sábado, 13 de julho de 2013

Al Berto: perceber o mundo

É preciso repensar a nossa vida. Repensar a cafeteira do café, de que nos servimos de manhã, e repensar uma grande parte do nosso lugar no universo. Talvez isso tenha a ver com a posição do escritor, que é uma posição universal, no lugar de Deus, acima da condição humana, a nomear as coisas para que elas existam. Para que elas possam existir… Isto tem a ver com o poeta, sobretudo, que é um demiurgo. Ou tem esse lado. Numa forma simples, essa maneira de redimensionar o mundo passa por um aspecto muito profundo, que não tem nada a ver com aquilo que existe à flor da pele. Tem a ver com uma experiência radical do mundo. 

Por exemplo, com aquela que eu faço de vez em quando, que é passar três dias como se fosse cego. Por mais atento que se seja, há sempre coisas que nos escapam e que só podemos conhecer de outra maneira, através dos outros sentidos, que estão menos treinados… Reconhecer a casa através de outros sentidos, como o tacto, por exemplo. Isso é outra dimensão, dá outra profundidade. E a casa é sempre o centro e o sentido do mundo. A partir daí, da casa, percebe-se tudo. Tudo. O mundo todo.


*Al Berto, in "Entrevista à revista Ler (1989)"

Handwritten Manuscript Pages From Classic Novels: Jane Austen

Já alguma vez pensou ver Persuasão desta forma? Então fique com uma das suas páginas, escritas pela própria Jane Austen.

Visite o site http://flavorwire.com para encontrar mais. 
Siga o link directo.

Letras na Avenida: «A Sibila» de Agustina Bessa Luís entre muitas actividades...


11:00 - 20:00
Homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a leitura integral de ”A Sibila”, por Nuno Meireles
Esplanada Cultureprint - por Cultureprint

15:00 - 16:00
Tertúlia “Os Anjos da Nossa Vida”, com Elmira Maria Teixeira Auditório
Cultureprint - por Maitreya

16:00 - 17:00
Apresentação do livro do Nuno Higino, “Daqui e do Mar eu vou-te contar”, Ed. Letras e Coisas
Auditório Cultureprint - por Letras e Coisas

17:30 - 18:30
Retrato Literário com o escritor Miguel Miranda 
Auditório Cultureprint - por Cultureprint

17:30 Apresentação do livro “Entulho”, de Cristóvão Siano, Ed. Cultureprint
Esplanada Cultureprint - por Cultureprint

17:30 TEATRO DE MARIONETAS DO PORTO
Leitura encenada/Workshop/Video Cinderela
Edifício AXA/ Sala Serviço Educativo, Piso 1. 1ª Avenida / PortoLazer - por Teatro de Marionetas do Porto

21:30 - 24:00
Espectáculo de Spoken Word “Estórias Musicadas, Canções Faladas”, pelo Estupendo Inuendo
Esplanada Cultureprint - por Estupendo Inuendo

21:30 - 22:30
Tertúlia “Percursos e Falares do Porto” com Elisabete Gonçalves, Onofre Varela e João Carlos Brito
Auditório Cultureprint - por Lugar da Palavra

23:00
Porto Sounds: “White Haus”
Edifício AXA/janelas PortoLazer - por Plano B

sexta-feira, 12 de julho de 2013

E se as livrarias fossem todas assim?

Que me dizem

Letras na Avenida: o festival do livro que arrancou hoje no Porto

A Avenida dos Aliados vai voltar a animar-se culturalmente, através da festa dos livros e de outras formas de expressão artística, em particular 'performances' poéticas e música. A iniciativa, denominada 'Letras na Avenida', realiza-se de 12 a 28 de julho.
Letras na Avenida é uma organização da Câmara Municipal do Porto, através do Pelouro do Conhecimento e Coesão Social e da PortoLazer, em parceria com a produtora cultural Cultureprint, crl.. Tem por objetivo promover, difundir e democratizar o livro e a leitura, bem como fomentar os hábitos de consumo de produtos culturais, além de dinamizar a Baixa do Porto.
A iniciativa conta com a participação de cerca de uma centena de entidades, destacando-se as livrarias de grande tradição do Porto, como a Lello Editores, Imprensa Nacional Casa da Moeda, ou a livraria alfarrabista Moreira da Costa, a mais antiga da invicta, e outras mais recentes como a Poetria, ou a Book House. Adicionalmente, participarão no evento instituições como o Bairro dos Livros, a Universidade do Porto, o Instituto Piaget, o Cineclube, o Inatel, entre outras.
Para além do catálogo geral de cada livraria, mais de 50 editoras estarão com estas livrarias em exposição, entre as quais Relógio d' Água, Gradiva, Clube do Autor, Publicações Europa América, Edicare, Estampa, Lidel e Cinemateca.

