sábado, 2 de junho de 2012

a-ver-livros de manhã à tarde: Adam Niklewicz

Na ponte que o livro forma dá-se o encontro. Na mão que troca o livro.
Na mão que toca o livro. Dá-se o encontro. São tempos livros.



* Para conhecer mais sobre o polaco-americano Adam Niklewicz
como ilustrador é só seguir para http://www.illustratorusa.com/.
Como escultor http://www.adamniklewicz.com/

Dia da(s) Criança(s) na Feira

Ontem foi Dia Mundial da Criança. Para este dia, que na Feira, de crianças já tem muito pouco, porque as ditas já vão direccionadas para as campanhas de marketing e ofertas que os inundam. Acabam por passar ao lado dos livros de todos os outros livros e serem entretidas com espectáculos, brindes e sabe-se lá mais o quê... tudo e quase menos livros. Responsabilidade - dos educadores, das escolas, de quem tem responsabilidade pública na educação e pelas editoras (grupos editoriais) que o fazem.
Assim, a minha escolha para este dia acaba por recair num livro diferente. Um livro com uma causa. Um livro de uma chancela nova. Uma aposta de um dos senhores dos livros em Portugal.




MENINO COMO EU
LUÍSA LOBÃO MONIZ (Texto), RITA MONIZ (Ilustração)

32 pp., 2011
PVP 10€

Um livro para crianças baseado nos seus direitos e deveres e nas actividades da SOS Criança. É um gesto de solidariedade com todas as crianças em situação de risco, pois a receita da venda vai para o IAC (Instituto de Apoio à Criança/SOS Criança).

O SOS Criança é um serviço anónimo e confidencial, de apoio às crianças, jovens, famílias, profissionais e comunidade, de âmbito nacional e internacional, tendo como populações-alvo: - Crianças e jovens até aos 18 anos; - Suas famílias; - Profissionais que trabalham nestas áreas; - Cidadãos com preocupações neste âmbito.

O título do livro é uma frase dita por uma menina de 8 anos, em 1989, referindo-se a um menino maltratado.


Por ter considerado da máxima importância  dotar as crianças de algum conhecimento sobre a existência de um serviço que as pode orientar antes que o risco aconteça, Luísa Lobão Moniz aventurou-se na elaboração deste livro, num gesto de solidariedade com todas as crianças em risco, cuja receita da venda  vai na íntegra para o SOS Criança. A obra é editada pela Teodolito, chancela das Edições Afrontamento, com o ex-editor da Teorema, Carlos Veiga Ferreira.

a-ver-livros nem sequer de tarde, mas na verdade já de madrugada

A culpa é toda do Mário-Henrique Leiria, o autor de "Contos do Gin-Tonic", que tinha um cão chamado Vodka. E eu sempre sonhei ter um Vodka. E pronto, aconteceu. Embora seja uma Vodka.
Por causa dela, e das exigências de dois mesitos de idade, o a-ver-livros de hoje só chega agora, tarde e a más horas, mas reflexo de muita alegria.
E é preciso mais literatura do que isto?



* Para conhecerem mais do trabalho da ilustradora Tatiana Cordoba é só seguir o link: http://www.tatianacordoba.com/

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Está aberta a Feira e hoje é o dia dos mais pequenotes

Está feito e a funcionar, pavilhões abertos e livros para vender, venham de lá as pessoas.

Num primeiro dia marcado pelo calor foram já bastantes as pessoas que se passearam pela Avenida no meio dos livros. Este é também o ano em que acaba o contrato entre a APEL e a CMP sobre a localização da Feira na Avenida dos Aliados, correm já rumores da deslocalização para a Rotunda da Boavista.

Na minha opinião um erro. Uma zona isolada que já não é uma área de passagem dos portuenses. Uma zona que "fecha" quando fecham os serviços, para além dos factores de insegurança para quem ficará a trabalhar na Feira. Mas isso mais uma vez é outra estória...!

Parece que passaram por lá as entidades do costume... a correr e só para o aparato de uma ou outra fotografia que isto de ouvir queixas é chato.

Peter Brown

Mas como nem tudo pode ser mau. 
Hoje é Dia Mundial da Criança e para abrir o apetito pelos livros aos mais novos aqui ficam algumas das actividades que a Feira tem para o dia de hoje. Amanhã este será o tema do nosso diário, com algumas escolhas no livro infantil, juvenil e e ilustração.

11 horas
ESPAÇO INFANTIL|Infantil - BAIRRO DOS LIVROS
Oficina Infantil Bairro dos Livros/ Biblioteca Musical

BIBLIOCARRO|Infantil - BAIRRO DOS LIVROS
Oficina Infantil  Bairro dos Livros/ Aventuras Urbanas

16 horas
PAVILHÕES DOS PARTICIPANTES|Sessão de Leitura - PORTO EDITORA
Sessão de Leitura com Amélia Lopes, co-autora de "10 Meses de Histórias"

PAVILHÕES DOS PARTICIPANTES|Sessão de Leitura - PORTO EDITORA
Sessão de Leitura com Odete Praça, autora de "A Avó e a Escola"

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Almedina e a Vodafone num anúncio


A Almedina e a Vodafone fizeram um anúncio que já está a passar nas televisões e na internet. Deixo-o no nosso blog para ficarem a conhecer melhor a empresa onde trabalho. Renovo sempre o convite para me visitarem na loja Almedina no ArrábidaShopping - Vila Nova de Gaia. Vale a pena!

a-ver-livros de manhã: Mark Ryden

O estômago alimenta-se da tevê mas os pés assentam nos livros.
E não há um pingo de inocência naqueles olhos.


* Para conhecer mais do mundo estranho e maravilhoso do norte-americano Mark Ryden basta seguir o link: http://www.markryden.com/

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Feira do Livro do Porto pronta a começar

Está aí a 82.ª Feira do Livro do Porto.

Ao longo de 18 dias, de 31 de Maio a 17 de Junho, a Avenida dos Aliados será palco de conversas com autores, apresentações, lançamentos e sessões de autógrafos, mas também de concertos e sessões de cinema ao ar livre.

À semelhança das edições anteriores, a Feira do Livro do Porto terá nesta 82ª edição uma personalidade homenageada - o escritor Fernando Guimarães. A sessão de homenagem terá lugar no dia 9 de Junho, às 17h.

O horário da feira é este ano uma vez mais alargado: de 2.ª a 6.ª Feira, a abertura é às 12h30; Sábado, Domingo, Feriados e Dia da Criança às 11h00. De Domingo a Quinta-feira, a Feira encerra às 23h00; Sextas, Sábados e vésperas de Feriado às 24h00.

Aqui no blogue seguiremos de perto: com o diário da Feira de volta. Acompanha a partir do blogue ou a partir das nossas páginas nas redes sociais. Eu mesmo de muito perto, no stand B31 da Companhia das Artes. Passem por lá!

a-ver-livros de manhã: Daniela Zekina

Comeu-os com os olhos. Comeu-os com a ponta dos dedos.
Comeu-os com a alma e a mente, letra por letra, sinal a sinal, cuspindo os poetas delicadamente para a ponta dos dedos e escondendo-os nos guardanapos dobrados que voltava a pousar no colo.
Por tudo isso lhe chamavam "A Devoradora de Livros".


* Para conhecer mais sobre a ilustradora búlgara Daniela Zekina, actualmente a viver no Quebec, é só seguir o link: http://artodyssey1.blogspot.pt/search/label/Daniela%20Zekina

terça-feira, 29 de maio de 2012

A minha ida à rádio...



Dia 29 de Maio. Um dia aparentemente igual a outro qualquer... Mas absolutamente diferente para o meu lado. Talvez o dia mais importante na história deste blog: o dia em que vos levei à Rádio.

A Rádio Manobras (com ligação directa ao facebook ou pelo skype em radio.manobras) tem o programa ENTARDECERES conduzido por Bernardino Guimarães. E hoje fui o seu convidado para uma conversa sobre livros, leituras, leitores... Estes foram alguns dos temas da primeira hora. A visão de um livreiro sobre a leitura, sobre o que se passa no mundo dos livros - edição, livrarias. Falamos também de gostos pessoais, autores preferidos, do meu percurso... Na segunda parte, o assunto incidiu mais sobre o blog - o seu nascimento, orgânica, histórias curiosas, o prémio que ganhou, os seus propósitos e sonhos!

Podíamos ter ficado um dia inteiro a falar. O Bernardino Guimarães é um locutor experiente, simpático e sabe conduzir muito bem o programa. Quero, desde já, dar-lhe os parabéns pelo trabalho que está a desenvolver e desejar-lhe as maiores felicidades com o seu projecto. No fim, ficou a ideia que esta nossa conversa poderá estender-se a outras. Assunto não nos faltou...

Foi um dia em cheio! O programa levou mais longe o blog Clube de Leitores e elevou a leitura, o livro, a literatura a outro patamar. Saímos todos a ganhar: os ouvintes da Rádio, os leitores do blog.

Espero conseguir disponibilizar uma gravação para que escutem esta nossa conversa. Até lá, fica o meu testemunho. Estou muito contente por ter tido uma experiência assim.

Muito obrigado à Manobras e ao Bernardino Guimarães (nunca é demais agradecer) - passei a ser fã e vou começar a acompanhar com frequência! 91.5 fm!


a-ver-livros pela manhã: Alireza Darvish

Para onde vão, com tudo o que leram às costas?
Para onde os levam as letras que não esquecem?
A corda é bamba. Mas o caminho é sempre em frente.


* * Para conhecer mais da arte do iraniano Alireza Darvish é só seguir o link:
http://www.animacali.com/html/seit1.html

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Clube de leitores dá entrevista amanhã à Rádio Manobras!

Certo dia sou surpreendido por Bernardino Guimarães. Telefone tocou. O desafio não podia ser mais interessante: ir à Rádio falar do Clube de Leitores. Do Bernardino sei aquilo que o facebook me dá a conhecer: o seu blog - http://peregrino-bg.blogspot.pt/; a sua citação favorita (ou uma das) - "A cultura é aquilo que fica depois de termos esquecido tudo o que aprendemos"; e o seu gosto pelas artes em geral - música, pintura, poesia, fotografia... Enfim, um mar de paixões.


A Rádio Manobras "é um projecto de rádio para o centro histórico do Porto: 91.5 Mhz."

Na sua página de facebook define-se assim:

"A Rádio Manobras é um projecto de radiodifusão dedicado ao centro histórico do Porto: uma rádio com som da cidade e voz dos cidadãos. Criada no âmbito do programa Manobras no Porto, a Rádio Manobras tem como missão ser um espaço de diálogo com a comunidade, um espaço de experimentação sonora e um espaço de acção cívica e cultural.

A Rádio Manobras tem antena e porta aberta a todas as pessoas que se identifiquem com a sua missão e que contribuam activamente para a sua construção enquanto meio privilegiado de comunicação com a Cidade.

Manobras no Porto está integrado no projecto Porto 2.0, co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Norte (ON.2).

Manobras no Porto é uma iniciativa Porto 2.0. Projecto promovido pela Porto Lazer, EEM, e co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) 2007-2013, no âmbito do ON.2 – O Novo Norte (Programa Operacional Regional do Norte 2007-2013)."

Posto isto, fica o convite para assistirem ao programa. Será amanhã, dia 29, pelas 18 horas. Basta sintonizar em 91.5 Mhz. Quanto ao conteúdo... Como devem calcular... será sobre o blog, sobre livros, sobre letras. E o que mais houver a dizer! Lá estarei a defender as cores deste projecto. Conto convosco, como sempre. Rádios bem sintonizados.

Até amanhã!

a-ver-livros pela manhã: Elisabeth Jonkers

Escolheu uma roupa colorida. Queria dar ao cor ao seu dia.
Juntou-lhe um livro e perdeu-se nas horas.
Que interessava que fosse segunda-feira?


* Para conhecer mais da arte da francesa Elisabeth Jonkers é só seguir o link:
http://www.elisabethjonkers.com/models.htm

domingo, 27 de maio de 2012

Percursos biográficos

Ao Domingo...
Letras Focadas 


“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas” 


Parte I
A viagem

São 23 horas! Lá fora reina o silêncio de uma guerra com horas marcadas.
A menina, já mulher, que docemente lhe chamam Cita, aconchega-se nos lençóis, pensando que os homens apenas se tornaram crianças e, por breves instantes, resolveram brincar às guerras!
Amanhã, quando acordar, tudo estará como dantes: A avó estará à sua espera com uma taça de flocos, como só ela sabe fazer; a colega de sempre, estará junto ao portão, de mochila às costas, seguindo juntas para o liceu; a Laica, fiel companheira, ladrará à sua passagem dando-lhe os bons dias. Amanhã, quando acordar, o seu mundo estará no mesmo lugar, no ponto onde tudo era perfeito!
Fecha os olhos… adormece….
-Cita… Cita… acorda filha… rápido! Chegou a hora!
A voz soa-lhe familiar, mas a mensagem é-lhe profundamente estranha e perturbadora. O pai junto à cama, mostra-se ansioso e Cita percebe de imediato que o sonho morrera e, que a partir daquele momento, a realidade dura de uma guerra que não compreende definiria a sua vida e tudo seria diferente.
As regras estabelecidas há muito são cumpridas a rigor: luzes apagadas, silêncio absoluto…! Tudo se faz mecanicamente como se o chão fosse algodão e na escuridão brilhasse o mais esplendoroso sol.
Obedece em silêncio! Os gestos, vezes sem conta ensaiados, como se de uma peça de teatro tratasse, têm hoje a sua grande estreia! Hoje não é ensaio, hoje é a sério!

À meia-noite em ponto começa a viagem! E que viagem!
Pensou dentro da sua inocência que seria uma grande aventura e, no regresso, levaria alguns serões a contar as peripécias. Seria com certeza considerada uma heroína e esse pensamento encheu-a de vaidade!
Breve foi o seu devaneio! Olhou em redor e, na carruagem onde estava, cheirava a tristeza, dor! Percebeu que a aventura não era de descobertas, de mistérios, mas de perdas, de vidas interrompidas e sonhos desfeitos.
Fixou o olhar naquela senhora de meia-idade que tricotava sem cessar! Pensou: deve estar a fazer uma camisola! E, com a velocidade com que cruzava as agulhas e passava a linha, logo a camisola laranja e verde, andaria cobrindo o corpo de alguém!
Estranhou o olhar parado, distante, sem luz, daquela senhora! Se não prestar atenção, ainda fica um buraco na camisola – pensou!
O barulho de um forte apito e do movimento brusco do comboio em movimento, trouxe-a de volta! Agora era o cheiro que a incomodava. Comida... cheiro de comida! Achou que estava tudo louco!
Então este não é o mesmo comboio que a levava todos os anos para as férias grandes na praia? Isto é uma simples viagem, ora essa! É preciso levar tanta comida, tanto saco, tanto trapo?
Reparou que ao seu lado ia apenas um saco da TAP de viagem e o cão de peluche (recebido há pouco tempo no aniversário)! Assim é que é, pensou! Para a viagem o indispensável, nada mais!!!!

-Cita, vê se dormes! Tens uma longa viagem pela frente e não sei se no barco vais ter condições para dormir! A mãe ao seu lado arranca-lhe a fuga da realidade com esta frase!
Não ia para férias, não ia para a praia! Ia fugir da guerra! Dos homens que perderam a inocência e que resgataram, como se fosse deles, a sua vida!
Hoje, pela noite dentro, ia deixando para trás a única vida que tinha conhecido. A casa, a família, os amigos, tudo ficava para trás. Nada voltaria a ser como dantes! E fazia-lhe muita espécie não entender isto! O porquê?
Cita sempre se tinha revelado uma criança curiosa e se a um “porquê?”, a resposta fosse um “porque sim”, levavam no retorno com mais “mas porquê?”. Esta curiosidade revelar-se-ia bem mais tarde, numa opção de vida!
Adormece embalada pelo movimento hipnótico do comboio... pouca-terra... pouca-terra... pouca-terra....


II

Ao chegar ao cais vê que não está só!
São milhares de pessoas. Precisamente 2.640 pessoas. Este número ficará gravado na sua memória para sempre.
É este número que a acompanhará dois dias, espalhado pelo convés de um barco gasto. Não há um espaço livre, apenas buracos onde pessoas se encaixam, se amontoam.
Chega a hora!
A mãe, como todas as mães deste mundo, mostra-se firme, corajosa! No entanto, no seu olhar é só dor, é só saudade!
Mas sabe que o único caminho para preservar a inocência de uma menina de 14 anos, é pô-la naquele barco de minério, rumo a Luanda de onde seguirá para Lisboa na ponte aérea.
Não há saída possível! Aquele barco é a tábua de salvação para a filha, a sua princesa tagarela!
Num abraço em silêncio, totalmente em silêncio, mãe e filha, resgatam todo o amor, toda a cumplicidade e, por momentos, esquecem tudo o que existe lá fora.
Não falam no tempo que estarão separadas, não falam da incerteza desta viagem, do desconhecido mundo que irá encontrar noutro país que ,embora fale a mesma língua, nunca viu, nunca cheirou.
Cita, como sempre, tenta ver o lado positivo da vida e com as lágrimas a correr pela cara, sorri e diz à mãe:
- Deixa lá mãe! O Cabeto (diminutivo que adoptou para chamar o irmão, Carlos Alberto) foi à tua terra passear, mas foi sempre de avião. Olha para mim, sou muito mais importante: vou de comboio, de barco e de avião. Diz-lhe isso ao chegares a casa! E não te esqueças: no Natal, quando regressar, quero aqueles óculos de sol amarelos para parecer um girassol!
A mãe sorriu! Percebeu (ah! como as mães percebem tudo...) que a tagarelice era para esconder o medo  que lhe assaltava a alma. A dor da partida era visceral, física, insuportável...

III

- Com licença...por favor, deixe-me passar...
 Cita correu, furou por entre aquele mar de gente para chegar ao topo do barco. Precisava de acenar à mãe; precisava de a ver; precisava de lhe dizer só com o olhar: “Estou aqui, está tudo bem!”
Após enorme esforço, conseguiu um lugar privilegiado. Dali podia ver toda a costa. No cais, centenas e centenas de contentores com histórias de vida lá dentro. Irão, também eles, viajar para o outo lado do oceano.
Fixou o olhar num vulto, com calças de sarja azul e uma camisola cor-de-rosa! Era a sua mãe, sentada em cima de um contentor.
Levantou a mão e acenou-lhe... acenou-lhe... acenou-lhe…
À medida que o barco de minério sulcava as ondas, aquele vulto foi ficando cada vez mais um ponto pequeno, pequeníssimo na linha do horizonte.
Foi diminuindo, diminuindo, diminuindo... já nada havia ao fundo... só o mar!
 - Assim ficas com dor no braço de tanto acenar. Já não está lá, vês? É só mar! - Diz-lhe a senhora que, supostamente, seria o seu anjo da guarda nesta viagem!
Cita, olhou-a e, com o rosto cheio de lágrimas, respondeu-lhe:
 - Não preciso de a ver para saber que ela está lá!
Baixou o braço, aconchegou o cão de peluche contra o peito e deixou-se ficar ali, naquele lugar e, durante dois dias, ali ficou olhando a linha do horizonte: e via a mãe, sentada num contentor, a fazer-lhe adeus!
E a viagem tinha começado! A viagem de uma vida, para toda a vida!



 Elsa Martins Esteves

In Rio da Glória

«Rio da Glória» é um livro de Possidónio Cachapa publicado pela Oficina do Livro.

"Deu-se então nele uma reviravolta de comportamento que os mestres atribuíram à infinita misericórdia divina e os colegas ao medo das constantes punições. Para contentamento geral, começou a calar-se. Não foi de repente. Não foi assim: deitei-me pássaro e acordei carneiro. Houve um encurtar progressivo da sua voz. Deixou de insistir nas perguntas. Guardou o sublinhar das evidências. Trocou a interrogação sistemática dos cantos que não encaixavam nas histórias apresentadas pela ideia de que nem todos os puzzles se terminam à primeira. E que acabaria por descobrir a verdade, mais cedo ou mais tarde. Uma condescendência temporária começou a formar-se sobre a sua pele antes lisa. Quando alguma coisa não o convencia e o questionamento a esse propósito parecia ameaçar de incêndio o cérebro docente, ele calava-se. E a expectativa que sempre geravam as suas discordâncias entre os colegas (por nenhuma outra razão que não fosse o quebrar do aborrecimento da cátedra) começou a baixar, até que Mário se tornou um estudante igual aos outros. Ou quase."