreira

Não temos sempre as melhores palavras e somos mais inteligentes quando sabemos beber das palavras dos outros. Deparei-me com este texto do Alberto Manguel no site do jornal brasileiro "O Globo" e parece-me de todo útil partilha-lo convosco. Aqui ficam as palavras de este homem das letras e dos livros que também já tem passado aqui pelo blogue.

"Dizer que uma biblioteca é o repositório da memória de uma sociedade parece implicar que essa memória é algo que está distante no tempo, contemporâneo de Alexandria. A noção de que aquilo que preservamos do esquecimento pode ser tão recente como nossa infância ou a dos nossos avós nos escapa: preferimos pensar na história social como uma história antiga, velha como Matusalém. Em vez disso, as bibliotecas são os principais repositórios de nossa própria história e dão uma espécie de modesta imortalidade àquilo de que o passado deseja se apropriar. As bibliotecas transformam o antigo em contemporâneo. O lugar onde vivemos, as pessoas que vemos todos os dias, possuem histórias documentadas, intencional e involuntariamente, em toneladas de papel e tinta, em retratos e fotografias, em vozes gravadas, em papiro e rolos de cera e formatos electrónicos. De uma biblioteca, pode-se dizer que não tem passado: tudo é presente ou, se preferirmos, tudo, inclusive este momento e este lugar em que nos encontramos, pertence a um passado no qual continuamos a existir.

Esse passado é o de cada um de nós, mas, sobretudo, é o nosso em conjunto. Uma biblioteca pública sempre guarda em si, implicitamente, a noção de uma certa identidade colectiva. Contudo, podemos perguntar: que elemento, que característica precisa define essa identidade? Obviamente, uma biblioteca regional ou nacional deve trazer a preocupação de abrigar sob seu tecto a maioria das obras que esta região ou nação produziu e permitir aos cidadãos deste lugar acesso a todos os seus cantos. No entanto, para encarnar plenamente a identidade colectiva, para ser, em certo sentido, sua imagem emblemática, deve possuir algo mais, algo que permita aos leitores reconhecer nela uma duplicidade esclarecedora: ser uma instituição conservadora, mas estar sempre em crescimento, sentir-se enraizada no passado, mas traduzir constantemente esse passado em futuro, colocando-se como um centro ao mesmo tempo local e deslocalizado, como um arquivo concentrado e ecléctico, como um microcosmo e um macrocosmo reunidos sob um único teto.

Leitores crescem à sombra de censores e políticos


Talvez porque a história é um género literário, os grandes eventos da humanidade obedecem a leis de estilo e regras de sintaxe. Nossas tragédias e comédias têm heróis e vilões, respostas memoráveis e actos simbólicos. Com esmero artístico, ainda que nem sempre alcançado, construímos nossas sociedades e instituições e, ao longo do tempo, como ocorre em nossa memória com as obras literárias, nossas acções se resumem a uns poucos parágrafos notáveis. Assim acontece com nossas ambições e empreitadas, nossas fundações e destruições, nossos finais e começos. Nossas cidades, como nossos livros e obras de arte, entesouram significados que seus autores muitas vezes desconhecem e símbolos que, às vezes sem querer, são arcaicos e universais. A arquitectura de uma cidade simboliza sua história, e toda sociedade pode reclamar como seu o epitáfio que o arquitecto Wren escreveu para seu túmulo na catedral de Westminster: “Si monumentum requeris, circumspice” (“Se necessita de um monumento, olhe em volta”). Censores e políticos sabem disso e, em nossa época, tratam de substituir as bibliotecas, centro simbólico de uma sociedade letrada, pelos bancos, centro simbólico de uma sociedade gananciosa.

Desde o princípio, há mais de cinco milénios, os leitores cresceram à sombra de censores e políticos. Os primeiros crêem, apesar dos incontáveis exemplos em contrário, que é possível anular o passado, cegar o presente, espoliar o futuro, aniquilar uma ideia uma vez expressada e, literalmente, apagar as palavras da memória comum. Os outros pensam que, deformando ou empobrecendo o ato da leitura, podem transformar os leitores em meros consumidores, debilitando seu poder de reflexão e seu juízo, condição necessária para consumir às cegas — assim, por um tempo, podem alcançar seus objectivos, embora não para sempre. Ambos os esforços são, ao fim e ao cabo, inúteis, mas demonstram a extraordinária fé que as autoridades possuem nos poderes do leitor: poder de escolher, de discutir, de questionar, de transformar, de recordar, de imaginar mundos melhores. O poder do leitor é imenso.

Nas sociedades do livro, a biblioteca, apesar de ficar em um lugar específico, assume para seus leitores uma geografia universal, já que a palavra escrita elimina fronteiras. Esta geografia sem fronteiras que a palavra escrita cria elege como centro o espaço da biblioteca. Os sete mares e os seis continentes confluem para as prateleiras destes edifícios icónicos, como também as constelações, os sóis e as trevas, imensidão que converge para a mesa de cada leitor e se resume a algumas linhas do texto que está lendo. A biblioteca universal não existe, a menos que toda biblioteca seja universal.

