sábado, 9 de junho de 2012

in Uma Mentira Mil Vezes Repetida


"Basta, aliás, perder algum tempo diante do televisor para que se torne claro que a celebridade é, hoje, um direito universalmente reconhecido a qualquer indivíduo disposto a abdicar da privacidade e do decoro. Mesmo o mais boçal dos cidadãos pode alcançar o seu momento de estrelato instantâneo, bastando-lhe tão só, que aceite expor-se ao ridículo ou partilhar com a audiência uma história, real ou inventada, que suscite simpatia, horror ou comiseração. O público é um animal voraz e está constantemente necessitado de novos ídolos e ícones, gente, enfim, na qual possa concentrar a inesgotável capacidade humana para amar, admirar e odiar.
Se não for liminarmente ignorado, como sucede na maior parte dos casos, um livro, real ou inventado, não serve senão para ser também admirado ou detestado e, com ele, o indivíduo que o tenha escrito. Perde-se tempo a lê-lo e, ao contrário com o que sucede com uma pintura ou uma escultura, não serve, sequer, para ser colocado numa parede ou no canto de uma casa, não tem qualquer serventia decorativa e o seu préstimo enquanto alimento da vaidade do proprietário é praticamente nulo.
Um livro é um puro exercício de vaidade de quem o escreve, um acto onanista e fútil. Salvo raras excepções, não cria nenhuma riqueza ou um emprego que seja, nem sequer do próprio escritor, que terá de marrar noutra actividade qualquer, a menos que se satisfaça em sobreviver como um vadio comum. Um livro também não deve entreter ou divertir, sob pena de ser banido pelo circunspecto concílio dos especialistas como algo superficial e pouco sério."

*Uma Mentira Mil Vezes Repetida é um livro de Manuel Jorge Marmelo, publicado pela Quetzal.


Pulsar na Deriva com o ILC Margarida Losa


No próximo domingo, dia 10 de Junho, pelas 17h30, a Feira do Livro do Porto vai receber no auditório da APEL, uma conferência com o tema "Para que serve a Poesia hoje" com base e ponto de partida para discussão, a partir desta colecção publica em parceria da Deriva Editores e do ILC Margarida Losa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

A colecção Pulsar, dirigida pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, inclui textos relevantes em torno da literatura e de outras artes. Estes pequenos livros, que se podem ler numa viagem de comboio ou a uma mesa de café, pretendem emitir um sinal luminoso, sentidos de um pensamento, fulgurações de palavras. Como os enigmáticos e distantes pulsares.

Na  Pulsar, foram já editados Jean-Pierre Sarrazac (com A Invenção da Teatralidade seguido de Brecht em Processo e O Jogo dos Possíveis), Pascal Quignard (com Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos), Antoine Compagnon (com Para que serve a Literatura?), Jean-Claude Pinson (Para que serve a poesia hoje) e Stéphane Mallarmé (Crise de Versos).


Vergonha da poesia?

Mas a «miséria» da poesia não é só caso de marginalidade económica e social. Ela resulta, talvez mais fundamentalmente, das dificuldades que tem hoje, mais do que outras artes, em desfazer-se dos clichés que não só mancham a representação que dela se tem comummente, como a atulham a si própria nas suas tentativas de evoluir. Daí um mal-estar que pode ir até à auto-repulsa: já ninguém se atreve a afirmar-se poeta, como se se tivesse vergonha da imagem que a corporação projecta muitas vezes de si própria. E, de facto, pieguice, velharia, sentimentalismo, grandiloquência, afectação de uma pose recolhida, logomaquia, excesso de obscuridade com vista à intimidação do leigo: tantos defeitos que contribuem para esse mal-estar que, mais cedo ou mais tarde, qualquer um pôde experimentar ao assistir a leituras de poesia.
Jean-Claude Pinson, in PARA QUE SERVE A POESIA HOJE?


Crise de Versos, de Stéphane Mallarmé (trad. Rosa Maria Martelo e Pedro Eiras), ed. bilingue, é o título mais recente desta colecção.

Elíptico, extremamente condensado, interrogando tudo quanto poderia distinguir a poesia dos usos comuns da linguagem, o texto de Crise de Versos é, ao mesmo tempo, um diagnóstico e uma profecia. Por um lado, procura surpreender a dissolução de versos tradicionais, em particular do alexandrino (o verso oficial por excelência), ao longo da segunda metade do século XIX e sobretudo após a morte de Victor Hugo. Diagnóstico difícil de uma experimentação formal então ainda em curso: o que nos surge hoje como conquista definitiva e já distante (em termos de livre invenção de metros, cesuras, formas gráficas) era no tempo de Mallarmé um acontecimento recente, plural, a necessitar com urgência de teorização. Por outro lado, Crise de Versos antecipa as poéticas dos modernismos e das primeiras vanguardas, ao enfatizar a produtividade da tensão entre a busca de um princípio construtivo, que asseguraria a impessoalidade, e a dissolução das formas canónicas.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A noticia real que queriamos que fosse ficção


Morreu o escritor Ray Bradbury, autor de "Fahrenheit 451", aos 91 anos nesta quarta-feira. Nascido em 1920 e de ascendência sueca, Bradbury viajou por muitas cidades dos Estados Unidos durante a sua infância por conta do trabalho do seu pai, que era técnico em instalação de linhas telefónicas. Em 1934, sua família fixou residência em Los Angeles.

Lançou "Dark Carnival", uma compilação de contos e seu primeiro trabalho, em 1947. Três anos mais tarde saiu o primeiro romance, "Crónicas Marcianas". A obra é sobre as tentativas humanas de colonizar Marte e as consequências dos esforços.

Bradbury também fez o argumento da versão cinematográfica de "Moby Dick" em 1956, além de ter colaborado escrevendo para o "The Twilight Zone" e outros programas televisivos, como "The Ray Bradbury Theater", para o qual adaptou vários de seus trabalhos.


A sua obra mais lembrada e mais marcante é o "Fahrenheit 451" (1953), escrita em plena Guerra Fria, aponta os males da censura e do controle do pensamento em um Estado totalitário. A história ficou famosa em todo o mundo após a adaptação para o cinema do cineasta François Truffaut em 1966.

O livro entrou de forma brilhante na tradição de grandes livros "distópicos" (em oposição aos "utópicos"), descrevendo sociedades nas quais um governo autoritário central oprime a totalidade ou parte dos seus cidadãos.

Um género ilustrado anteriormente por "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, ou "1984", de George Orwell, mas que Ray Bradbury introduziu ao público em geral, e que continua a ser extremamente popular hoje, como evidenciado pelo sucesso do livro da série "Hunger Games", da americana Suzanne Collins, recentemente adaptado para o cinema.

"A grande diversão na minha vida foi levantar a cada manhã e correr para a máquina de escrever porque alguma nova ideia havia me ocorrido", declarou Bradbury em 2000. "A sensação que tenho a cada dia é, em grande medida, a mesma que quando tinha 12 anos", disse ao celebrar 80 anos. Com outra frase, definiu o género no qual mais se destacou. "Ficção científica é uma óptima maneira de fingir que você está falando do futuro quando na realidade está atacando o passado recente e o presente", comentou.


Escreveu e publicou quase 600 contos e 30 livros. Em Portugal está essencialmente publicado nas edições Livros do Brasil.


a-ver-livros pela fresca: Anna Emilia

Imagino-te um tigre. Sentado no meio da sala, pensativo.
A remoer as últimas linhas daquela página daquele livro.
Um fantástico tigre. Com um olho de cada cor.


* para conhecer melhor a jovem ilustradora finlandesa Anna Emilia é só seguir o link www.annaemilia.com

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O JN apanhou-me na Feira do Livro. Ouçam o que li...


Primeiro dia de Feira... Visita pretendia ser rápida. Mas, pelo caminho, fui abordado pelo JN. Perguntou qual o meu autor preferido... Ficou o nome de Jorge Amado. Depois pediram para ler alguma coisa que tinha comprado. Pois bem, li um trecho do livro de Contos de Gustave Flaubert - "A Lenda de S. Julião Hospitaleiro", acabado de comprar no stand da Relógio D'Água. Para os mais atentos, ainda dá para ver o Pedro Ferreira (eu e o meu amigo Duarte estávamos de visita ao espaço da Companhia das Artes). 

Ficam as palavras no link abaixo!

Chuva na Primavera, a poesia tornada realidade

Pois nada mais a propósito do que descobrir a Oriente algo que tanto se adapta à nossa realidade actual. "Regados" pelas chuvas que têm andado por aí a inspiração leva-nos até Li Shang-Yin, (812?-858) viveu na fase de decadência da dinastia Tang, que irá sobreviver-lhe apenas cerca de cinquenta anos. Herdeiro dessa notável tradição poética, ele consegue admiravelmente aquilo que é um dos grandes segredos da poesia chinesa: a descoberta, sem ruptura e sem ruído, de uma voz original.


