quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A noite de Pio Vargas



Foto frase do dia: John Steinbeck

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a-ver-livros: escombros

Se o mundo cair sobre mim
não removas os escombros
deixa-me o aconchego do saibro
e o silêncio sepulcral dos ferros
retorcidos

deixa-me o abraço das ruínas
montão de fragmentos da carne quente
que um dia amaste 
cobertos ainda dos beijos 
da véspera

deixa-me o amparo final
do negrume
onde vive a memória de todas as cores
que fomos juntos

Ana Almeida

* para conhecer mais sobre o pintor alemão Andreas Noßmann
siga o link www.facebook.com/people/Andreas

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cecília Meireles, «Humildade»


Humildade (1964)

Tanto que fazer!
livros que não se leem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinado papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva,
e os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.

Inéditos - Cecília Meireles

Imagem Disponível em -http://ahundresthousanddreams.tumblr.com/post/39749391193

É do borogodó: Penélope, poema de Xosé María Díaz Castro

Un paso adiante i outro atrás, Galiza,
i a tea dos teus sonos non se move.
A espranza nos teus ollos se esperguiza.
Aran os bois e chove.
Un bruar de navíos moi lonxanos
che estrolla o sono mol coma unha uva.
Pro tí envólveste en sabas de mil anos,
i en sonos volves a escoitar a chuva.
Traguerán os camiños algún día
a xente que levaron. Deus é o mesmo.
Suco vai, suco vén, Xesús María!
e toda a cousa ha de pagar seu desmo.
Desorballando os prados coma sono,
o Tempo vai de Parga a Pastoriza.
Vaise enterrando, suco a suco, o Outono.
Un paso adiante i outro atrás, Galiza!




* Xosé María Díaz Castro, poeta galego nascido em 1914, manteve-se ocupado de investigar o destino humano por uma perspectiva existencialista em comunhão com a natureza. Autor de uma única obra, o poemário Nimbos (1961) que influenciou poetas de língua galega posteriormente. Faleceu em 1990.

Foto frase do dia: Neruda


a-ver-livros: até ao dia

esconde-se a dor no riso
implacável
ajeita-se a mágoa no fundo da mala
e parte-se de novo
custa menos quando
o vento nos leva por aí
à descoberta 
voraz a mente
e os anjos do demo
entretidos com as papoilas
do caminho sem escavar as veias
à caça do sangue
exangue

esconde-se o medo no ritmo
do passo estugado
e a agonia na rotina dos destinos

até ao dia

Ana Almeida

* para saber mais sobre a pintora americana Sally Storch
siga o link http://sallystorch.com/

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Poemas que dão música... O Teatro Mágico


Sintaxe À Vontade
O Teatro Mágico

Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro magico.

A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.
Nenhum predicado será prejudicado,
Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos
Sendo apenas um sujeito simples.
Um sujeito e sua oração,
Sua pressa, e sua verdade, sua fé,
Que a regência da paz sirva a todos nós.
Cegos ou não,
Que enxerguemos o fato
De termos acessórios para nossa oração.
Separados ou adjuntos, nominais ou não,
Façamos parte do contexto da crônica
E de todas as capas de edição especial.
Sejamos também o anúncio da contra-capa,
Pois ser a capa e ser contra a capa
É a beleza da contradição.
É negar a si mesmo.
E negar a si mesmo é muitas vezes
Encontrar-se com Deus.
Com o teu Deus.

Sem horas e sem dores,
Que nesse momento que cada um se encontra aqui e agora,
Um possa se encontrar no outro,
E o outro no um...
Até por que, tem horas que a gente se pergunta:
Por que é que não se junta
Tudo numa coisa só?

Foto frase do dia: uma vez mais Pessoa


Olha a feira do livro!

O número de visitantes da Feira do Livro de Lisboa aumentou em 21% em 2014. Segundo revelou agora em comunicado a Associação Portuguesa de Escritores e Livreiros (APEL), organizadora da feira, passou pela 84.ª edição - que decorreu de 29 de Maio a 15 de Junho - um total de 531.605 pessoas, o que ultrapassa o recorde de meio milhão de visitantes atingido no ano passado.

Os números são resultado de um estudo encomendado pela APEL à Ipsos APEME, uma empresa de análise e estudo de mercado, que revela também dados sobre o perfil dos visitantes: a maioria é composta por mulheres, jovens e com formação académica. Cerca de um terço das pessoas que passou na feira lê e compra mais de um livro por mês e 30% já leram um livro em formato digital, embora continuem a preferir o papel.

Entretanto, fala-se na Feira do Livro do Porto, que vai decorrer entre 5 e 21 de Setembro. Segundo o pelouro da Cultura da autarquia local e a empresa municipal Porto Lazer, que assumiram a realização da mesma e a pretendem transformar num grande festival literário, estão já confirmados “cerca de 80 stands e mais de seis dezenas de expositores”. 



