sábado, 5 de janeiro de 2013

Cronicando pela Ásia... Finalmente em Angkor Wat!

Angkor Wat,
19 de Abril 2009

Começa o dia. Sei que vou ver uma das mais fascinantes civilizações que já existiu. Chegou a ter um milhão de pessoas e estende-se em templos e outras construções por vários quilómetros.

Na noite anterior tínhamos acordado um preço com um Tuk-tuk driver: 4 dólares a cada. Um dia bastou para ver o grosso daquele encanto. Mas há bilhetes para mais dias. Simplesmente achei que me cansaria se a aventura se prolongasse mais do que o necessário. E tinha avião marcado para Kuala Lumpur logo a seguir...

O bilhete de ingresso custou 20 dólares. Tive direito a um cartão individual com fotografia. O senhor do Tuk-tuk esteve connosco o dia todo e levou-nos a tudo o que era sítio de destaque.


Assim principiou um dos dias mais excitantes da minha vida. Mal pus os pés no chão junto ao primeiro templo, fui bombardeado por imensas crianças. Queriam vender tudo o que traziam. Ficou a promessa para, no final do dia, levar qualquer coisa. Decoraram o meu nome. Parecia que nos estavam a tirar uma foto para, no fim da expedição, não nos deixarem ir embora sem levarmos o que tinham para vender. E assim foi. No regresso tinha mais do que uma criança a gritar pelo meu nome!


Angkor Wat tem um enorme poder místico... Imaginem templos no meio da selva. E o cenário em seu redor: macacos na estrada, árvores do tamanho de edifícios, os ruídos sonoros das cigarras. Um calor abrasador que cola as roupas ao corpo... Muita gente a rezar, vários monges e estrangeiros curiosos por todo o lado! Num cenário ideal para um filme de aventuras. Muito complicado passar-vos toda a adrenalina...

O primeiro Templo é a imagem de marca dos postais, o símbolo de um país: aparece no centro da bandeira do Cambodja. À medida que avançava pelo passadiço central - que atravessa um enorme lago - sentia a experiência de estar a viver algo único. Estou a entrar nos segredos de uma civilização que viveu entre o século VIII e XIII. E que teve um milhão de habitantes, sendo arrasada pelos vizinhos chineses - que cortaram cabeças de estátuas dos deuses e pilharam muita da sua riqueza.


Um guia improvisado - a quem dei uns dólares no fim - explicou-me que aquele corredor era por onde passava o Rei e a Rainha. Rainha essa que não é mais do que a eleita entre as muitas amantes do Rei - mais tarde veria a piscina onde as concubinas tomavam banho (pelo tamanho da mesma, deu para imaginar muita companhia ao soberano).

O interior dos templos mostra-nos imensas galerias. Algumas com enormes estátuas de Buda. Outras com figuras mais pequenas (com ou sem cabeça) e invariavelmente uma ou mais pessoas a rezar. Vi um antigo tanque para banhos, subi umas escadas íngremes e observei mais um local de culto.

Os meus olhos vêem Historia e o meu nariz respira-a.


Neste momento estou dentro de uma gruta. Um monge Budista dá-me para a mão um punhado de incenso. Diz para eu rezar com ele, inclinar a cabeça para a frente e pedir a Buda fortuna, sorte e amor. Depois aponta-me para a caixa da esmola e diz: dois dólares!

Digam-me se acham caro!?

Rodrigo Ferrão

«O Suave e o Negro» - de Manuel Monteiro - é o livro escolhido para leitura conjunta deste mês

O livro escolhido para leitura conjunta de Janeiro é «O Suave e o Negro» - de Manuel Monteiro. Publicado recentemente pela QuidNovi, este romance é o trabalho de um escritor que tenta afirmar-se no panorama literário português.

O blog Clube de Leitores procura não só apostar na divulgação de autores firmados, como dar a conhecer quem dá os primeiros passos neste mundo. Como tal, achamos que vamos ter imensa discussão em torno deste livro.


Sobre Manuel Monteiro sei muito pouco. Do seu perfil no facebook só consegui arrancar uma citação de Oscar Wilde: "Cria a tua marca e depois desaparece."

Tudo o resto, vem do que se apanha por aí:

«Manuel Monteiro nasceu em 1978 e teve a sua estreia literária no DN Jovem. Venceu diversos prémios literários, entre os quais o recente Novos Talentos FNAC Literatura (2012). É autor do livro Demanda ou a Cor Nunca Vista.»

Deixo-vos com algumas opiniões sobre o livro e uma curta introdução ao que podemos encontrar:

«As personagens são muito fortes, os diálogos excelentes, a atmosfera criada fascinante, o que torna O Suave e o Negro uma obra muito própria, bastante original e com uma invulgar energia criativa e comunicativa.»
Fernando Dacosta

«Uma escrita que não seria a minha, mas com um ritmo ducaraças, e, acima de tudo, com uma ironia e um sarcasmo vaticânicos absolutamente implícitos, e aqueles complementos (dificílimos) que produzem a boa literatura.»
Cunha de Leiradella

«Alexandre meteu-se na política porque acreditava que podia mudar o mundo e salvar todos os infelizes que se cruzavam com ele. Inconscientemente foi isso que tentou fazer com José, um músico incompreendido por todos e desequilibrado que viria a transformar-se na sua sombra. E Alexandre deixou-se manipular e passou a viver uma vida que não era a sua, preso a uma amizade doentia ancorada nas dívidas e amparada por um misto de culpa e compaixão. Uma amizade pode ser destrutiva a ponto de se transformar num vício? Pode.»

a-ver-livros: a ver aviões e Alexander Deineka

Os aviões passaram 
enquanto não estavas aqui,
interrompendo a leitura por 
instantes

O rasto que deixaram no céu,
amor,
é igual ao que resta 
do que fomos

* para conhecer mais sobre o pintor russo Alexander Deineka
siga o link www.deineka.info

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Poema à noitinha... Boris Vian

Balada dos Cãotribuintes

«Somos nós os desventurados
Os pobres contribuintes
Obrigados a sofrer até ao fim dos tempos
A sorte a que imper
A que impertubáveis
Nos condenam os nossos governos
Todos os nossos governos

Se meteres cem francos de gasolina
Oitenta vão para o Estado
Olha cheio de concupiscência
Os Cadillac... Olha pra outro lado
No teu dois cavalos de brincar
Saltita ao longo dos caminhos
É uma sorte poderes circular
Amanhã vão-to proibir
Taxa sobre o álcool e a cerveja
Sobre os definitivos e os provisórios
Sobre o triste celibatário
Castigado por ser só um
Controlam-te todos os passos
Ah compraste um belo naco
Tudo corre às mil maravilhas
Paga guloso paga prò saco

Refrão

Numa bandeja o Estado dá-te
Um prato... apanhas um desgosto
Está vazio E tu admiras-te
Mas é o prato do imposto
Tu passeias pela vida
De peito feito cheio impante
Cuidado com o imposto sobre a energia
É para ontem... ou mesmo antes
Um belo dia sobre o oxigénio
Ligar-te-ão o contador
Tarifa simples o ar do Sena
Tarifa dupla o ar da serra
Eis porém que tu te fartas
Preferes andar aos caídos
Ou tornar-te engolidor de facas...
Taxa de engolidor acrescentada

Refrão

Um remédio o casamento
Dizes de súbito e corres
A procura de uma rapariga séria
Que saiba de amor e de comes
Apressas-te e calculas
Que ao fim de doze filhos o abono
Do teu rendimento minúsculo
Compensará a escassez
Mas um inspector das Finanças
Põe-se a badalar a ideia
E pare... sem dor por minha fé
Um texto cheio de veia
Então a Câmara classifica-te
Como garanhão de cobrimento
Medem-te e tens a mais
Pagas taxa sobre o comprimento

Refrão

Se pagasses para alguma coisa
Sempre tinhas uma justificação
Mas infeliz daquele que ousa
Perguntar pr'onde vai o cifrão
Temos estradas miseráveis
Não há escolas mas padres
Acabou o bom vinho há carrascão
Mas fornecem-nos o puré
O governo da França
Republicano — ou que assim diz que é —
Só um prato oferece com abastança
O frango... pilim para o arroz
E para evitar a falência
Dos pobres vendedores de canhões
Faz-se uma guerra do pé para a mão
A guerra não se diz que não...

Mas nós os pobres cães os pobres contribuintes
Virá um dia em que de pau em punho
Nos consolaremos a limpar o redil
Onde os nossos seiscentos porcos estão maduros para o enchido»


*Boris Vian, in "Canções e Poemas" - Assírio & Alvim
Tradução de Irene Freire Nunes / Fernando Cabral Martins

"Bruscamente falecido com a idade de 39 anos, Boris Vian (1920-1959) teve tempo para ser, em simultâneo, engenheiro, inventor, músico e crítico de jazz, poeta, romancista, cenarista, autor dramático, tradutor, cronista, declamador, intérprete das suas próprias canções e actor."

1º Parágrafo: O Meu Pé de Laranja Lima


A gente vinha de mãos dadas, sem pressa de nada pela rua. Totóca vinha me ensinando a vida. E eu estava muito contente porque meu irmão mais velho estava me dando a mão e ensinando as coisas. Mas ensinando as coisas fora de casa. Porque em casa eu aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado acabava sempre tomando umas palmadas. Até bem pouco tempo ninguém me batia. Mas depois descobriram as coisas e vivem dizendo que eu era o cão, que eu era capeta, gato ruço de mau pêlo. Não queria saber disso. Se não estivesse na rua eu começava a cantar. Cantar era bonito. Totóca sabia fazer outra coisa além de cantar, assobiar. Mas eu por mais que imitasse, não saía nada. Ele me animou dizendo que era assim mesmo, que eu ainda não tinha boca de soprador. Mas como eu não podia cantar por fora, fui cantando por dentro. Aquilo era esquisito, mas se tornava muito gostoso. E eu estava me lembrando de uma música que Mamãe cantava quando eu era bem pequenininho. Ela ficava no tanque, com um pano amarrado na cabeça para tapar o sol. Tinha um avental amarrado na barriga e ficava horas e horas, metendo a mão na água, fazendo sabão virar muita espuma. Depois torcia a roupa e ia até a corda. Prendia tudo na corda e suspendia o bambu. Ela fazia igualzinho com todas as roupas. Estava lavando a roupa da casa do Dr. Faulhaber para ajudar nas despesas da casa. Mamãe era alta, magra, mas muito bonita. Tinha uma cor bem queimada e os cabelos pretos e lisos. Quando ela deixava os cabelos sem prender, dava até na cintura. Mas bonito era quando ela cantava e eu ficava junto aprendendo.


a-ver-livros: das terras e Liu Ye

Em terra alta ouço as gaivotas
procuram-te como eu
nas águas revoltas 
nas páginas de um livro
nos sonos pesados 
que as esquinas encerram

Em terra baixa ouço 
o eco das águas 
e sei-te na liquidez 
das lágrimas
pequeninas
que se escapam da gaiola
no peito

* para conhecer melhor o trabalho do artista chinês Liu Ye
é só seguir o link www.artnet.com/artists ou o wikipedia.org/wiki/Liu_Ye

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Afinal os livros também contribuem para a economia


Infelizmente ainda vivemos num país onde a cultura, nas suas mais diversas formas, continua a ser vista como mais uma despesa e quase uma futilidade ou extravagância para alguns. Mesmo sem números não posso concordar com esta ideia que se tenta fazer do que é a dita produção cultural e do seu contributo que não pode ser só medido em euros ou em entradas e saídas de dinheiro como se fosse produto da mercearia.

Mesmo assim até aqui os números nos ajudam, vejam lá.

Os livros, as obras de arte e antiguidades foram os bens culturais mais exportados em 2011, ascendendo a um valor global de 64,7 milhões de euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

De acordo com os dados do comércio internacional sobre os quais o INE se baseou, em 2011 os "livros, brochuras e impressos semelhantes" foram os bens com maior valor das saídas do país, ascendendo a 44,1 milhões de euros. Os "objectos de arte, de colecção ou antiguidades" registaram exportações no valor de 9,4 milhões de euros, indica ainda o INE.

Os principais países de destino dos livros continuaram a ser os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), com 55,3%, a União Europeia, com 30,4%, e o Brasil, com 8,6%, que em conjunto concentraram 94,4% das exportações.

De acordo com o INE, a balança comercial dos bens culturais mantém-se negativa, com -110,2 milhões de euros, mas verificou-se uma melhoria do saldo com um decréscimo de 32% em relação ao ano anterior. O valor das importações de bens culturais no ano passado ultrapassou 174,9 milhões de euros, correspondendo a menos 21,4% do que em 2010.

Nas importações, os "jornais e publicações periódicas" e os "livros, brochuras e impressos semelhantes" representaram cerca de 79,2 milhões de euros e 49,9 milhões de euros, respectivamente.

Ainda nos bens culturais importados surgem, por valor decrescente, "instrumentos musicais, suas partes e acessórios" (11%), os "CD e os discos compactos" (5,5%), os "DVD" (6,3%), e os "objectos de arte, de colecção e antiguidades" (3,5%). Os principais países de origem dos "jornais e publicações periódicas" e dos "livros, brochuras e impressos semelhantes" foram os países da União Europeia (97%).


Fonte: LUSA

O texto que vendem como sendo de Oscar Wilde... Mas que é de Marcos Lara Resende. Conheçam «Loucos e Santos»

«Os meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero o meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Louco que senta e espera a chegada da lua cheia.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.


Escolho os meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também a sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Os meus amigos são todos assim: metade tolice, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.
Pena não tenho nem de mim mesmo e risos só ofereço ao acaso.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade a sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.»

*Marcos Lara Resende 

1º Parágrafo: Dom Casmurro


Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Entrevista a Raquel Patriarca - uma das autoras do livro infantil «A Abelha Zarelha»

A Raquel foi cliente de uma livraria onde trabalhei. A Raquel é amiga de amigos e minha amiga também.

Outro dia descobri que tem um livro com a ilustradora Marta Jacinto. Chama-se «A Abelha Zarelha» e foi publicado no final de 2012 pela QuidNovi Editora.

Não resisti... Preparei umas perguntas e é com imenso prazer que hoje partilho! Espero que gostem!


RF: Talvez comece pela pergunta mais complicada (ou até a mais simples): como surgiu a ideia de escreveres um livro Infantil?

RP: A Abelha Zarelha, a Barata Patarata e todos os amigos nasceram com histórias de memória, que ia inventando e repetia para mim mesma e decorava, e depois contava ou cantava, vezes sem conta ao Pedro quando era um bebé que ainda nem falava. Ele reagia sobretudo aos sons, aos gestos, aos meus olhos muito abertos, às vozes diferentes que eu ia fazendo e ao vento que eu lhe soprava no cabelo a fazer os Vuuummmms. É por isso que as histórias são assim relativamente pequenas e vivem muito da brincadeira com as palavras e da alegria das personagens.

«Como as maçãs, os livros com bicho são os mais doces». O que são livros com bicho?

Livros com Bicho são os dez livros que compõem a colecção com esse nome. São dez histórias protagonizadas por pequenas bichezas bem dispostas como a Abelha Zarelha, A Barata Patarata, o Escaravelho Trolaró e por aí fora.

«A abelha Zarelha» é um livro para os mais pequeninos. Tens memória de alguém te ler histórias quando eras pequena? Alguma preferida?

As primeiras memórias que tenho de nos contarem histórias, a mim e às minhas irmãs, são da minha avó que nos contava episódios da Bíblia. Era engraçado porque nós não tínhamos (eu, pelo menos, não tinha) a noção de onde vinham aquelas aventuras. Para mim o David era um verdadeiro herói que derrotava o Golias porque tinha o coração puro e era inteligente, que acaba por estar muito perto do Frodo do Senhor dos Anéis. Eu, por exemplo, gostava particularmente da história de Sansão e Dalila, talvez por ser uma história de amor com perigo e traição que acaba em tragédia, tipo Romeu e Julieta.

Sempre tiveste vontade de escrever? Ou és uma leitora «viciada» que agora resolveu tentar a sua sorte? Vês-te a contar histórias para adultos?

Eu em criança tinha uma relação muito pouco próxima dos livros. Ler parecia-me um desperdício de tempo havendo muros para saltar, árvores para subir e grilos para apanhar e guardar em gaiolinhas de plástico. Agora parece-me um desperdício o tempo que não estou a ler e sinto-me angustiada quando penso que ainda não li todos os clássicos que queria. A escrita é uma coisa diferente. Escrevo há muito tempo mas nem sempre com a noção ou a intenção de partilhar ou publicar. Escrevo porque me sinto bem a escrever. Gosto e pronto. Não sei se estou a tentar a sorte, mas suponho que todos devemos a nós próprios a descoberta daquilo que somos capazes, de nos desafiarmos àquilo que achamos que a humanidade tem de melhor. A questão dos adultos é complicada porque não sei se consigo definir ‘adulto’ ou ‘histórias para adultos’. As histórias têm uma vontade própria e às vezes, o que pensamos ser um conto para crianças mais pequenas, acaba noutro registo porque uma personagem de outra faixa etária acabou por tomar conta das coisas, ou porque algo acontece que muda completamente o ambiente de tudo. Não sei dizer o que vou escrever no futuro, mas não fecho nenhuma porta e nenhuma janela… há sempre muros para saltar e árvores para subir.

As ilustrações são uma parte importante dos livros. Sentes que a Marta Jacinto conta uma história através do que pinta?

Ó sim, a Marta reconta as histórias todas. Tudo fica diferente depois da Marta! Na Abelha Zarelha eu imaginei o som do zumbido como sendo gerado pelo bater das asas e a Marta apresenta a Abelha, logo numa das primeiras ilustrações, a assobiar o zumbido. Para mim foi uma releitura da história e uma redescoberta da personagem que já não era só minha. Uma das forças do texto é a alegria e a Marta consegue imprimir um registo visual muito leve e cómico que me agrada muito.

Dizes que «se fosses um animal serias um ornitorrinco». Alguma razão especial? 

O ornitorrinco é um animal estranho porque parece uma espécie de ursito e tem cauda de castor e um enorme bico de pato. É mal definido o que me parece uma boa metáfora. Nós também não somos uma coisa só. Eu sou historiadora pelo menos na perna esquerda e nos cotovelos. A Bibliotecária em mim deve ocupar parte do tronco. A cabeça e as pontas dos dedos brincam com as palavras e contam histórias. O resto não sei, ainda falta descobrir.

Nasceste em Angola. Tens alguma recordação de lá? Pensas um dia voltar a cruzar oceanos?

Não tenho qualquer memória consciente de Benguela ou de Angola. As memórias que guardo não são minhas, são dos meus pais e avós. Vim para Portugal com um ano e meio de idade, durante a ponte aérea que em 75 marcou parte da descolonização portuguesa de África. Tenho planos de cruzar muitos oceanos mas não sinto uma viagem a Angola como um regresso a casa. Esse sentimento de regresso tenho-o em relação a outros lugares e até em relação a pessoas, onde e com quem construí laços e raízes e cujas memórias fazem parte de mim.

Certamente tens algumas referências na literatura infantil. Quem são os teus ídolos? Gostas de ler um pouco de tudo ou és "especialista" nalgum género?

Quando eu era pequenina não havia a quantidade, variedade ou qualidade de livros infantis que há hoje. Éramos só raparigas e, claro, havia livros da Anita, mas havia também as colecções dos contos clássicos dos irmãos Grimm, de Perrault e de Anderson, os clássicos juvenis como o Tom Sawyer, a Alice no País das Maravilhas, a Ilha do Tesouro, as Vinte Mil Léguas Submarinas e as Viagens de Gulliver, e também algumas histórias tradicionais como a História do Macaco do Rabo Cortado que eu obrigava a minha irmã mais velha a contar-me vezes e vezes sem conta. Como consumidora ainda jovem, confesso que gostava especialmente dos contos clássicos. Tínhamos uma colectânea de mais de sessenta contos que eu adorava ouvir contar e ficava fascinada com palavras como Rumpelstiltzkin ou Jorinda e Joringel. Depois, o meu maior herói passou a ser o Manuel António Pina. Estou convencida que tudo isto começou verdadeiramente quando conheci o escaravelho Bocage no dia em que me ofereceram o livro Gigões e Anantes. Tinha seis anos e fiquei muito admirada quando, anos mais tarde, vim a descobrir que havia um poeta com nome de escaravelho. Já na escola preparatória tive uma professora que nos contava as histórias da Sophia de Mello Breyner e nunca mais a esqueci… à professora e à Sophia. Hoje sou uma consumidora compulsiva de livros infantis e penso que vivemos tempos muito interessantes para quem gosta de livros para crianças. Tanto faz que sejam portugueses ou estrangeiros, de todos os tipos e géneros, ilustrados ou não, com texto ou sem ele, mas confesso que gosto especialmente de poesia. Os autores de que mais gosto e que se transformam nas referências que uso, consciente ou inconscientemente, podem vir de todo o lado e não só da literatura infantil. Ainda assim, tenho as estantes bem forradas… Do Manuel António Pina, claro, entre mim e o meu Pedro, temos quase tudo, tal como da Sophia de Mello Breyner e do Aquilino Ribeiro. Encanta-me a forma de escrever de A. A. Milne e a beleza ideológica de Saint-Exupéry. Gosto dos monstros de Maurice Sendak e da irreverência de Peter Newell. Entre os autores mais recentes sigo de perto os livros de autores como o Valter Hugo Mãe, a Carla Maia de Almeida, a Rita Taborda Duarte ou o Afonso Cruz. Na poesia o manancial é interminável e vai de Fernando Pessoa a Mário Cesariny, passando pelos textos de Ana Luísa Amaral, Jorge de Sousa Braga, Nuno Higino, Álvaro de Magalhães, João Pedro Mésseder, Mário Henrique Leiria, Luísa Costa Gomes, António Torrado, Luísa Ducla Soares, Leo Leoni, Fran Alonso e de certeza que me estou a esquecer de muitos.

Numa frase: porque é que as pessoas devem comprar e ler o teu livro?

Não sei se devem comprar o meu livro, diz-me tu se devem ou não… direi apenas que, no fundo, é uma história sobre alegria e perseverança, que penso serem das ferramentas mais válidas que podemos dar a nós próprios e aos outros, independentemente da idade.

*A não perder brevemente: a entrevista à ilustradora deste mesmo livro, Marta Jacinto.

1º Parágrafo: O Triste Fim de Policarpo Quaresma


Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa. Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito. A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: “Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.”


a-ver-livros: agenda e Jessie Willcox Smith

Tenho poeira para levantar
por aí
pedras para calcar
curvas para fazer

Tenho livros para ler
e astros para namorar
às escondidas do mundo

* para conhecer mais sobre a pintora Jessie Willcox Smith
siga o link www.bpib.com/illustrat/jwsmith.htm

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O rumo da Deriva para 2013


Depois de, no final de 2012, ter editado a sequência das aventuras de Sheila e Said iniciada com a 2ª edição de "Perigo Vegetal" de Ramón Caride e ilustrado por Miguelanxo Prado, com a "Ameaça na Antártida" e "O Futuro Roubado", mais a peça de teatro juvenil de Luís Mourão, "O Homem Que Via Passar as Estrelas" e a poesia de Filipa Leal, com "Vale Formoso".

2013 chegará com nomes que vão deixar a sua marca no catálogo da Deriva: Henrique Manuel Bento Fialho, José Ricardo Nunes, Aurelino Costa, João Pedro Mésseder, Catarina Costa e Hugo Neto. Junta-se ainda Thomas Wynn e F.L. Coolidge com "Pensar Como Um Neandertal" (título ainda provisório) e o bibliófilo do século XVIII, Gaetano Volpi, com "Do Prazer de Ter Livros". 
Não é, ainda, tudo: a Deriva conta ainda com Robert L. Stenvenson, Carlo Ginzburgo, Anselm Kiefer, Olivier Py, Jean-Claude Pinson, Jacqueline Bardolph, Samuel T. Coleridge, das coleções Pulsar e Cassiopeia do ILC/Deriva e, na sociologia, Mikhail Backhtin, Michel Pialoux e Christhian Corouge, edições impulsionadas por Bruno Monteiro. 
Serão editados igualmente os estudos dos 18º Encontros Luso-Galaico- Franceses do Livro Infantil e Juvenil, com o título de Literatura Infanto-Juvenil e Educação Literária.

1º Parágrafo: Pedras de Calcutá


O primeiro aviso foi um barulhinho, de manhã bem cedo, quando ele se curvava para cuspir água e pasta de dentes na pia. Pensou que fosse o jato de água da torneira aberta e não ligou muito: sempre esquecia portas, janelas e torneiras abertas pelas casas e banheiros por onde andava.


a-ver-livros: ano novo e Kim Roberti

A dois seremos mais leitores
das páginas que estão por escrever
a três seremos uma força

que a quatro duplicará
a cinco a mão cheia que o ano
espera de nós
A mais seremos tantos
e nunca seremos poucos

* para conhecer mais da pintora texana Kim Roberti
siga o link kimsartblog.blogspot.pt

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

1º Parágrafo: As Meninas


Sentei na cama. Era cedo para tomar banho. Tombei para trás, abracei o travesseiro e pensei em M.N., a melhor coisa do mundo não é beber água de coco verde e depois mijar no mar, o tio da Lião disse isso mas ele não sabe, a melhor coisa mesmo é ficar imaginando o que M.N. vai dizer e fazer quando cair meu último véu. O último véu! Escreveria Lião, ela fica sublime quando escreve, começou o romance dizendo que em dezembro a cidade cheira a pêssego, Imagine, pêssego. Dezembro é tempo de pêssego, está certo, às vezes a gente encontra as carroças de frutas nas esquinas com o cheiro de pomar em redor mas concluir daí que a cidade inteira fica perfumada, já é sublimar demais. Dedicou a história a Guevara com um pensamento importantíssimo sobre a vida e a morte, tudo em latim. Imagine se entra latim no esquema guevariano. Ou entra? E se ele gostava de latim. Eu não gosto? Nas horas nobres, deitava no chão, cruzava as mãos debaixo da cabeça e ficava olhando as nuvens e latinando, a morte combina muito com latim. Não tem coisa que combine tanto com latim como a morte. Mas aceitar que esta cidade cheira a pêssego, exorbita. Qué ciudad será esa? ele perguntaria na maior perplexidade. Tercer Mundo? Terceiro Mundo. Y huele a durazno? Na opinião de Lia de Melo Schultz, cheira. Ele então fecharia os olhos onde eram os olhos e sorriria um sorriso onde era a boca. Estoy bien listo con esas mis discípulas. Enfim, problema dela, o meu é M.N., um M.N. nu em pêlo, muito mais em pêlo do que eu, ele é peludo à beca, assim na base do macaco. Mas um macaco lindo, a cara tão intelectual, tão rara, o olho direito um pouco menor do que o esquerdo e tão triste, todo um lado da sua cara é infinitamente mais triste do que o outro. Infinitamente. Eu poderia ficar repetindo infinitamente infinitamente. Uma simples palavra que se estende por rios, montes, vales infinitamente compridos como os braços de Deus. As palavras. Os gestos se renovando como a pele da cobra rompendo lisa sob a pele velha. E não é viscosa, toquei nela na fazenda, era verde e espessa mas não viscosa. O gesto de M.N. também novo, não é verdade que tudo será como das outras vezes, ele virá de pele limpa, inventando o inventado nas suas minúcias. Se Deus está no pormenor, o gozo mais agudo também está na miudeza, ouviu isto, M.N.? Ana Clara contou que tinha um namorado que endoidava quando ela tirava os cílios postiços, a cena do biquíni não tinha a menor importância mas assim que começava a tirar os cílios, era a glória. Os olhos nus. Em verdade vos digo que chegará o dia em que a nudez dos olhos será mais excitante do que a do sexo. Pura convenção achar o sexo obsceno. E a boca? Inquietante a boca mordendo, mastigando, mordendo. Mordendo um pêssego, lembra? Se eu escrevesse, começaria uma história com esse nome, O Homem do Pêssego. Assisti de uma esquina enquanto tomava um copo de leite: um homem completamente banal com um pêssego na mão. Fiquei olhando o pêssego maduro que ele rodava e apalpava entre os dedos, fechando um pouco os olhos como se quisesse decorar-lhe o contorno. Tinha traços duros e a barba por fazer acentuava seus vincos como riscos de carvão mas toda a dureza se diluía quando cheirava o pêssego. Fiquei fascinada.


L'année 2012... e o que se espera de 2013 para o Clube de Leitores


2012 arrancou em grande, com o blog a ganhar um concurso como "Blog do ano 2011" na categoria Livros / Poesia / Literatura. Foi uma verdadeira batalha, com imensa gente envolvida a apelar ao voto. Para trás ficaram nomes de respeito do mundo da blogosfera.

É com prazer que anuncio que muito em breve vamos voltar a concorrer. Espera-se o mesmo entusiasmo e alegria. Participar será sempre positivo. Ganhar será especial - não há ninguém que goste de perder.

2012 foi, por isso, um ano de afirmação. O sonho de um pequeno aventureiro transformou-se num projecto que envolve muita gente. Não só os que escrevem aqui, mas todos aqueles que nos acompanham. Os números são impressionantes, mas não vou insistir neles... Basta estar atento a todos os locais onde estamos representados para perceber que o Clube de Leitores arrasta multidões e traz sempre debates interessantes e participados.

A nível pessoal, 2012 representou o fim de um ciclo profissional ligado aos livros. Muito me preocupa o "estado de leitura" dos portugueses. E é inegável que as editoras têm que se adaptar aos tempos que correm. Às muitas que desapareceram e às dificuldades que as livrarias passam; fica a minha luta para que o "objecto livro" não morra e para que a leitura não caia.

Este espaço continua a ser uma montra muito privilegiada do que se faz neste mundo. Este ano trouxe um importante aliado que fez com que o blog saísse do anonimato da sua casa para as ruas - o Bairro dos Livros. Tem sido mágico cruzar-mo-nos com as pessoas que nos teclam e gostam do nosso trabalho. É principalmente por eles que o entusiasmo não esmorece.

O blog continuará a dar estampa do melhor que se faz por cá. Vai celebrar a poesia, a ilustração e pintura, a chegada de novos talentos e a partida de outros. Os seus membros vão estar em sintonia para continuar a reinventar este espaço - de maneira alguma vamos adormecer e desapontar os que nos acompanham.

E não esquecemos a nossa veia de escritores. Apesar de não sermos autores consagrados, todos nós crescemos e nos afirmamos cada vez mais na escrita. Isso é algo que continuarei a procurar com os colaboradores. O blog vai escrevendo o seu próprio livro. Nada me poderia encher mais de orgulho.

Este ano vai trazer mais colaborações de autores. Seja pela forma directa seja pela forma de entrevista. É um objectivo que quero ver cimentado. Este espaço será de quem o quiser usar. Basta apenas alinhar no espírito e filosofia do mesmo. Disso não vamos abdicar - qualidade e originalidade acima de tudo!

Para ser igual à maioria... não vale a pena perder tempo. Não vale a pena existir. Espero que o sonho continue a comandar a vida de todos nós.

Cá estaremos!

Feliz ano de 2013. E boas leituras, pois claro!

Rodrigo Ferrão

a-ver-livros: adeus, ano velho, olá Leon Wyczółkowski

Onde é que ele foi
que passou a correr 
e tão desbragado

Onde foi - deixando 
para trás este rasto de destruição
e meia dúzia de páginas sujas
dos dedos lambidos
dos sonhos desfeitos

Onde é que foi o maldito
que não o quero
voltar a encontrar

* para conhecer mais sobre o pintor polaco Leon Wyczółkowski
siga o link www.pinakoteka.zascianek.pl/Wyczolkowsk

domingo, 30 de dezembro de 2012

Espreitar o passado no Magazine Bertrand


Publicado entre 1927 e 1933, de acordo com informação retirada da Hemeroteca de Lisboa, o Magazine Bertrand, sob a direcção de João de Sousa Fonseca, tinha de tudo um pouco.

Concursos de autores, pequenos contos destinados ao público infantil, informações de carácter geral, estudos fotográficos, anedotas, crónicas femininas, desenhos, enfim, uma verdadeira leitura para todos como se anunciava no seu título.

António Lima (1891-1958),
ilustração para a capa do Magazine Bertrand,
número 42, de Junho de 1930

Sendo seu editor comercial as Livrarias Aillaud e Bertrand, sitas na Rua da Anchieta, nº 25 em Lisboa, por ele passaram nomes de relevo da literatura portuguesa, como sejam, Raul Brandão, Teixeira de Pascoais e Vitorino Nemésio, entre muitos outros.

Numa leve incursão pelas publicações periódicas que maior êxito alcançaram nos anos vinte em Portugal, percebemos que o Magazine Bertrand a par do ABC , a Ilustração e a Civilização, fizeram parte de uma geração de publicações artístico-culturais que convivem com nomes mais conhecidos como a Orpheu, a Revista Portugueza ou a Contemporânea.
Rodolfo da Cunha Reis (1909-1929),
ilustração para a capa do Magazine Bertrand,
número 34, de Outubro de 1929

Poemas de Ano Novo - Com Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade

Cortar o tempo

«Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente»

Carlos Drummond de Andrade

(foto: Jungle Line - num comboio na Malásia, 2009)

«Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.»

Cecília Meireles

a-ver-livros: exposição indecente e Violeta Lopiz

Toda a nudez será castigada
- e a da alma?
Será alto o preço a pagar
pela indecente exposição
das nossas sombras
dos nossos monstros?

Teremos que expor as chagas
à luz / ao fogo
para as sarar
queimá-las talvez no álcool
dos brindes, na acidez
dos desejos

* para conhecer melhor a ilustradora espanhola Violeta Lopiz
siga o link violetalopiz.blogspot.pt