POESIA DITADA E CANTADA

Na programação 'Bairro dos Livros' que animará o evento, além das tertúlias, encontros com os autores, sessões de autógrafos e lançamentos de livros, destacam-se as performances poéticas com os atores Rui Spranger, Isaque Ferreira e Renato Cardoso, num Stand-up Poetry que promete gargalhadas em verso.
O espetáculo musical "A Desdita" criará um ambiente mágico no palco 'Bairro dos Livros', com poesia cantada de Ary dos Santos, Sophia de Mello Breyner e José Afonso, através das vozes de Isabel Fernandes Pinto e Sofia Lemos, acompanhadas pela guitarra de Joaquim Pavão.
Paralelamente, ao nível de serviço educativo serão oferecidas oficinas variadas, que versarão temas identitários da cidade do Porto como os azulejos, o vinho do Porto, o Infante D. Henrique, entre muitas outras. Horas do conto e atividades de expressão plástica, levadas a cabo pelas bibliotecas, arquivos e museus municipais, integram também o programa de atividades.
Haverá, igualmente, oportunidade para assistir a uma mostra de histórias em cinema de animação produzidas no âmbito do projeto "Porto Desconhecido", promovido pela Associação de Ludotecas do Porto /CLIA-ANILUPA, desvendando memórias, curiosidades, festas e histórias da cidade do Porto transformadas em cinema de animação por crianças, jovens, adultos e seniores.
O Spoken Word , dos 'Estupendo Inuendo', traz-nos um espetáculo de histórias musicadas, "inspirado no género spoken word americano, mas contagiado pela tradição portuguesa de contar estórias, dizer poesia e desabafar com o vizinho".
Ainda no âmbito da performance poética, o Letras na Avenida vai trazer ao palco os coletivos poéticos da cidade para um despique, em jeito de desafio, que vai celebrar o "Best-of" da poesia nacional. O 'Bairro dos Livros' prepara ainda uma homenagem surpresa a Agustina Bessa-Luís e levará à cena desenhos e palavras ditas e escritas num cruzamento artístico entre o ator Nuno Meireles e o artista plástico Telmo Castro, convidando-nos para "um mergulho" num tanque com tubarões, leões e outros animais.

ESTREIA DO DOCUMENTÁRIO DE VITORINO D'ALMEIDA

Em estreia nacional será exibido o documentário "Juntos", do realizador e maestro António Victorino d'Almeida, que estará presente para uma conversa animada com os seus muitos admiradores. "Juntos" foi produzido no rescaldo do 25 de Abril e fala-nos da relação dos portugueses com o fado. Esta obra conta com participações de vultos da cultura portuguesa como: Carlos Paredes, Natália Correia, Vitorino. Outras sessões do Cineclube do Porto enriquecerão o programa cinéfilo.
A música também marca presença nas Letras na Avenida. O Curso de Música Silva Monteiro animará os fins de tarde de 20 e 27, os Porta-Jazz subirão ao palco nas noites de 14 e 28, e, no dia 13, é o 'Porto Sounds' que levará música ao palco das Letras na Avenida.
Este palco acolherá ainda um espetáculo de marionetas e um momento de dança, em datas a anunciar.
Para além da programação de palco, o Letras na Avenida - cuja iniciativa foi pensada para celebrar o livro, a leitura e a promoção da cultura portuguesa - vai proporcionar momentos espontâneos de animação de rua, promovendo a interação entre público e artistas.
- See more at: http://letrasnaavenida.cm-porto.pt/#sthash.vsPnzgZX.dpuf

Hoje, foi assim / será...

14:30 – 15:00
UMA BREVE HISTÓRIA DA MOEDA EM PORTUGAL
A moeda e sua circulação em Portugal, desde a antiguidade clássica até à atualidade.
Auditório Pelouro do Conhecimento e Coesão Social - Divisão Municipal de Museus e Património Cultural

15:00 – 15:30
VEM NAVEGAR PELO MUSEU 
Oficina de construção de barcos rabelos. Crianças dos 6 - 12 anos
Auditório Pelouro do Conhecimento e Coesão Social - Divisão Municipal de Museus e Património Cultural

16:00 – 16:30
AS FESTAS DE Nª SR.ª DO Ó - Filme de animação
A partir de 1982 e por iniciativa da população da ribeira do Porto passaram a realizar-se as Festas de Nossa Sr.ª do Ó. Os festejos duravam 15 dias no Largo do Terreiro da Freguesia de S. Nicolau. [DURAÇÃO: 12’]
Edifício AXA/ - Auditório Pelouro do Conhecimento e Coesão Social Anilupa: Centro Social Paroquial de S. Nicolau.

21:00 – 22:00
Apresentação do livro “A última criada de Salazar”, de Miguel Carvalho, Ed.Oficina do Livro
Auditório Cultureprint - Oficina do Livro

21:30 – 22:30
Apresentação do livro "Como Folhas ao Vento", de Emília Leitão, Ed. Edita-me
Edifício AXA/ Auditório 1ª Avenida/ PortoLazer - Edita-me

a-ver-livros: partidas e chegadas e Jean Pierre Cassigneul

Elas esperam
junto ao mar

senão pela chegada
talvez pela partida

Elas esperam

e nem desesperam
que há dias que nascem
e dias que morrem
e livros que guardam
a beleza de uns
e outros

* para saber mais sobre o pintor francês Jean Pierre Cassigneul
siga o link www.cassigneul.com

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Poema à noitinha... Mário Cesariny de Vasconcelos

Uma Certa Quantidade

Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade

Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião

Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá

E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar

Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro


*Mário Cesariny, in Pena Capital - Assírio & Alvim.

É do borogodó: através do espelho

Música e poesia - sem palavras.



(uma galeria de fotopoemas que fiz com a câmera de um celular)
Penélope Martins

a-ver-livros: sede e fome e Janet Hill

Tranca a poesia na gaveta
não a deixes voar já

Deixa-a ganhar sede
às nuvens
e fome às raízes das árvores
e saudade ao cheiro 
das páginas em que ainda
não nasceu

Tranca-me a mim
no teu peito
Deixa-me recear
por fragmentos de tempo
a liberdade de voar

* para saber mais sobre a pintora canadiana Janet Hill
siga o link janethillstudio.com

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Poema à noitinha... o «convite triste» de Drummond

Convite Triste

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.

Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.

Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.

Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.

Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.


*Carlos Drummond de Andrade, in Brejo das Almas.

Frases sublinhadas - in «Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres»

Era suposto estar a discutir convosco a leitura do mês de Junho... Mas a verdade é que me atrasei. Culpa do livro (que é um hino e, como tal, deve ser lido devagar) e de outras leituras (um homem não pode viver com uma leitura de cada vez).

Assim sendo, deixo-vos dois momentos que sublinhei. Servem só para abrir o apetite para o debate em torno de Clarice. Ah, já agora: vai valer a pena ler isto...

*~*

(...) É uma naturalidade morrer, transformar-se, transmutar-se. Nunca se inventou nada além de morrer. Como nunca se inventou um modo diferente de amor de corpo que, no entanto, é estranho e cego e  no entanto cada pessoa, sem saber da outra, reinventa a cópia. Morrer deve ser um gozo natural. Depois de morrer não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso.

(...) Pensou que há minutos lutava com o Deus, cansada, exausta, murmurou sem timbre de voz: não entendo nada. Era uma verdade tão indubitável que tanto seu corpo como sua alma vergaram-se ligeiramente e assim ela repousou um pouco. Naquele instante era apenas uma das mulheres do mundo, e não um eu, e integrava-se como para uma marcha eterna e sem objectivo de homens e mulheres em peregrinação para o Nada. O que era um Nada era exactamente o Tudo.
   Havia desmistificado uma das poucas grandezas de que vivia.
   Sabia que por enquanto doía muito e que depois ainda doeria mais pois sofreria a falta d'Aquele que, mesmo se não existisse, ela amava porque era uma célula dele. E talvez viesse a se salvar: porque a angústia era a incapacidade de enfim sentir a dor. Pensou: eu nunca tive a minha dor. Por falta de grandeza, sofrera suportavelmente tudo o que nela havia a sofrer. Mas agora sozinha, amando um Deus que não existia mais, talvez tocasse enfim na dor que era dela. Angústia também era o medo de sentir enfim a dor.

*Clarice Lispector, in Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Relógio D'Água. 

a-ver-livros: (a)mar e Suzanne Clements

Aguardo que o rio passe
à minha porta
banhe os pés que carregam
o coração
dilua talvez as pedras
que as lágrimas deixaram
para trás

Aguardo que o leito
se erga na enchente
inunde as minhas veias
corra por mim
até à foz

E quem sabe serei
mar

* para conhecer mais sobre a pintora Suzanne Clements
siga o link art.suzanneclements.com

terça-feira, 9 de julho de 2013

Poema à noitinha... Ana Hatherly

O Calendário Ardente dos Teus Dias

o calendário ardente dos teus dias
a lista das tuas agonias

como se atreve
como não ousa serenar
                   serenar-te

no ímpeto fugidio e secreto
                        o sorriso
a alva gravidade do estilo


*Ana Hatherly, in Um Calculador de Improbabilidades.