Desde sempre temos levado connosco nossas palavras — nossos livros, nossas bibliotecas — para nos acompanhar em nossas peregrinações. A Europa herdeira de Santo Isidoro (tanto de seus talentos intelectuais como de seu antissemitismo e demais preconceitos) projectou sua enorme sombra na aventura da conquista, que outros chamam invasão. Os soldados letrados e iletrados que emigraram para o novo continente levaram não só a mitologia europeia, das sereias e amazonas ao deus redentor que agoniza em uma cruz, mas também livros que eram memória e glosa de tais mitologias. É inquietante ler na crónica da primeira viagem de Colombo que, ao ver uns peixes-boi na costa da Guiné, ele acreditava ver “três sereias que saltaram bem alto no mar, mas”, completa fielmente o almirante, “não eram tão bonitas como as pintam”. Perturba também saber que era importante para esses homens trazer a terras desconhecidas os seus livros. Dom Pedro de Mendoza, fundador da minha Buenos Aires, trouxe consigo vários tomos. Para ele, contemporâneo de “Dom Quixote”, o mundo intelectual era um só, ou, em outras palavras, para ele em qualquer empreitada particular devia intervir o universal. Em todo caso, é importante reconhecer que seu impulso foi o de dar à nova cidade o fundamento de uma biblioteca transportada e se assegurar assim, por associação, uma espécie de imortalidade."

Cronicando pela Ásia... Saindo de Banguecoque rumo ao Cambodja

Banguecoque »»» Fronteira com o Cambodja, 18 de Abril 2009

Qual é a probabilidade de arranjar um bilhete mais barato do que um café Ocidental? Bem, a Tailândia pode ter coisas surpreendentes...

Estou na estação. É de madrugada e espero na linha que me vai levar ao Cambodja. Junto as trouxas todas e deito-me no chão. A noite começa a desvanecer-se. Já se vê o primeiro raiar da manhã.

Quando entro no comboio, dá-me a sensação que isto vai ser "uma experiência e tanto!" Mantenho-me acordado nesta primeira parte. Digo adeus a Bangecoque. A linha passa pela parte nova da cidade. Torres elevam-se a perder de vista. Mas, de repente, passo a ver barracas com imensa gente lá dentro. 


E o dia já começou! Toda a gente está a despertar. Alguns já cozinham. Outros lavam os pratos e ainda há quem esteja em oração... Povo carregado de rituais matinais.

Esta viagem promete. Mal abandono a metrópole sou invadido por um verde luxuriante. Campos de arroz, palmeiras, bananeiras... As vacas pastam. 

As pessoas passam ao meu lado para os seus trabalhos. Montados em motinhas ridículas. Quantas e quantas vezes não vai uma família pendurada. Diria que em perfeito equilíbrio! 

Como já tive oportunidade de sublinhar: é mais um dia para sobreviver. Parar é morrer. E o Povo Thai não pára.

Atravessar o país num comboio sem janelas... Apinhado de gente que vem e que vai. Quando achamos que finalmente vai esvaziar, volta a encher. E pelo meio, ainda passam os vendedores ambulantes. Vendem águas, snacks e comida tradicional. Há quem carregue sacos de 50 quilos de arroz, há quem leve uma galinha debaixo do braço. Uns transportam vegetais, outros sementes. Há quem apenas se leve a si. Ou dê a mão a um filho. Mas tudo na maior das pausas.

E lá vou eu! De mochila às costas, como tantos outros aventureiros. Durmo um pouco. Acordo ou miro o que me rodeia. Brinco com alguma criança que passa. Aproveito para ler qualquer coisa e tirar umas fotos.

Ainda restam umas horas para chegar ao Cambodja. País que nunca sonhei visitar. E que pouco ou nada sabia...

Rodrigo Ferrão

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

e-corrúpio: o futuro do livro. Uma opinião de Sarah Adamopoulos (blog aventar)

Achei tão interessante e sustentada esta opinião sobre a dicotomia livro em papel / e-book e o futuro do objecto... que deixo na íntegra o texto de Sarah Adamopoulos, do blog Aventar. O mesmo que promoveu o concurso "Blog do Ano" e que nós, com orgulho, ganhámos na categoria que nos cabia - Livros / Literatura / Poesia. (ainda se lembram dessa vitória?)

Aqui fica o texto de opinião "e-corrúpio" que é retirado na íntegra do blog Aventar: http://aventar.eu/


«Em 2020 já não haverá livros, assegura-me ao telefone um amigo tomado de fascínio por essa visão pós-moderna da nossa existência próxima. Digo-lhe que não, que haverá sempre livros. Contra-argumenta lembrando a quota de mercado que têm actualmente os e-books, e afirma, insuflado de certeza pelas garantias da propaganda da tecnologia de ponta que o subjuga, que esse mercado vai crescer, que as pessoas já não vão querer ler livros em papel, que vão lê-los nos seus formatos digitais, com tablets e essas coisas que hoje também servem para ler. Digo-lhe que haverá sempre livros porque haverá sempre leitores de livros. Diz-me que esses leitores analógicos e anacrónicos vão morrer, e gradualmente dar lugar a novas gerações de leitores nada interessados no objecto-livro – segundo ele condenado, mais que não seja, porque é demasiado caro. Insisto que haverá sempre livros, e que pessoalmente não aceito participar desse programa de matança do livro. E para o calar remato: que me deixe às minhas utopias, sendo certo que essa espantosa engenharia das possibilidades se constrói com as cabeças que pensam e com as mãos que escrevem, com os olhos postos no Mundo que é preciso fazer nascer dos escombros – ruínas produzidas pelas mesmas tecnologias de mercado que reduzem pessoas a números indexados em bases de dados de consumidores-contribuintes dos e-Estados.