Um dos maiores poetas chineses, usava nos seus poemas finas e subtis metáforas, que tornam deliciosas as múltiplas interpretações dos seus temas. Entre os primeiros a encarar e escrever sobre o tema do amor em poema na lingua chinesa, embaraçava de uma forma inédita os seus interpretadores, em épocas bem mais contidas do que a actual, que não sendo conservadores tinham alguns pruridos. No entanto não deixam de encarar a sexualidade de uma forma muito aberta que também marca muita da literatura.

Em Portugal publicado pela Assírio & Alvim, Li Shang-Yin, poeta chinês do século IX, chega-nos com "Chuva na Primavera e Outros Poemas" numa belíssima tradução de José Alberto Oliveira.


"O regresso foi promessa vã, partiste, sem deixar rasto;
O luar desliza sobre o telhado, já soa a quinta hora.
Sonho de despedidas longínquas, apelos ignorados,
Apresso-me a terminar a carta, mas a tinta não espessa.
A luz da vela semi-cerca águias-marinhas bordados exalam.
O jovem Liu queixa-se que a Montanha dos Imortais é longe.
Depois da Montanha, cimo após cimo, dez mil montanhas se levantam."

"Muitas cortinas na tua casa sem cuidados,
Onde o êxtase dura uma noite inteira.
Não serão as vidas dos anjos apenas sonhos,
Se nos seus quartos não entram os amantes?
Tempestades arrebatam os ouriços,
O orvalho da lua adoça as folhas da canela
- Sei que nada pode resultar deste encontro,
Mas como ele alegra o meu coração!" 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

in A solidão dos números primos

“Os números primos apenas são divisíveis por um e pelo próprio número. Estão no lugar que lhes é próprio na infinita série dos números naturais, esmagados como todos entre dois, mas um passo mais além relativamente aos outros. São números desconfiados e solitários e, por isso, Mattia achava-os maravilhosos. Por vezes achava que tinham ido parar por engano àquela sequencia, que tinham ficado lá aprisionados como pequeninas pérolas num colar. Outras vezes, ao invés, desconfiava que também eles gostassem de ser como os demais, apenas uns números quaisquer, mas que por algum motivo não haviam sido capazes. O segundo pensamento surgia-lhe sobretudo à noite, no emaranhado caótico de imagens que antecede o sono, quando a mente está demasiado débil para mentir a si mesma.
Numa cadeira do primeiro ano Mattia estudara que entre os números primos há alguns que ainda são mais especiais. Os matemáticos chamam-lhes primos gémeos: são pares de números primos que estão próximos um do outro, aliás, quase próximos, pois entre eles existe sempre um número par que os impede de se tocarem realmente. Números como, por exemplo, 11 e 13,  17 e 19, 41 e 43. Tendo paciência para continuar a contá-los descobre-se que estes pares se vão tornando progressivamente mais raros. Descobrem-se números primos cada vez mais isolados, perdidos naquele espaço silencioso e cadenciado feito apenas de cifras e nota-se o pressentimento angustiante de que os pares encontrados até aí foram um facto acidental cujo verdadeiro destino é o de ficarem sozinhos. Depois, quando se está prestes a desistir, quando já não se tem vontade de contar mais, eis que se descobrem, abraçados, mais dois gémeos. Entre os matemáticos é convicção comum que por mais que se avance na contagem, existirão sempre mais dois ainda que ninguém saiba dizer onde, até serem descobertos.
Mattia achava que ele e Alice eram assim, dois primos gémeos sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente. A ela nunca lho dissera. Quando imaginava confessar-lhe estas coisas, a fina camada de suor sobre as suas mãos evaporava-se por completo e durante uns bons dez minutos não era capaz de tocar em nenhum objecto.”

  
Em "A Solidão dos Números Primos", "La Solitudine dei Numero Primi", encontramos duas histórias, como dois números primos gémeos, próximas, mas não o suficiente para se tocarem.
Mattia e Alice.
Conhecem-se desde crianças, desde sempre, no entanto é fechados sobre si próprios, dentro de uma mútua incapacidade de comunicação mas na perfeita percepção do outro, da dor do outro, que estabelecem entre si elos de ligação, elos intercalados por números pares, elos-outros pares, pelo que os dois sempre afastados, sempre isolados.
As marcas da infância sobre tudo o resto.
Os dois marcados por acontecimentos traumáticos, um acidente na neve, uma perna que ficou diferente, a coxa, depois a anorética, uma irmã deficiente, que por vergonha deixámos  à espera num jardim e que não encontramos depois no mesmo lugar.
Porque as coisas, as pessoas têm lugares.
Marcas que os deixaram, os fizeram, incapazes, deficientes nas relações com os outros e consigo próprios.


A impossibilidade, por definição, de ser feliz.
As tentativas falhadas. 

“O beijo durou, minutos inteiros, tempo suficiente para que a realidade encontrasse uma fresta entre as suas bocas aderentes e se enfiasse por aí adentro, obrigando ambos a analisar o que estavam a fazer.”





"É um filme de terror romântico que se concentra em sentimentos, na família, e na emancipação impossível do casal", refere o realizador Saveiro Costanzo, sobre o seu filme que adapta o best seller de Paolo Giodano.

A banda sonora é de Mike Patton, ex-vocalista dos Faith No More.


Venha engatar os seus autores preferidos na Feira do Livro


Mais uma iniciativa a não perder da organização do Bairro dos Livros.

João Luís Barreto Guimarães, Rosa Alice Branco, Manuel Jorge Marmelo, Rui Lage, Rui Manuel Amaral, Rui Silva Vieira, António Pedro Ribeiro e Minês Castanheira, estarão, no próximo sábado, dia 9 de Junho, pelas 18h30, de flor na lapela, nas mesas do café da Feira do Livro, com encontro marcado com os seus leitores para o Speed Dating Literário do Bairro dos Livros.

A ideia é sentar os escritores à mesa com os leitores do Bairro durante cinco minutos, até tocar a campainha e ser preciso mudar de assento. Os bairristas podem aproveitar para trocar impressões com os seus autores favoritos, autografar edições mais antigas, ou fazerem aquela pergunta que sempre quiseram fazer e nunca tiveram a oportunidade de colocar.

As inscrições para o Speed Dating estão abertas na barraquinha do Bairro na Feira do Livro, mesmo junto ao Bibliocarro.
 
 
E no dia seguinte leituras com o Colectivo  Portugal Poético no Auditório da APEL na Feira do Livro também.


a-ver-livros de manhã: Tadahiro Uesugi

São os jogos de luz e sombra que me prendem a ti, a cada página que folheio.
São os contrastes que me fazem amar-te.
São os cruzamentos inesperados que te fazem livro
e a mim ligeira, a caminho de algum lado,
cavalgando a claridade.

 
* para conhecer melhor o ilustrador nipónico Tadahiro Uesugi é só seguir o link http://tadahirouesugi.com/ ou, num artigo em inglês, http://monsieurbandit.blogspot.pt/2010/04/tadahiro-uesugi.html

terça-feira, 5 de junho de 2012

Livro do Mês: Junho a sete cores


Eis-nos chegados a Junho, mês em que me cabe a responsabilidade da escolha de um livro a ser desbravado em conjunto. É o terceiro que lanço às feras. Para trás ficou uma Cana de Pesca para o meu Avô e uma Praça de Londres. Não foi nada simples o processo de escolha que culmina na obra que vos apresento hoje. Se por um lado quis manter a linha de um livro de contos, também quis que a língua originária de escrita fosse a portuguesa. Se numa mão pesou a facilidade do leitor encontrar o livro, na outra os pesos dobraram na ansiedade de dar a conhecer viagens singulares, espasmos vários, certezas de generosidade que não se compadecem com a posição certa e arrumada na estante da livraria. A Promessa é certa, encontrem ou não o livro, faremos deste espaço, ao longo deste mês, uma viagem de sentidos. Se inicialmente pensei na estrita esfera dos contos e no mágico que seria juntar Edgar Allan Poe com pitada de Pessoa, dissuadi a veleidade na constatação dura sobre o tempo e o nível de compromisso. Se tomada a decisão sobre a língua de origem fiz de Rubem Fonseca a hipótese aliciante, num mergulho pelo mundo dos contos percebi que este prémio da escrita merece que a pena se embale pela sua narrativa. Mas eu queria contos. Sentimento lusitano na sua criação. Expressão da língua portuguesa na arte das metáforas. Mas Contos. E lembrei-me d´ele. Claro. Como não? Obra belíssima, tão filosófica quanto simbólica. Incómoda. Desconhecida, provavelmente difícil de encontrar. E se conseguirmos, em conjunto, reinventar conceitos? Adequa-los? E se eu for partilhando passagens dos contos e até seja possível, mais do que eu penso que seja, chegar ao livro? E se me escreverem amanhã a dizer “ já o encontrei!”.  Seja como for esta é a minha escolha e quero, mesmo, que vos chegue a essência.
O autor é Pedro Maria D´Almeida.
O livro Os Contos do Arco da Velha Íris.

A sinopse: “Íris, a velha que acreditando no Arco contava contos. (…) de Eduarda Mónica, da rã Flôrbela, dos ovos da Berta e do Ambrósio, do Bernardo de Cristal, da savana de Gnus e Leoas, das cores das algas, do prateado e do dourado, do bege da cama, do azul pretendido, do rato lilás, do estrelado da estrela, da cor de um dedo, da púrpura da guitarra, das quatro estações, da verdura, do abraço, do cinzento e branco, do papo de rola, dos camarões rosados, do nada, e de uma Íris que tem as cores do ARCO-ÍRIS no bolo das suas oitenta velas.”


Um pequeno excerto do que nos espera:

” (…) aprendeu cedo que o bom jornalista é o que está no sítio certo no momento certo apontando o fumo do cigarro certo na direcção certa. Para tal demorou dezasseis anos a conseguir criar todos os momentos e até todos os sítios certos.”

Até breve!


Crise... disseram eles!

Numa altura em que, infelizmente, tudo se discute à volta de números os livros não ficam para trás. Palavras como mercado, produto, público-alvo ou target vão invadindo as conversas e os dicionários de livreiros, editores e leitores.
Fala-se da crise no sector, das vendas mais baixas. Afinal o que se passa no país onde menos se lê e mais se publica? O porquê das disparidades e que mercado é este. São as perguntas de hoje para os nossos leitores. O apelo hoje é para a vossa participação na percepção deste problema.
Pelo meio ficam uma sugestão de leitura e um pequeno vídeo: The Diary of a Disappointed Book, um pequeno percurso de um livro desapontado.


Numa altura em que só se fala em crise, crise e mais crise, quem explica às crianças o que é essa coisa que a todos nos aflige? Este livro explica. E explica de acordo com a ideologia favorita de cada leitor: se prefere as justificações defendidas pela esquerda começa a ler o livro por um lado, se prefere as justificações defendidas pela direita começa a ler o livro por outro.


Os protagonistas são os mesmos dos dois lados – um urso gordo (o défice) e um enxame de abelhas furiosas (os mercados) –, mas as explicações para o estado a que o país chegou mudam bastante consoante o ponto de vista favorito do leitor e o sentido da sua leitura.
Escrito por João Miguel Tavares (autor de Os Homens Precisam de Mimo, membro do Governo Sombra e colunista do Correio da Manhã) e ilustrado por Nuno Saraiva (co-autor de Filosofia de Ponta e um dos mais prestigiados ilustradores portugueses).

a-ver-livros cedinho: Richard Floethe

Espanta-se-me a alma nos olhos dela. Não pela cor mas pelos livros que leram, que lhos abrem de espantos tantos. Não há inocência no olhar de quem lê.


"Girl in Chair"
* Para conhecer mais sobre o pintor norte-americano (nascido na Alemanha) Richard Floethe (1901 - 1988) é só seguir o link:www.richardfloethe.com

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Como foi ler «Somos o Esquecimento que Seremos»

Em primeiro lugar, gostava que ficassem com o perfume das palavras do Colombiano Héctor Abad Faciolince, com esta passagem:

«O meu pai e a minha mãe eram contraditórios nas suas crenças e nos seus comportamentos, mas complementares e de trato muito amoroso na vida diária. Havia um contraste tão nítido de atitude, de carácter e de formação entre os dois que, para a criança que eu era, essa diferença radical entre os meus modelos de vida era a adivinha mais difícil de decifrar. Ele era agnóstico e ela era quase mística; ele odiava o dinheiro e, ela, a pobreza; ele era materialista no plano ultraterreno e espiritual no terreno, enquanto ela deixava o espiritual para o além e, cá na Terra, perseguia os bens materiais. A contradição, no entanto, não parecia afastá-los, mas atraí-los um para o outro, talvez por partilharem, apesar de tudo, um mesmo núcleo de ética humana com o qual se identificavam. O meu pai consultava-a para tudo, enquanto a minha mãe, como se costuma dizer, via pelos olhos dele e nutria por ele um amor profundo, incondicional, á prova não só de contratempos, como também de qualquer desacordo radical ou de qualquer informação maligna ou perniciosa que alguma «alma caridosa» lhe desse sobre ele.»

Terminada a leitura que vos propus neste mês de Maio que passou, fica a a sensação de ter escolhido o livro perfeito para ser discutido. Tem todos os ingredientes de uma grande narrativa: personagens que viveram verdadeiramente a história, vidas entregues a causas e ideais, retrato de um país e de uma sociedade, de uma época e seus costumes. Uma viagem à Colômbia e às suas crenças. Uma excelente aventura de descoberta. De lugares, pessoas e suas vidas.

Admiro a coragem de Héctor Abad Faciolince. Escrever sobre a vida do seu próprio Pai não é um exercício fácil, dadas as circunstâncias do seu desaparecimento: foi assassinado. Mas mais nobre é o reconhecimento - já na parte final do livro - que esta seria a única forma que estava ao seu alcance de honrar este idealista, lutador, notável académico e médico. Mesmo que tenham passado alguns anos e a ferida da morte violenta nunca tenha verdadeiramente sarado...

Manuel Rivas diz que "O que vou lendo de Héctor Abad vai sendo gravado por mim como migalhas de pão muito esféricas, polidas, para quando tiver de atravessar um grande bosque na noite.». Não podia estar mais de acordo. É preciso coragem para ir ao baú das memórias e procurar as mais belas e também as mais tristes vivências no trajecto de cada um.

Somos o Esquecimento que Seremos não é só a história de vida do Dr. Héctor. É também da família do escritor, único rapaz no meio de quatro irmãs. É a história do filho e do Pai, de como este o adorava e enchia de coragem e mimos. Da deliciosa retórica que o Pai usa na educação dele e das suas irmãs, tentando sempre compreender as questões únicas e próprias das diferentes fases de crescimento: criança, adolescência, vida adulta. Numa mensagem única de amor e compreensão que, até hoje, nunca li em qualquer outro livro que se desafie a falar de um progenitor.

A honestidade com que Héctor fala de assuntos tão pessoais como a morte prematura de uma das irmãs aos quinze anos, vítima de cancro; é admirável. Mas, de igual modo, não esconde as suas origens moldadas pelo exagerado Catolicismo vivido na altura, mesmo nos colégios onde estudou; na família da Mãe, onde abundavam inúmeros Sacerdotes e pessoas ligadas à Igreja. Uma Igreja que tentava controlar as Crenças e os meios académicos que punham em causa a sua hegemonia. O mesmo se passa com as facções políticas e os boatos de se pertencer a determinada corrente (ainda hoje são responsáveis por uma perseguição sanguinária neste País). Apesar da nossa principal personagem (Dr. Héctor) não fazer parte de qualquer quadro partidário, são impressionantes as pressões e ameaças que sentiu na pele por defender as suas ideias, por escrever num jornal, por as difundir enquanto homem e académico universitário. Por essas ideias pagou com a vida. Ele e muitos outros que são retratados neste livro. E muitos anónimos cujo paradeiro nunca mais foi investigado.

É difícil enunciarmos quantos livros nos emocionam verdadeiramente. Este, desde o início, teve um significado especial para mim. Não consegui largá-lo enquanto não o devorei. Tenho a certeza que muitos se identificarão com a história. E voltaremos a ela as vezes que forem precisas...


&Etc a editora e o filme e os livros, pela mão de Cláudia Clemente

 Na quarta-feira, dia 6 de Junho a Feira do Livro do Porto vai receber a Cláudia Clemente para a apresentação do documentário "&Etc" sobre a editora com o mesmo nome. Este evento é promovido pelo Cineclube do Porto que também está presente com stand na Feira. A Cláudia também é autora de livros, vamos conhecer melhor a sua obra e, é claro, se puderem na 5ª feira apareçam!


Cláudia Clemente, arquitecta de formação, divide o seu trabalho actual entre a escrita e a realização cinematográfica, entre a ficção e os documentários.

Nascida no Porto em 1970, estudou arquitectura nessa cidade e cinema em Lisboa e Barcelona. Licenciou-se em arquitectura na FAUP em 1995. Publicou o seu primeiro livro de contos, “O caderno negro” em 2003, na Editora Livro do Dia, e o Segundo, “A fábrica da noite”, na Editora Ulisseia, em 2010.

 
Concluiu o curso de Escrita de Argumentos para Longas-metragens da Gulbenkian, com a London Film School, em 2006. Terminou o curso de cinema na Restart, em 2007.
Escreveu e realizou o vídeo “Way Out”, para o Festival Temps d’Images em 2010

Os seus contos foram editados em Portugal, Espanha e Itália.
Realizou 3 curtas metragens e um documentário. Foi responsável pelos argumentos, storyboards, realização, direcção de arte, montagem e (na maioria dos casos) produção dos seus próprios filmes. Estes já foram exibidos em Portugal, no Brasil, no Uruguai, na Índia, em Cuba e em Itália, tendo sido premiados em diversos festivais.