É do borogodó: aceno

reluzia flor amarela

fotografia desbotada em escultura de Juliana Bollini
www.julianabollini.blogspot.com.br/
a beira os pés dela

luzia aberta a janela.

Luzia e a flor amarela

de amor aos pés dela

manhãs claras aquelas!

mais tarde, a sentinela,

cerrada jazia janela

desmanchar de aquarela…

secou a flor amarela

partiram de si os pés dela

e a dor calou funda, sem graça.



Penélope Martins

a-ver-livros: alada e Elsa Martins Esteves

Sob as tuas asas
resguarda-se o eco das palavras
que leio

erguem-se espirais ascendentes
de brisas aladas
há outras aves nos céus 
nenhuma voará como tu
quando fechar este livro

* hoje usei uma foto da portuguesa Elsa Martins Esteves,
que já foi assídua colaboradora aqui do Clube de Leitores


segunda-feira, 8 de julho de 2013

Poema à noitinha... Vitorino Nemésio e «Teu Só Sossego aqui Contigo Ausente»

Teu Só Sossego aqui Contigo Ausente

Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.
Uma casa sem hera
É como gente sem viver.

*Vitorino Nemésio, in Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga.

Ahab lança Juan Pablo Villalobos em Portugal

Acho que vão gostar de conhecer este Festa no Covil, de Juan Pablo Villalobos. A Ahab lança o primeiro livro deste autor Mexicano, que tem dado que falar um pouco por toda a parte. Fiquem com a sinopse e a opinião de Raquel Ribeiro, do Jornal Público. 

~*~

Em Festa no Covil, a vida quotidiana de um poderoso traficante é vista pelos olhos do filho, um rapaz curioso e com uma inteligência fulminante. Tochtli vive trancado num palácio no meio do nada e adora colecionar chapéus, desvendar mistérios e ler o dicionário todas as noites. Também gosta muito de franceses, que inventaram a guilhotina, e de filmes de samurais. Mas Tochtli tem uma obsessão: completar o seu mini zoológico privado com um raríssimo hipopótamo anão da Libéria. O pai, Yolcaut, consegue tudo o que quer e é bem capaz de lhe fazer a vontade. Festa no Covil, o excelente e promissor romance de estreia de Juan Pablo Villalobos, é a crónica de uma viagem delirante para realizar o desejo de uma criança.



A primeira obra de Juan Pablo Villalobos é uma novela curta e acutilante sobre a perda da inocência

Este covil é uma casa. Ou melhor, “um palácio” (diz o narrador), e nele vivem o filho (Tochtli, personagem principal), o pai (Yocault, narcotraficante, “a mão com os dedos cheios de anéis de ouro e diamantes”), os seus capangas, e alguns empregados. Estes têm nome mas quase não falam. É como se fossem “mudos”. Diz Tochtli: “Quando falo com eles, abrem a boca, como que tentando falar; mas permanecem calados.” Terão medo? Ou serão pouco machos? Porque esta é uma casa (e uma história) de machos. Machos no México, numa família “disfuncional”, cujo pai, traficante riquíssimo, pretende tornar realidade os desejos do seu filho (que, num tédio, vive entre paredes, lendo o dicionário e livros de história) — mesmo que esses desejos sejam excêntricos ou estapafúrdios.

Tochtli é o narrador (na primeira pessoa), mas não sabemos bem a sua idade. Deverá ter mais ou menos dez anos (não terá mais). As repetições, as colecções (de chapéus), as obsessões (quer, porque quer — e porque pode — ter um hipopótamo anão da Libéria no seu zoo privado), a forma como observa os outros (adultos), mesmo num miúdo “precoce”, como ele mesmo se auto-define, são típicos de uma criança inteligente, curiosa e arisca, que apesar de viver submersa no horror do crime e da violência consegue ver o mundo com a inocência necessária para fabular ainda nesta história perturbadora.

O trabalho de depuração da linguagem de Villalobos é brilhante, por isso nos agarramos facilmente àquela voz quase cândida, que vai, gradualmente, perdendo a sua inocência no confronto com a realidade, ainda mesclada, aqui e ali, de humor, inteligência e algum cinismo (Tochtli está, claramente, a crescer; e isso nota-se à medida que se avança no livro).

Ainda que o olhar deste texto seja o de uma criança, não se engane o leitor sobre se Festa no Covil é um livro para meninos. Precisamente porque Villalobos escolheu Tochtli para seu protagonista e narrador, a violência dos assassinatos, do tráfico de droga, da corrupção, do mundo real que entra, naquela casa protegida, pela televisão, torna-se mais gritante, acentuando a crueza dos factos e o colapso moral de um México em decadência. “Desde que voltámos da Monróvia as cabeças cortadas passaram de moda. Agora na televisão vêem-se mais restos humanos. Às vezes, um nariz, outras vezes uma traqueia ou um intestino. E orelhas também”, diz Tochtli, com a mesma frieza com que descreve a história e as circunstâncias dos países, assim: “Parece que o país Libéria é um país nefasto. O México também é um país nefasto. É um país tão nefasto que podes nem arranjar um hipopótamo anão da Libéria. Isso, na realidade, é ser do terceiro mundo.”

E lê-se de um fôlego. Em menos de cem páginas, Villalobos mostra que não é preciso escrever calhamaços para se afirmar como escritor. E ao primeiro romance acertou em cheio: acutilante, preciso, brutal e inocente, Festa no Covil é uma pequena maravilha. Aguardamos o próximo romance em português (já saiu em Espanha, e deverá sair este ano ainda no Reino Unido).


*Raquel Ribeiro, Público. Suplemento Ípsilon.

E se os meus livros dessem uma escultura?

Lembra-se de Su Blackwell, a famosa escultora de livros? Pois bem, Anemya também faz esculturas a partir de livros. E o seu trabalho é formidável.

Deixo aqui alguns exemplos do que podem ver na sua página do facebook. Anotem: https://www.facebook.com/AnemyaPhotosCreations



domingo, 7 de julho de 2013

Poema à noitinha... Ruy Belo

Poema Quotidiano

É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor não calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mãos no sol como hoje
Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pôs reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundo

Há quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pão
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar... Foi uma autêntica loucura
O astro-rei tornado acessível a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistência rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?

Mas hoje o sol
morreu como qualquer de nós
Ficou tão triste a gente destes sítios
Nunca foi tão depressa noite neste bairro


*Ruy Belo, in Aquele Grande Rio Eufrates

Maria Isabel Matos Pereira, África e poesia. Terminamos com «Poética - II volume»

Da antologia dos Palop - Poética - II volume, - editada em 2013, saem estes versos. Termina a participação da Maria Isabel. Desde já, o meu obrigado.

Kuanza

A terra sulcada de canaviais esconde um 
rio serpente ao entardecer.  
Na água mansa os abismos têm uma cor indefinida.
Há opalas e granadas reflectidas em espelhos invisíveis sobrepostos.
Ao longe, uma piroga e um homem pescador, silhuetas de ébano
recortadas contra o céu azul-vitral-cobalto.
Nas margens canta o vento nas ramadas.
O coaxar dos sapos faz pulsar o coração da lua.

Lilases

Na curva do caminho há um carvalho enorme que sonha
com um campo de pampilhos...O entardecer é um pedaço de rubi
que se abraça às sombras que dançam na serra por entre as árvores.

O que se vê para além da serra?
Lilases...porque lilás é a cor de tudo o que o silêncio guarda.

*Maria Isabel Matos Pereira
Convidada do Clube de Leitores.


Concordam?


A primeira página de «Ar de Dylan»

Assim começa o Capítulo I do livro que lemos este mês.

Há quem entre muito tarde no teatro da vida, Porém, quando o faz, parecer que entra desencabrestado e directo ao fim da obra. Foi esse o meu caso. E hoje posso afirmá-lo com toda a segurança. A representação começou na manhã em que a minha mulher me entregou uma carta que acabava de chegar da Suiça, um convite para participar num congresso literário sobre o Fracasso.

Encontrava-me no terraço do apartamento a nordeste de Barcelona, a velha casa que habitávamos há já muitos anos e que fechámos há apenas uns meses. A minha mulher chegou ao terraço com uma pompa nada habitual e ensaiou uma reverência teatral antes de me anunciar que, pelo teor da carta, alguém me considerava um completo fracassado. Surpreendeu-me o seu teatro, porque ela nunca costumava actuar exageradamente. Quereria, com o seu histrionismo, minimizar a gravidade do que dizia? Fosse pelo que fosse, não esquecerei esse momento, porque inaugurou uma história dentro da minha vida, uma história que paulatinamente iria reclamando cada vez mais a minha atenção nas semanas seguintes. 

*Ar de Dylan, da Teodolito. Leitura conjunta do mês de Julho.