Para saberem mais sobre este assunto sigam os links:
http://www.publico.pt/local/noticia/mais-de-60-inscritos-na-feira-do-livro-do-porto-1664998
http://www.publico.pt/local/noticia/liberdade-e-futuro-os-temas-da-primeira-feira-do-livro-organizada-pela-camara-do-porto-1663989

Ana Almeida

domingo, 10 de agosto de 2014

Poema à noitinha... Walt Whitman

Quando Analiso a Conquistada Fama

Quando analiso
a conquistada fama dos heróis
e as vitórias dos grandes generais,
não sinto inveja desses generais
nem do presidente na presidência
nem do rico na sua vistosa mansão;
mas quando eu ouço falar
do entendimento fraterno entre dois amantes,
de como tudo se passou com eles,
de como juntos passaram a vida
através do perigo, do ódio, sem mudança
por longo e longo tempo atravessando
a juventude e a meia-idade e a velhice
sem titubeios, de como leais
e afeiçoados se mantiveram
— aí então é que eu me ponho pensativo
e saio de perto à pressa
com a mais amarga inveja.

*Walt Whitman, in Leaves of Grass

À conversa com o editor...

Shakespeare: a bipolaridade na pessoa, médico sem querer e a ciência nas entrelinhas

A pessoa:
Melancólico e impulsivo, mata acidentalmente o pai da sua amada, sendo que aos 30 anos, ainda estudante e depois de ter perdido o pai, escreve: I do not set my my life at a pin’s fee (importa-me tanto, como se fosse um alfinete). Na maior parte do tempo, o humor de Hamlet alterna entre picos de euforia e baixos de desespero, os sintomas traçam um quadro de transtorno bipolar.

Médico sem querer:
Para além disso, inspirou Sigmund Freud que o leu na infância e citou várias peças nas suas obras sobre psicanálise. “Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim”, considerava o pai da psicanálise.
O comportamento de alguns personagens corresponde, de forma notável, à descrição das perturbações neurológicas segundo os conhecimento médicos actuais e as observações do dramaturgo continuam, séculos mais tarde, a alimentar trabalhos científicos.
Apesar de se poder facilmente cair no erro de confundir observação clínica e liberdade poética, a riqueza das descrições de Shakespeare sugere, no entanto, que o dramaturgo se inspirou na sua experiência e em encontros que terá tido, para descrever alguns sintomas.

A ciência nas entrelinhas:

A sua obra está cheia de alusões astronómicas, tradicionalmente consideradas meros processos narrativos. Mas as reflexões sobre astronomia em Shakespeare revelaram-se recentemente a uma nova luz. Um astrónomo contemporâneo chega a afirmar que Hamlet seria uma alegoria à revolução científica que varria a Europa na época.

Hamlet é uma fonte fecunda de reflexão. Num mundo em transformação pela substituição do geocentrismo pelo heliocentrismo (Copérnico, em 1543), reforçada vinte anos mais tarde por Thomas Digges, bem como a invenção do telescópio por Galileu aliada à descoberta de uma nova estrela na constelação cassiopeia, que posteriormente se passou a desginar por estrela de Tycho, representaram um golpe significativo na antiga cosmologia.

Mas que provas existem que a obra de Shakespeare faça eco destas novas teorias?

Atente-se na notável passagem do Acto II, em que o príncipe se vê como “a king of infinite space” (rei no espaço infinito). Será que se refere ao universo infinito de Digges? E há também aquela estrela “westward from the pole” (a poente do polo) que anuncia o fantasma do rei Hamlet no Acto I.

Dado que os nomes próprios da maioria dos personagens da peça são colhidos nos clássicos, o facto de Shakespeare ter decidido dar nomes dinamarqueses – Rosencrantz e Guildenstern – aos cortesãos enviados para espiar o príncipe parece mais que mera coincidência. Note-se que foi Tycho Brahe (que deu origem ao nome da estrela) quem escreveu observações detalhadas sobre a nova estrela, na ilha dinamarquesa de Hven, a um pulinho de distância do castelo de Helsingor, que inspirou o Elsinore de Hamlet. Além disso, Tycho tinha dois familiares com apelido Rosencrans e Guildenstern.

Peter Usher, um astrónomo recentemente aposentado da Universidade Estadual da Pensilvânia, baseia-se neste tipo de indícios para defender que toda a peça é um alegoria às diferentes concepções do universo que se confrontavam naquela época. Refere que Cláudio, o vilão da peça, tem o nome de Ptolomeu, o arauto grego do modelo geocêntrico.
Estas ideias começam a despertar o interesse da comunidade académica. Mas seria um erro subestimar o papel da ciência na produção literária de Shakespeare. Tal como os cientistas, o dramaturgo possuía uma curiosidade insaciável, que não se limitava aos seres humanos, antes se estendia à natureza. Mas foi como artista que se inspirou nessas teses e ideias, com elas criando das obras dramáticas mais influentes do mundo.

Excertos do artigo publicado na Revista Courrier Internacional do mês de Julho.
Autor: Dan Falk. Publicação: Revista New Scientist. Tradução de Ana Cardoso Pires.

Angus Greig

Apanhei-te a ler... dia 14

David Kross e Kate Winslet

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada!