sábado, 20 de novembro de 2010

As palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Livros caros?

Considero os livros caros em Portugal.

Aponto algumas razões: as capas elaboradas, os modelos grandes (geralmente no estrangeiro encontramos mais o formato de bolso), os direitos e o preço das traduções. Ainda acresce o transporte, a negociação publicitária e muitos outros factores que só as editoras conhecem.

Hoje deixo conselhos práticos. Como sabem, os livros têm tempo de vida. Como tal, é natural que alguns deles sejam saldados com o decorrer do tempo. Há empresas que apostam em campanhas tipo 'leve 4, pague 3' ou em packs promocionais.

É de esperar que as editoras promovam, mais cedo ou mais tarde, os packs de livros que envolvam uma sequela. Como exemplo, está agora no mercado uma caixa com os 3 livros de Stieg Larsson.

Existem várias colecções de bolso que são cópias mais baratas das versões normais. Autores como Dan Brown ou Daniel Silva (colecção 11/17), Jorge Amado e Mark Twain (Leya) ou Fiódor Dostoiévski e Homero (BI).

Uma boa altura para os packs promocionais é o Natal. Grande maioria desta oferta em livraria lança-se agora.

Outra boa aposta pode ser o mês de Janeiro. Isto no caso das livrarias que decidem acompanhar a época de saldos - tal como uma marca de roupa, por exemplo. Algumas feiras podem aparecer e, para grande surpresa do consumidor, vêm-se preços como 2, 3 ou 5 euros por livros que são bem mais caros.


Também pode aproveitar os livros com defeito. Na minha opinião é um excelente negócio. Mas eu apenas me preocupo com o conteúdo, não com a capa. Grande maioria das livrarias aposta em expô-los, um pouco ao monte, em determinadas épocas. Mas atenção, nunca aposte em danificar livros para o funcionário lhe fazer desconto. Não resulta.

Não experimente negociar descontos com quem o atende. Além de ser um mau exemplo, a generalidade das livrarias tem um cartão de vantagens. Como é lógico, deverá fazê-lo.

Oportunidade por excelência é, geralmente, a feira do livro. Mas não se deixe influenciar. A generalidade da baixa de preços é de 20%. Compensa, obviamente, visitar a feira com regularidade, pois existe o hábito do livro do dia - com baixas de 40% ou mais no seleccionado. Mas o melhor caso dá-se quando o cliente sabe bem o preço de mercado e quanto é o saldo. Os grandes grupos editoriais são os que mais rebaixas fazem - a capacidade de transportar e expor o livro é muito maior.

Por fim, a visita aos sites também constitui uma alternativa. Aqui dois alertas: algumas empresas podem não pagar o transporte (e, como tal, não compensar a compra pelo site, mas sim ir directamente à loja). As promoções do site nunca se aplicam em loja. Poupe essa viagem, não vai valer a pena. Esteja atento aos 'livros do dia' ou, ciclicamente, promoções especiais.

Então, os livros são mesmo caros em Portugal?

p.s.- aqui não abordo a questão do livro técnico. Isso é outro campeonato.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O remorso de Baltazar Serapião, Valter Hugo Mãe

Devia anunciar este autor com minúsculas. É assim que prefere ver escrito o seu pseudónimo. Conheci-o na sessão de apresentação deste livro, há uns dois anos, na loja onde trabalhava.

A capa convidou-me a lê-lo. Os colegas puxaram uns pelos outros. Fomos conhecendo a história e aconselhando o nosso público. Estava ali um valor que era desconhecido para muita gente, mas que tinha ganho o prémio literário José Saramago em 2007.

Saramago escreveu: 'Este livro é um tsunami, não no sentido destrutivo, mas de força. Foi a primeira imagem que me veio à cabeça quando o li. [...] Quando foi publicado? E os sismógrafos não deram por nada? Oh, que terra insensível: este livro é uma revolução. Tem de ser lido, porque traz muito de novo e fertilizará a literatura.'


A linguagem de Valter é muito diferente daquilo que estamos habituados a ver. Ele vai buscar expressões muito próprias da nossa língua, alguns vocábulos esquecidos pelo tempo ou por quem os usa. Arcaica e rude, dirão alguns.

Organiza uma história notável e muito violenta acerca da condição feminina na sociedade medieval. Da mulher de Baltazar, dividida por ele e pelo senhor Feudal. Um romance sobre a violência doméstica, mas da pior que se consegue imaginar. Nas longas porradas de Baltazar à sua mulher, como forma de a educar e deter poder sobre ela. Da disputa com o seu Senhor pela posse dela, da infidelidade. Tudo servido com toques de bruxaria, da partilha da casa com uma vaca Sarga, dotada de linguagem e pensamento próprio.

Destaco a opinião de Maria Augusta Silva que sintetiza toda esta nova experiência de escrita: 'Aquilo com que valter hugo mãe nos arrebata […] não se liga a sintagmas de pernas para o ar ou à escrita sem maiúsculas. Aí, nada de novo. […] Então por que merece ser destacado o novo romance de valter hugo mãe? Porque estamos perante uma obra de invulgar plasticidade literária sem ofuscar a crueza do enredo nem o imaginoso remorso do protagonista. Porque, sem moralismos, as grandes metáforas da violência e do sexo, das tiranias, das solidões, dos medos e silêncios, estão neste livro, mostrando-nos que todos os tempos, do passado ao futuro, têm as suas idades médias. E as suas bestas.'

Vai valer a pena ler este livro.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A solidão, por Vinicius

'A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflecte. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o património de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.'

domingo, 14 de novembro de 2010

A salvação de Wang-Fô e outros contos orientais, Marguerite Yourcenar


'Da China à Grécia, dos Balcãs ao Japão, o conjunto de fábulas e lendas que constituem os Contos Orientais, remete o leitor para o espaço do sonho e do mito. Uma obra que se lê com prazer de uma das grandes escritoras de sempre.'

Dez contos. De um mundo que conhecemos mal, mas que, em maior ou menor grau, todos sentimos um certo fascínio. Das lendas dos povos asiáticos, tão diferentes deste nosso Ocidente. Nos cheiros, nas cores, na forma de sentir a terra, na filosofia escondida para lá das emoções.

Wang-Fô passou a ser um dos meus pintores preferidos de sempre. E nunca saiu do papel de uma história contada! Ele é um velho mestre que contempla as estrelas, ama as coisas. Troca as suas pinturas por caldo de milho miúdo. É assim que se alimenta. Um modo de vida ou de subsistência? Para mim, será sempre uma forma de ser, uma forma de estar.

Yourcenar escreve ao sabor do vento - '(...) aquele saco, aos olhos de Ling, ia cheio de montanhas sob a neve, de rios pela Primavera e do rosto da Lua no Verão.'

Este é um bom livro para voltarmos. As vezes que forem precisas. Cada conto acrescenta um ponto na nossa imaginação. No despertar emocional de conhecer o estranho. De desejar fazer uma mochila, pô-la às costas e partir.

*(uma opinião), por Rodrigo Ferrão