Desligo o telefone e baixo-me para apanhar um desses escombros: uma lamentável tradução recente de um livro de um grande escritor, talvez realizada num prazo absurdo para uma obra literária, num e-corrúpio à moda dos tempos, talvez unicamente revista num monitor de computador, talvez sem as sempre necessárias (e anacrónicas e analógicas, bem-entendido) provas de papel com emendas a lápis, ou talvez mesmo jamais revista por um revisor profissional, o que acrescentaria custos à edição – e sobretudo retiraria receitas aos editores reféns das lógicas monopolistas abjectas das grandes superfícies e suas cadeias de intermediários que, duma assentada, acabaram com as livrarias e com os ofícios da edição. E abro o escombro (editado por uma importante chancela, como agora se diz das editoras compradas pelos grandes grupos que se têm dedicado a dar cabo da edição de livros em Portugal) nas primeiras páginas para descobrir, atónita, a certificação que dá cabo de mim: as traduções dos livros desse escritor em Portugal são todas obrigatoriamente revistas por uma senhora professora doutora que assegura a sua qualidade. Como diria a minha filha tomada de perplexidade: what the fuck?!»
*por Sarah Adamopoulos, blog Aventar

The Hobbit: An Unexpected Journey - mais um livro que deu filme

O filme The Hobbit: An Unexpected Journey está quase a chegar. Muitos dizem ser o mais aguardado do ano. Conta com as participações de Cate Blanchett, Ian McKellen, Luke Evans, Elijah Wood, Martin Freeman, Andy Serkis, Hugo Weaving, Orlando Bloom, Christopher Lee, Richard Armitage, Ian Holm nos principais papeis.

Realizado por Peter Jackson, este filme é baseado na obra de J.R.R. Tolkien.


Publicado em Portugal pela Europa-América, «o Hobbit é a história das aventuras de um grupo de anões que vão à procura de um tesouro guardado por um terrível dragão.

São relutantemente acompanhados por Bilbo Baggins, um hobbit apreciador do conforto e vida calma. Encontros com elfos, gnomos e aranhas gigantes, conversas com o dragão, Smaug, o Magnífico, e a presença involuntária na Batalha dos Cinco Exércitos são algumas das experiências por que Bilbo passará. O Hobbit é não só uma história maravilhosa como o prelúdio a O Senhor dos Anéis.»


«John Ronald Reuel Tolkien nasceu na África do Sul, de pais ingleses, em 1892. Tinha 4 anos quando o pai morreu e foi já em Inglaterra que fez os seus estudos, concluídos em 1915 na Universidade de Oxford. Alistado no Exército Inglês, combateu na Primeira Grande Guerra e foi vítima da "febre-das-trincheiras", que o levou a estar hospitalizado durante um ano. A seguir à guerra trabalhou na equipa que organizou o "Dicionário Inglês de Oxford" e começou a leccionar, primeiro na Universidade de Leeds, depois na de Oxford. Tolkien era um especialista do Old English (que vai do séc. VIII a.C. ao séc. XII d.C.) e do Middle English (que vai do séc. XII ao XVI). 


"O Hobbit", seu primeiro livro (já publicara textos académicos, nomeadamente, em colaboração com E. V. Gordon, "Sir Gawain and the Green Knight) escreveu-o em 1937, e a trilogia de "O Senhor dos Anéis" foi publicada nos anos de 1954 e 55. J.R.R. Tolkien viria a morrer em 1973, com 81 anos.»

1º Parágrafo: Autópsia de Um Mar de Ruínas


Quem vem lá?, bradou ele do alto do posto, de súbito enregelado e com um calafrio na voz, ao escutar os passos que chapinhavam do lado de lá da morte. Vira-o apenas de fugida, passar, encobrir-se, ficar como que atento e em suspensão, ir-se finalmente como vento, e deixou de vê-lo. Pensou que voara, alando-se ou apenas se extinguindo num espaço impreciso, entre a noite e uma sebe de canas de bambu que ali havia. Ainda assim, apontou-lhe a arma mas às cegas. Não um corpo em sua concreta forma definida, pensou, mas a breve sombra de um vulto sem corpo e sem cabeça – ou com ela estranhamente suspensa e degolada, que é como todas as sombras se movem nas noites furtivas da guerra. Logo a seguir, reapareceu a flutuar à sua frente, iluminando-se em contraste com a penumbra, um anjo perdido da guerrilha: como se se tivesse posto de novo em levitação.


Por fios e adesivos, poesia para acabar a semana


"Desalento ou a importância da pontuação
já não há poemas
apenas palavras
desalinhadas fora de ordem imprecisas sujas
o poeta desalentou
o sangue do seu ofício já não corre
é simplesmente uma matéria
vermelha e coalhada
as palavras cortantes desenfreadas oxigenadas de vida
partiram para parte incerta
nesse estado de ausência pré-morte presumida
o poeta resiste e das sílabas faz sons
que balbucia a despropositadas horas
segundos minutos horas
palavras apenas de uma outra
que dizem ser «dia»
já não há poemas
apenas palavras
descarnadas pungentes e definitivas"


clicar na imagem para aumentar


É mais logo, às
21h30, na Reitoria da Universidade do Porto, que André Lamas Leite apresenta "Por fios e adesivos" com Cândido da Agra, responsável pelo prefácio deste livro de poesia. A publicação é da responsabilidade da Edium Editores.

Nascido no Porto, é docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, na área das Ciências Criminais. Para além de colaborações pontuais na imprensa, publicou “Breviário”, poesia, em 2007, sob a chancela da “InLibris”

Depois de aberto o apetite com um poema deixamos também um excerto do prefácio.

"Andar “por fios”, ferir-se, colocar “adesivos” sobre soluções de continuidade, contorcer-se de dores físicas e morais por via de uma mulher é impensável na cultura ocidental até à modernidade e noutras culturas para as quais o paroxismo amoroso é um absurdo. Não duvido que autores clássicos da nossa cultura como Lucrécio e Ovídio reagiriam da mesma maneira que o velho da tribo da Rodésia ao ouvirem aquela história de amor romântico. O amor romântico é “Paragem”: ordena “a suspensão de Cronos”, congela, petrifica, cristaliza… É loucura."

Prefácio de Cândido da Agra em "Por fios e adesivos"

a-ver-livros: quando puderes, Iain Faulkner

Procura-me na primeira prateleira a contar de cima 
Estou entre Burns e Campbell, um tomo
pequeno, sinais do tempo
a voz rouca de me tentar fazer ouvir

Procura-me até me encontrares
e quando puderes lê-me
Tenho meia dúzia de linhas 
para dizer-te baixinho ao olhar

* para conhecer mais da pintura do escocês  Iain Faulkner
basta seguir o link www.eegallery.com/artists

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E acabam assim estes dias do arco-íris



O término da leitura do livro do mês de Novembro, "Os dias do arco-íris", de Antonio Skarmeta, é partilhado com uma publicação em papel. A propósito deste mesmo livro tinha escrito uma espécie de resenha/ resumo para a Revista Vírus, em edição papel e mais tarde em formato digital online. Para já o número dois, da segunda série da publicação ainda só está em formato de papel. Deixo mais abaixo o link para o site para que possam ver o número anterior e mais tarde procurar o mais recente.
Reproduzo também o texto publicado que fica como ponto final para esta leitura que espero que tenham gostado de seguir.

"«A história de um não que queria ser sim»
Os Dias do Arco-Íris, de Antonio Skarmeta. Teodolito (chancela das Edições Afrontamento), 2011, 208 páginas.


Chegou a Portugal em 2011, “Os Dias do Arco-Íris” de Antonio Skarmeta, pela Teodolito, chancela das Edições Afrontamento, e coordenada pelo editor Carlos da Veiga Ferreira. Chegou às nossas mãos no ano em que ganha o Prémio Iberoamericano de Narrativa Planeta-Casa de América. Skarmeta acumula uma longa lista de prestigiosos prémios internacionais: o Prix Médicis, o Grinzane Cavour, o Elsa Morante, o Boccaccio Internacional, a Medalha Goethe e o Prémio Mundial de Literatura Infantil da Unesco. Os seus livros encontram-se traduzidos em mais de 35 idiomas. “O Carteiro de Neruda” alcançou êxito mundial e o filme, realizado Michael Radford, obteve cinco nomeações para o Oscares.

Esteban Antonio Skármeta Branicic nasceu em Antofagasta em 1940, descendente de croatas. Cursou filosofia e literatura na Universidade do Chile, completando seus estudos nos EUA e graduando-se na Universidade de Columbia. Foi membro da organização de esquerda Movimento de Acção Popular e Unitária (MAPU) e em 1973, quando era professor de literatura da Universidade do Chile, abandonou o país por força do golpe militar promovido por Pinochet. Após morar na Argentina, fixou residência na Alemanha, regressando ao seu país apenas em 1989.

“Os Dias do Arco-Íris” revisita o momento em que Pinochet foi tirado do poder pela campanha do Não, uma coligação que embalava a resistência à ditadura em anúncios com jingles, cores do arco-íris e amplos sorrisos - uma estratégia brilhante e arriscada para derrotar um legado de pesadelo. Em Outubro de 1988, foi realizado um referendo nacional exigido pela Constituição para determinar se Pinochet deveria permanecer no poder por mais oito anos. O "não" venceu e Pinochet caiu. Até parece fácil!

Skármeta, disse que se Pinochet "não foi derrotado, permitiu-se ser destituído", e que, a seu ver "ainda não foi dito nada" sobre todo o ocorrido neste período "de luzes e de sombras".

A 30 de Agosto de 1988, os Comandantes e Chefes das Forças Armadas e o General Director dos Carabineros, em conformidade com as normas transitórias da Constituição em vigor, propuseram como seu candidato Augusto Pinochet. Os partidários do "Sim" integravam membros do governo e os partidos Renovação Nacional, União Democrata Independente e outros partidos menores. Por outro lado, a oposição criou a Concertação de Partidos pelo "Não" que agrupava 16 organizações políticas opositoras ao regime, entre as que se destacavam a Democracia Cristã, o Partido pela Democracia e algumas facções do Partido Socialista. O Partido Comunista ainda estava proscrito. A 5 de Setembro desse ano foi permitida a propaganda política após quinze anos de ditadura.

A propaganda seria um elemento chave para a campanha do "não", ao mostrar um futuro colorido e optimista, contraponto a campanha oficial, notoriamente deficiente de qualidade técnica e que pressagiava o retorno do governo da Unidade Popular em caso de uma derrota de Pinochet. Ainda que a campanha do "sim" conseguisse reverter os magros resultados do começo, revitalizando sua campanha, os resultados finais entregaram a vitória à oposição: o "sim" obteve 44,01% contra 55,99% do "não".

Ao silêncio inicial de Pinochet, que aparentemente havia pensado em não reconhecer os resultados do referendo, sucede-se a aceitação da vitória do "não" e a afirmação da continuidade do processo traçado pela Constituição de 1980. Assim, marcaram-se eleições para a presidência e parlamento no dia 14 de Dezembro de 1989.

Em comparação com outras experiências de transição democrática de países latino-americanos do chamado Cone Sul, o Chile apresentava, no início da década de 1990, uma tríplice particularidade: em primeiro lugar, não herdava uma crise económica, uma vez que a mudança fundamental de modelo económico e seus respectivos custos haviam sido realizadas sob o regime militar; seguidamente, tratava-se do único caso em que a maioria do bloco de oposição à ditadura se converteu numa coligação de partidos de governo, ao iniciar-se a fase democrática; por fim, as duas vantagens anteriores chocam com a profundidade e extensão dos enclaves autoritários, o que estabelece o seguinte paradoxo: no Chile dá-se uma das transições mais incompletas, que convive simultaneamente com um novo regime bastante consolidado.

A transição para a democracia no Chile talvez seja o maior exemplo de um processo político que, quanto mais avança, mais se distancia do seu impulso original. Quanto mais avança, mais se vê cancelado o processo de democratização, entendido como aprofundamento e expansão da participação, ao mesmo tempo que se cristaliza a impossibilidade de qualquer reforma na estrutura de representação política da cidadania.

Neste livro Skármeta serve-se de dois narradores, que nos vão relatando a história em capítulos alternados: Adrián Bettini e Nico. Bettini é um publicitário talentoso mas desempregado que aceita a incumbência de criar a campanha do Não. Nico é um adolescente, filho de um professor de liceu desaparecido às mãos do regime chileno. É também colega e namorado da filha de Bettini, sendo esse o elo de ligação entre as duas narrativas.

O estilo de Skármeta é directo e conciso. À medida que avançamos na história, mergulhamos no modo como se vivia, trabalha, estuda e amava nos dias finais do regime de Pinochet. Não parece ter sido de forma diferente do que se passa em tantas outras ditaduras, onde qualquer gesto, mesmo o mais inocente, pode ser mal interpretado e levar à morte. O drama dos desaparecidos é focado no livro, sobretudo através da história do professor Santos. Um aspecto interessante do livro é a forma como nos permite compreender as hesitações daqueles que querem opor-se ao regime, com os naturais receios de eventuais represálias. Outro aspecto muito bem conseguido é o retrato que é feito da total ausência de direitos dos cidadãos, perante a arbitrariedade de quem exerce o poder.

“Os Dias do Arco-Íris” como uma obra literária responde aos requisitos de um bom romance. Divertido pela forma como é contada, como as histórias nos são apresentadas. Agarra-nos pelos factos históricos que contam brevemente, mas com clareza, e tudo é escrito numa linguagem acessível e cheia de pormenores regionalistas que nos enquadram também cronologicamente."


por Pedro Ferreira, in Vírus, Novembro 2012, II Série

1º Parágrafo: A Instalação do Medo


A mulher está nua, o que neste instante a ocupa é mais prático sem roupa – quando tocam à campainha.


Para trás ficam 104 anos de Grande Arquitectura... Para o presente e o futuro ficam muitos mais. Oscar Niemeyer em livro.

‎"A vida pode mudar a arquitectura. No dia em que o mundo for mais justo, ela será mais simples."
(Oscar Niemeyer)

Assim termina a notícia dada pelo Jornal Público:

«Foi protegido por figuras como André Malraux, em França, ou Giorgio Mondadori, que em 1968 lhe encomendou a sede da sua editora, nas proximidades de Milão. Tornou-se o maior embaixador da arquitectura brasileira. Isto todavia é pouco, se comparado com o contributo que deu à evolução da arquitectura moderna. Muitos dos seus edifícios tornaram-se arquétipos para os arquitectos contemporâneos. Niemeyer foi um génio e como tal, padeceu de violentos ataques e também de elogios condescendentes. Talvez por ter medo da morte, foi aquilo que podemos descrever como um “homem feliz”.»

Para além de uma vida cheia, Oscar Niemeyer passou por inúmeros livros. Aqui ficam alguns dos que estão publicados em Portugal. 

Conversa de Arquitecto
Oscar Niemeyer
Campo das Letras, 1997.

«De um traço nasce a arquitectura. E quando ele é bonito e cria surpresa, ela pode atingir, sendo bem conduzida, o nível superior de uma obra de arte.» Oscar Niemeyer

"Foi pedido a Oscar Niemeyer que preparasse alguns textos para, num pequeno livro, dar aos interessados em arquitectura, e aos jovens em especial, uma aproximação aos seus métodos e concepções de trabalho.

Com paciência, humildade e zelo exemplares produziu textos e refundiu outros já editados em ocasiões diversas, num trabalho de formiga com caneta, tesoura e cola, sempre à procura da palavra mais exacta, da frase mais concisa, da construção mais simples. E ainda fez a paginação, os desenhos e a capa.
O resultado é esta pequena obra-prima da literatura e plasticidade."




As Curvas do Tempo, Memórias
Oscar Niemeyer
Campo das Letras, 2000

"Este é o livro de um homem para quem as coisas mais importantes da vida são a amizade e a solidariedade. Isto não está dito explicitamente no livro, que não é de teoria mas de memória; está implícito no que ele evoca: o ambiente familiar da infância, os primeiros amigos, os colegas da juventude, os companheiros de militância política, os parceiros nos projectos arquitectónicos... É um número sem fim de amigos que vão se somando a outros no curso da vida."



Oscar Niemeyer - Casas
Alan Hess
Editorial Gustavo Gili, 2012

"Oscar Niemeyer. Casas é o primeiro livro dedicado unicamente aos projectos  construídos ou não, das casas de Niemeyer. Suas casas dividem-se em três fases, por meio das quais percebemos suas primeiras influencias da arquitectura de Le Corbusier e Lúcio Costa, suas referências coloniais brasileiras e a evolução de seu estilo arquitectónico único, em que o arquitecto assumiu uma crescente liberdade formal fazendo uso da plasticidade do concreto armado. Pouco interessado na produção de sua arquitectura em larga escala, Niemeyer preocupa-se mais com a perfeita implantação de suas casas na topografia do lugar e com sua integração com a paisagem.

O resultado é um conjunto de casas únicas que, complementadas pelo trabalho de Athos Bulcão e do paisagista Burle Marx, são, até hoje verdadeiras obras de arte. Além da emblemática Casa das Canoas, este livro apresenta uma selecção de casas construídas de 1940 a 2005, que inclui exemplares pouco divulgados, como a Strick House, nos Estados Unidos, e a própria residência do arquitecto em Brasília. Com mais de trezentas fotografias e croquis do próprio arquitecto  Oscar Niemeyer. Casas destina-se a estudantes e a todos os profissionais interessados em compreender a obra de um dos mais importantes arquitectos de todos os tempos."

a-ver-livros: o búfalo e Tumagon Pichai

Talvez morra amanhã
hoje leio cavalgando a besta
o sol fugindo do dia
para os braços da noite

Se morrer amanhã
terei lido as tuas palavras
e serei melhor por isso

* para conhecer um pouco mais sobre o pintor tailandês Tumagon Pichai
siga o link huahinartsguide.com/2010/07/17/hua-hin-artist-group

In memoriam: Papiniano Carlos

A literatura portuguesa do século passado não teria sido a mesma sem Papiniano Carlos, que agora partiu em direcção ao céu das gentes das letras, 94 anos bem somados. Para muitos será uma referência política, anti-fascista convicto e activo.

Para mim será sempre o autor delicado de “A Menina Gotinha de Água”, editada algures pelos anos 60, nascia eu.

Era uma vez uma gotinha de água que vivia no mar sem fim. Juntamente com as suas irmãzinhas formavam o Mar...”, hei-de recordar sempre estas linhas iniciais, que querem. E entristece-me a sua morte. 

Papiniano Carlos (1918 - 2012)

Deixo-vos nesta noite dentro dois links. O artigo factual e algo frio do Público. E “A Menina Gotinha de Água” em versão musical, parte do CD "Cantarolando" de João Filipe.

In memoriam.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O futuro é sombrio - por Maria do Rosário Pedreira

Este é um texto retirado na íntegra do blog horasextraordinarias.blogs.sapo.pt e é da autoria de Maria do Rosário Pedreira.* 

"Andamos tristes lá em casa, o Manel um pouco menos do que eu, é certo, porque gosta mais da vida e, além disso, já era crescidinho quando o doutor Salazar caiu da cadeira e, como tal, o retrato que tem à frente é-lhe, de algum modo, familiar. Mesmo assim, às vezes damos connosco, à noite, a olhar um para o outro bastante macambúzios: à nossa porta (maneira de falar), há cada vez mais homens com fome – e não da que se mata com um prato de comida, que aí ainda poderíamos ajudar (embora a caridade não seja solução), mas da que só se sacia com um trabalho que não existe, independentemente de os braços terem força para tudo e vontade de fazer. E nós, no meio dessa tristeza, publicando livros. Pobres livros... Depois da ilusão do Natal (e já será para poucos, bem sei), quem vai realmente poder comprar livros, goste ou não de ler, quando as mangas dos casacos dos filhos ficarem curtas e os sapatos apertados, apesar dos pés pequenos? Quem cometerá a ousadia de ler um livro novo quando Janeiro se eriçar de frio e a conta da electricidade começar aos gritos de alarme? Quantos dos nossos amigos e conhecidos, muitos deles grandes leitores, gente dos jornais e das televisões, individual e colectivamente despedidos, começarão o ano de 2013 (o 13 do azar) desempregados, ainda para mais com a consciência de que, na sua idade, pode ser (des)ocupação para muitos anos, enquanto o subsídio de desemprego – esse, sim – tem os anos contados? E que será então dos tradutores e revisores, das pessoas que trabalham nas gráficas, nas livrarias e nas editoras? Que será de mim e do Manel, por exemplo, se aquilo em que trabalhámos toda a vida, além de não pôr comida no prato de ninguém, fizer de nós mais dois com fome (maneira de falar), iguais a esses que todos os dias se vão acrescentando à nossa porta? A preto e branco vejo o retrato do futuro próximo. O Manel, que já viveu a sépia, entristece-se menos, aconselha-me a preocupar-me apenas quando (e se) esta ceifeira moderna bater à nossa porta. Sim, ainda temos casa e porta, é um facto. Muitos já as perderam."


*«Escritora portuguesa, Maria do Rosário Pedreira nasceu em 1959, em Lisboa. Fez os estudos superiores na Universidade Clássica de Lisboa, onde se licenciou, em 1981, em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Franceses e Ingleses. Fez ainda o curso de Língua e Cultura do Instituto de Cultura, em Portugal. Como bolseira do governo italiano, esteve em Perugia a frequentar um curso de Verão, na Universidade. Foi também aluna do Goethe Institut. A sua formação académica abriu-lhe as portas do ensino e da tradução.

Amante da actividade editorial, coordenou os serviços da Editora Gradiva, foi directora de publicações da Sociedade Portugal-Frankfurt/97 e editou os catálogos das exposições temáticas da Expo'98, entre outros. Em 1998, tornou-se editora da publicação Temas e Debates.
Iniciou a sua carreira literária em 1996, escrevendo o seu primeiro livro de poesia A Casa e o Cheiro dos Livros, cuja edição se esgotou de imediato. Seis anos mais tarde, e após a edição de vários títulos em prosa, nomeadamente Alguns Homens e Duas Mulheres e Eu (romance) e outros de literatura infantil, Maria do Rosário Pedreira publica um novo livro de poemas O Canto do Vento nos Ciprestes, cujo merecimento da crítica a vai confirmar entre a plêiade dos novos poetas.

A propósito deste seu novo e mais recente livro de poemas que nasce da "experiência de perda" vivenciada num determinado período da vida, a autora considera que deve ser lido de enfiada como se de um pequeno romance se tratasse. Na verdade, as suas afirmações "Canto em memória de um amor" e "O obstáculo inerente a qualquer amor está sempre presente neste romance poético" demonstram que a sequência narrativa criada à volta do mesmo tema estabelece entre os poemas uma unidade difícil de anular e destruir.

Distinguida com alguns prémios literários, é detentora de uma obra diversificada, em prosa, poesia, ensaio e crónica, constituindo a literatura juvenil - grosso da sua ficção - um veículo de transmissão de valores humanos e culturais. As colecções juvenis Detective Maravilhas e O Clube das Chaves (esta em parceria com Maria Teresa M. González) entraram já no universo ficcional da adolescência portuguesa.»

1º Parágrafo: Os Anjos Nus


Sabia-se na terra que a Menina Florinda falava com as imagens da igreja. Havia muito quem tivesse ouvido. Nem ela se escondia de ninguém para o fazer: fazia-o com a maior das naturalidades. E o que dizia? Coisas geralmente amistosas, do género “ora vamos lá então acender esta velinha” ou “ passaste bem a noite, Santa Catarina?”.



* Um livro feito de oito contos: Os anjos nus; Uma cruz na testa, outra nas costas da mão; Acender um cigarro no lampadário da igreja; Uma carta ao Menino Jesus; O salvo-conduto; Para além das águas; Vilar Frio, O diário de C*.

Câmara Clara fez imenso pelo mundo dos livros... Lutemos pela manutenção deste programa

Leiam e se quiserem assinem!

Petição: http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2012N32936

a-ver-livros: verbo conjugado e Robert Bereny

Olhar nos meus próprios olhos
e fingir que não vejo
as labaredas
lamber os portões da loucura

Fugir do reflexo no espelho
como da pestilência

Escrever um diário falso 
contando toda a verdade
que se esconde nas cinzas

Conjugar os verbos
da esperança

* para conhecer mais sobre o pintor Robert Bereny (1887-1953)
siga o link bjws.blogspot.pt/2011/02/hungarian-artist-robert-bereny

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Poema à noitinha... valter hugo mãe


brincávamos a cair nos braços um do outro

«brincávamos a cair nos
braços um do outro, como faziam
as actrizes nos filmes com o marlon
brando, e depois suspirávamos e ríamos
sem saber que habituávamos o coração à
dor. queríamos o amor um pelo outro
sem hesitações, como se a desgraça nos
servisse bem e, a ver filmes, achávamos que
o peito era todo em movimento e não
sabíamos que a vida podia parar um
dia. eu ainda te disse que me doíam os
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o
cansaço chegava e instalava-se no meu
poço de medo. tu rias e caías uma e outra
vez à espera de acreditares apenas no que
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam,
quando percebíamos que o mundo era
feito de distância e tanto tempo vazio, tu
ficavas muito feminina e abandonada e eu
sofria mais ainda com isso. estavas tão
diferente de mim como se já tivesses
partido e eu fosse apenas um local esquecido
sem significado maior no teu caminho. tu
dizias que se morrêssemos juntos
entraríamos juntos no paraíso e querias
culpar-me por ser triste de outro modo, um
modo mais perene, lento, covarde. Eu
amava-te e julgava bem que amar era
afeiçoar o corpo ao perigo. caía eu
nos teus braços, fazias um
bigode no teu rosto como se fosses o
marlon brando. eu, que te descobria como se
descobrem fantasias no inferno, não
queria ser beijado pelo marlon brando e
entrava numa combustão modesta que, às
batidas do meu coração, iluminava o meu
rosto como lâmpada falhando

a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não
brinques assim, vais partir uma perna, vais
partir a cabeça, vais partir o
coração. e estava certa, foi tudo verdade»

*valter hugo mãe, in 'contabilidade' (Edição Alfaguara).

Não te rendas - por Mario Benedetti



*Mario Benedetti

1º Parágrafo: Dentro do Segredo


Eu entendia o ódio com que oi guarda da alfândega me olhava. Era um oficial de farda nova e completa, botas engraxadas, patentes brilhantes, talvez sessenta anos, talvez pai de alguém da minha idade. O compartimento tinha quatro lugares. A minha mala estava sobre a cama de cima, à esquerda. Eu estava à espera no corredor do comboio, entre toda a gente que também esperava. Quando chegou a minha vez entrei. Ele estava de pé, a segurar o meu passaporte aberto à sua frente, como se me comparasse com a fotografia mas sem olhar para ela, apenas a fixar-me, severo, de ferro.


* O livro de estreia do autor na literatura de viagens – Uma Viagem à Coreia do Norte, ao país mais fechado do mundo.

a-ver-livros: navegação à vista e Miriam Briks

Soçobro ao cansaço
de escolher ser
feliz todos os dias


Afundo o pavor 
de a felicidade não
me escolher a mim 
para escrever o futuro

Assobio enquanto
lavo o convés
deste couraçado
em forma de livro

* para conhecer mais sobre o trabalho da pintora Miriam Briks
siga o link www.facebook.com/pages/Miriam-Briks-Art


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Partilhado há pouco pela minha irmã Teresa... Uma frase de Almada Negreiros

Se queres ver maior, experimenta carregar na imagem!


Camões também vira anuncio ao Licor Beirão...

Lembram-se no passado fim-de-semana termos visto Pessoa num anuncio ao Licor Beirão?

Desta vez é Camões a estrela.

A não perder, que este é «à pala»!!

1º Parágrafo: O Fracasso do Amor


Foste tu que me explicaste, terna e lentamente para eu entender de uma vez por todas que não podemos saber tudo sobre todas as coisas. Que vamos aprendendo aos poucos, sem pressas, que são as ideias e as coisas, até as pessoas, que nos encontram sem que tenhamos de as buscar onde não sabemos encontrá-las. Há que saborear o tempo com lentidão, sem atropelos desnecessários. Foi contigo que aprendi a domar a sofreguidão obsessiva com a busca do conhecimento que sempre sonhei dominar em absoluto e que quase me levou à loucura. Como se fosse realmente possível o domínio de qualquer absoluto que seja. Ansioso por aprender tanto, podia ter passado anos a desperdiçar os dias em vão e, quando finalmente me sentiste preparado para fazer boa figura com tanta bagagem intelectual, já teria esgotado o meu crédito de vida. Desligava-se a ficha e apagava-se a memória. E nada. Foi boa ideia teres mostrado tanto empenho em acalmar esta busca furiosa que me consumia sem que que me apercebesse da devassa. Acordei a tempo de aprender a dormir mais descansado. Foste tu que me explicaste.


a-ver-livros: de repente e Oleg Dozortzev

De repente o passado
De repente uma operação 
de coração aberto
como um livro 
que nunca quisemos terminar de ler

De repente a dor
esquecida

o aguilhão em brasa
que pensávamos arrefecido

De repente tudo 
o que críamos já nada

* para conhecer mais sobre o pintor russo Oleg Dozortzev
siga o link www.academart.com/Dozortzev

domingo, 2 de dezembro de 2012

Dom Quixote contra moinhos de vento até aos grandes ecrãs

Que "Dom Quixote de La Mancha" é um romance universal, já se sabia. Mas que os chineses tinham feito uma adaptação cinematográfica em 3D para a grande obra de Cervantes, era desconhecido. Vale a pena ver a novidade em forma de trailer. Uma pérola dos efeitos especiais que Cervantes nuca terá sonhado.


Em Maio de 2002, uma impressionante comissão de críticos literários de várias partes do mundo, escolhida pelos Clubes do Livro Noruegueses, escolheu o livro "Dom Quixote de La Mancha", escrito por Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616), a partir de 1602, como a melhor obra de ficção de todos os tempos. Uma escolha arrojada mas em nada surpreendente dada a notoriedade da obra pelo mundo todo.

O livro surgiu em um período de grande inovação e diversidade por parte dos escritores ficcionistas espanhóis. Parodiou os romances de cavalaria que gozaram de imensa popularidade no período e, na altura, já se encontravam em declínio. Nesta obra, a paródia apresenta uma forma invulgar. O protagonista, já de certa idade, entrega-se à leitura desses romances, perde o juízo, acredita que tenham sido historicamente verdadeiros e decide tornar-se um cavaleiro andante. Por isso, parte pelo mundo e vive o seu próprio romance de cavalaria. Enquanto narra os feitos do Cavaleiro da Triste Figura, Cervantes satiriza os preceitos que regiam as histórias fantasiosas daqueles heróis de fancaria. A história é apresentada sob a forma de novela realista.

A primeira tradução em Portugal é anónima, de 1794. No século XIX, foi feita uma 2ª tradução, em 1876, pelos Viscondes de Castilho e de Azevedo, publicada no Porto pela Companhia Literária.

Para além desta moderna adaptação existem várias adaptações a cinema das quais destaco:

- Dom Quixote, realizado em 2000, por Peter Yates, com John Lithgow, Bob Hoskins e Isabella Rossellini nos principais papéis.

- Dom Quixote, realizado em 1992, por Orson Welles, com Francisco Reiguera, Akim Tamiroff e o próprio Orson Welles nos principais papéis. Filme que só foi finalizado mais tarde, desta feita não por falta de financiamento mas porque Orson Welles o considerava um exercício pessoal o que foi alongando o tempo de produção.


- Dom Quixote (1957) do russo Grigori Kozintsev

- Don Quixote (1933) do alemão Georg Wilhelm Pabst

Para além destas existem outras adaptações à grande tela, mas também para televisão em formato de série ou até mesmo em animação ou desenhos animados.

Deixo a capital, rumo a norte... Com este poema de António Maria (Lisboa)

«Nasceu em Lisboa no dia 1 de agosto de 1928 e frequentou o Ensino Técnico.

Amigo de Mário Cesariny, com ele escreveu "Afixação Proibida", um importante manifesto do surrealismo português que inicia este movimento em Portugal.

Apesar de inserida no surrealismo, a obra de António Maria Lisboa caracteriza-se por uma faceta ocultista e esotérica que a torna muito particular.

Morreu de tuberculose com apenas 25 anos, mas a sua obra não deixa de ser um marco na literatura portuguesa. Durante a sua curta vida, António Maria Lisboa acreditou sempre no Surrealismo como liberdade e poesia totais, como se pode depreender da sua escrita.»

E escreve assim...


Vírgula

«Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.»

*António Maria Lisboa, in "Ossóptico e Outros Poemas"