A “&etc” foi criada em 1973. É uma pequena editora, que desde então e até aos dias de hoje se rege por parâmetros bastante singulares – não tem fins lucrativos, não publica obras “comerciais”, edita autores desconhecidos. Tornou-se ao longo dos anos uma referência no panorama nacional, conhecida tanto pelo lado plástico/estético dos seus livros quadrados como pelos personagens que publicam, tais como, por exemplo, João César Monteiro, Adília Lopes ou Alberto Pimenta, alguns dos autores mais alternativos da actualidade. Victor Silva Tavares e Rui Caeiro recordam aqui alguns episódios ao longo das três décadas de funcionamento desta editora.


Realização: Cláudia Clemente
Produção: Cláudia Clemente/Restart
Câmara : João Miguel Silva/Cláudia Clemente
Som: João Miguel Silva
Montagem: Cláudia Clemente
Pós-Produção Áudio: Ricardo Ganhão
Correcção de cor: Graça Castanheira
Intervenientes: Adília Lopes, Alberto Pimenta,
Paulo Costa Domingos,Rui Caeiro, Vítor Silva Tavares.
DVD, 23’/ Côr/ Formato de Imagem: 4:3/ Som: Stereo

PRÉMIOS

DocLisboa 2007
prémio Tobis para a melhor curta-metragem nacional.

IMAGO 2007
Festival Internacional de Cinema Jovem do Fundão
prémio Caixa Geral de Depósitos para o melhor filme
nacional [secção “Under 25”]

domingo, 3 de junho de 2012

Conversa à beira-mar com Sandro William Junqueira

(ao domingo) Letras Focadas

“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas” 

Breve nota
O acaso levou-me até Sandro. Na compra de um livro, que por acaso era o dele, conjugaram-se vários factores que permitiram que esta nossa conversa acontecesse.
Partilho assim breves trechos de quase três horas de uma conversa solta, sem guião, à beira-mar, como podia ter sido noutro lugar qualquer. Foi ali por minha sugestão e parece que estivemos de acordo. O som do mar, o cheiro a maresia, deram o tom perfeito para conhecer este homem da Arte, onde a escrita surge como “uma necessidade”.
Apresento-vos o escritor Sandro William Junqueira.

Nascido na Rodésia, país que já não existe, vem para Portugal aos dois anos de idade e, até aos 12, vive em várias cidades, recomeçando e reconstruindo referências e amizades, facto que irá marcar a sua escrita.


SWJ: “Sou um desenraizado. Os lugares dos meus livros podem ser qualquer lugar. Deixo ao leitor essa liberdade de imaginar. Os lugares da acção não têm nome, tal como os personagens. Na minha escrita, o leitor tem a liberdade de poder intervir na narrativa. Não está lá tudo, nem tem de estar. Bertold Brecht disse: “Uma história em que se percebe tudo é uma história mal contada”. Concordo em absoluto. Na minha perspectiva, um bom livro deve dar espaço ao leitor para que este possa intervir. A boa narrativa não é aquela que cumpre cronologicamente, um encadeamento lógico e temporal. A nossa cabeça, a nossa memória, não funcionam assim."

Da escrita
SWJ: “Sempre senti necessidade de me expressar através da arte. Por isso, experimentei diversas formas: a pintura, a escultura, a música, o teatro (que é parte fundamental da minha vida profissional). A escrita apareceu, mais tarde, aos 25 anos. Percebi que era o lugar eleito. O lugar certo. Tinha encontrado o espaço onde me poderia expressar sem condicionantes de nenhuma ordem. Escrevo como quero, sobre o que quero. A escrita é, para mim, o maior espaço de liberdade individual. Parto para a escrita com total inocência e ingenuidade. Nunca faço planos do que vou escrever. Nem tenho história. Por exemplo, em 'Um Piano Para Cavalos Altos' começou com a imagem de uma criança a ser amarrada, pela mãe, a um piano. Na altura não tinha mais nada. E a escrita é o perseguir e o questionar desses 'quadros mentais'."

"O acto da escrita é muito físico. Nos dias bons, chego à exaustão. Existem dois momentos. O primeiro: o da matéria bruta, puramente instintivo, inconsciente; é o instante em que desço ao interior do vulcão. Depois, vem o segundo momento, doloroso, em que a parte racional entra com o bisturi: e é corrigir, e cortar, e corrigir, e cortar. Comparo este processo com isto: imagine uma camisa muito amarrotada. Ao engomarmos a camisa, ao passarmos a ferro uma vez, teremos de voltar atrás, ainda estão lá as rugas, e passamos novamente o ferro, uma e outra vez, e repetimos este movimento até a camisa estar bem passada. Sem rugas."

A estrutura do seu livro "Um Piano Para Cavalos Altos" aparece como uma composição musical. Dividido em Sonata de Inverno e Concerto de Verão, os capítulos são Gymnopédies, referência à composição de Satie. Fale-me desta construção e a relação com o mundo da música, pedi.
“Gostava de ter sido pianista. Emociono-me sempre quando vejo um pianista a tocar. É uma relação muito física. Adoro o piano, embora não tenha nenhum talento para o tocar. Em vez, escrevo o melhor que sei e posso. E, existem momentos, quando estou a teclar, a escrever no computador, que me sinto pianista; as teclas com o abecedário transformam-se por momentos nas notas do piano. E ouço a música e componho. A música é um grande mistério. É a forma de arte mais universal. Muito mais antiga do que a linguagem. Julgo existir uma estreita ligação entre a escrita e a música. Quantos livros deram fabulosas composições musicais e quantas delas deram excelentes livros. Escrevi todo este livro ao som do Concerto nº2 para piano de Rachmaninov. No fundo, gostava de atingir os leitores com a mesma força, como a música me atinge a mim."

Do Bem, do Mal e do Mundo
"Vivemos numa ditadura financeira. Onde é que está o dinheiro? É a única questão. Não é o ser ou não ser. Isto é aterrador e angustiante. Colocámos a tabuada à frente do Ser Humano. Se há esperança? Não gosto dessa palavra. Portugal sofre de um mal terrível. Apesar deste clima e povo extraordinário, Portugal nunca passou por uma reconstrução. Grande parte dos outros países foram obrigados a uma reconstrução, a começar do zero, da terra devastada. Assim, somos um país velho e podre até à medula. A corrupção, a impunidade, é tanta e está de tal forma instalada que dá asco."

Para finalizar, um desafio.
Em poucas palavras, diga-me o que entende por :
Vida: “Não compreender.
Escrita: ”Escrever é gritar baixinho.”
Eu: “Sou muitos.
Esta conversa: “Uma partilha.

E, numa tarde quente, coberta de nuvens, à beira-mar, um “Eu Escritor” que é muitos, honrou-me com a sua companhia. Porque, para além de promissor escritor, de elevadíssima qualidade, consegue provocar-nos com a sua Arte. Bem-haja!

Elsa Martins Esteves

a-ver-livros depois de almoço: Loreto Salinas

É tudo uma questão de perspectiva. Uns verão a criança, a boneca e o livro.
Outros verão o futuro. Tudo depende de quem vê/lê. Como sempre.


* Para conhecer mais sobre a ilustradora infantil chilena Loreto Salinas é só seguir o link: www.loretosalinas.com

Em Junho o Bairro está na Avenida, o Bairro é a Feira do Livro

 

No dia 9 de Junho, venha ao “Bairro dos Livros” e usufrua de descontos nas livrarias aderentes que estão abertas até às 20h00 e também em lojas, cafés e restaurantes. Campanha de descontos mensais em livros considerados “FIXES”. 

Bairro dos livros ler é fixe. Tertúlias, exposições, performances, teatro, conferências, feiras, poesia, livros, oficinas, música, ler é fixe, passatempos Já sabem? Ler é Fixe!!!!! 

Download do programa todo aqui neste link

Seja Bairrista… 
Ao participar deste movimento e comprar os seus livros nas livrarias do Bairro está a ajudar o comércio tradicional e a apoiar especificamente uma rede espaços onde os livros são tratados com seriedade e interesse. Ao apoiar os livreiros da Baixa está também a ajudar a preservar esse imenso património e conhecimento de que os antigos, os pequenos, os especializados espaços comerciais dedicados ao livro são guardiões.

 clique na imagem para aumentar

Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma - Joaquim Pessoa

«Ano Comum» é um livro publicado pela Litexa em 2011. Escrito pelo poeta Joaquim Pessoa. Hoje fica um pensamento. Não tem forma de poema, mas vale a pena seguir...


"Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.

Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. 

Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu."