sexta-feira, 29 de maio de 2015

Foto frase do dia: Lobo Antunes

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações




Meu querido José


(…) . Devo dizer-lhe que está um esplendor, um mármore clássico! Continue, jovem das ekfrásticas viagens!
Dizia-lhe, na outra missiva, que um dia talvez lhe explicasse, e cito-me, “o porquê de me considerar um flâneur, meu querido jovem do Romantismo Redentor.”
Eis agora o tempo de publicar parte dessa explicação que será seguida por mais uma impublicável impressão destes impossíveis Cadernos de Nicosia.
Desde muito cedo que a minha vida, por contextos e situações diversas, foi propensa à viagem. Desde as promessas que minha mãe fizera a um santo bem perto da sua aldeia, São Gonçalo de Amarante, que o meu destino parecia estar traçado para um ciclo, não de anéis wagnerianos, mas de viagens líquidas, constantes e universais.
Como deve imaginar, caro jovem frenético, não irei aqui traçar a minha biografia até porque acredito que as biografias são formas de canonizarmos a existência de alguém através de memórias que irão, sem dúvida alguma, tornar o biografado num sujeito interessante e excêntrico. A minha biografia é simples. E aqui cito o mestre Caeiro:

"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
 não há nada mais simples
 tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.
 Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.”

Já jovem e sonhador e discípulos de todas as Ideias que fervilhavam na minha família, grupo de amigos e conhecidos, compreendi que a necessidade de estar constantemente num lugar que não este, que não aqui e que não agora era uma realidade, melhor dizendo, era uma lei universal que nenhum Kant filosofou.
Desde as primeiras grandes viagens - Estados Unidos, França, Brasil, Itália, Turquia (não necessariamente por esta ordem) – que esse impulso de espírito surgia como a respiração ou o sangue que bombeia o corpo.
Em contacto com outras culturas, com outras civilizações, com outros pensares e formas de amar percebi que a liberdade, valor essencial da Arte, da Vida e do Amor, como dissera Schiller, está acima de qualquer outro assunto. Ainda que nos dias de hoje um bom prato, um bom copo de vinho e um bom Cohiba me seduzam ao ponto de adiar por umas horas as minhas líquidas viagens!
A vantagem de ser viajante, querido jovem dos amores de papel, é esse carácter literalmente liquefeito as relações. A estabilidade não é uma realidade, é sim uma ameaça a quem traçou como destino ou coisa que o valha o deambular. Em certa medida, sou filho desses seres maravilhosos que faziam campanhas pela Europa, ainda no tempo dos peregrinos. Lembro-me desse Voltaire ou do formidável Goethe, vadiando pelas Itálias e pela Península onde descansa este canto de país. Se por um lado encontro conforto estético nas minhas deambulações, nas minhas impressões, nestas minhas viagens, por outro lado, acalma-me saber só, acompanhado por Efraim, esse velhaco!, (que já se encontra no país, moreno como um mediterrânico ao lusco-fusco!). Um dia conto-lhe a história deste meu Sancho de nome Efraim Melquisedec!
Como lhe estava a dizer, a solidão e o conforto estético tornam-se, portanto, opções de vida essenciais, deslumbrantes e sempre aliciantes. Perdoe-me estas rimas internas, mas criam o seu efeito de exqui!
Se por um lado pertenço a essa geração de peregrinos que têm longa tradição na veneranda Europa, não é menos verdade que do outro lado se encontra a influência de meu pai, Augusto Viana de Sousa, e de meu avô, esse dandy de nome Carlos Viana de Sousa.
Pouco mais há a dizer quanto a meu pai e a meu avô. Homens cultos, elegantes, meu avô mais diletante que meu pai, que era elegante na sua forma silenciosa de amar as coisas belas.
Foram estas duas figuras paternais, muito mais que toda uma Escola, que lançaram em mim as fundas bases de uma filosofia de vida, e de vinhos e charutos e licores e gostos (e mulheres).
Para o flâneur a cidade é necessária não como monstro de betão e dióxido de carbono, mas sim pelos seus encantos humanos, nas multidões trôpegas, sôfregas e frenéticas, na sua indiferença universal. É nesse contraste que se encontra a delícia de viver. Sentado num barco de jardim, respirando calmamente os ares das manhãs e dos pássaros , observando, de perto, e esboçando um sorriso delgado, a correria de milhões de almas, ou de cabeças sem alma e sonhos dentro, que trepam pelos elevadores e pelos passeios, em busca do pão ou do sentido da vida.


Mas a delícia dos quartos e das varandas e das salas dos hotéis cosmopolitas é inigualável!
E sobre isso haverei de voltar a falar, mas não hoje, que a missiva vai longa e ainda há uma impressão dessa Nicosia que precisa ser transcrita por si, Orpheu das provincianas janelas!
Aguardo novas suas quanto àquele assunto que dizia inadiável!
Abraço apertado deste sempre

Seu

Gonçalo V. de Sousa.


P.S. Meu caro José, deixe para lá a impressão dessa soalheira Nicosia para outro dia, pois esta missiva é toda uma refeição literária!
Viva, leia, viaje, beba e ame!


Psst!

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

A visita às livrarias de Bradbury

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Snobidando: Gonçalo Viana ilustra poema de Torga

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente...
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
 
 
Miguel Torga, in 'Diário XII'
Ilustração Gonçalo Viana
 
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Snobidando: Cláudia R. Sampaio

|ORAÇÃO|
em A PRIMEIRA URINA DA MANHÃ
Cláudia R. Sampaio
Douda Correria...
2015


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Bai'má Benda: RALI

RALI

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Foto frase do dia: Neruda

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Estantes de sonho: o gato

Lá do alto observo o novo mundo...
 
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Uma questão de confiança

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Rua do Alecrim, Matilde Campilho


Matilde Campilho, em Jóquei – edição Tinta-da-China.

Foto frase do dia: Hitchcock

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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Bateu-me ontem à porta o meu filho

 Há mais de um ano que não o via, nem meia dúzia de telefonemas desde então. Deixou o cabelo crescer demasiado, cobre-lhe agora os olhos e as orelhas. A barba por fazer, um mau aspeto tristíssimo, toda a pele parecendo a de um mendigo. Vinha triste, cansado, o corpo a ocupar-me toda a largura da porta. Na mão direita uma mala, outra a rasto pelo braço esquerdo, as costas a aguentarem uma espécie de mochila pesada o demais para o obrigar a andar meio curvado. Notei-lhe lágrimas a quererem despontar face abaixo, bem forte se aguentou, todos os músculos em contração a fim de evitarem esse tormento. Nisto surgiram-lhe das costas uma mulher e dois miúdos. Era a mulher a minha nora, dele esposa, eram os miúdos os meus netos, deles filhos. Tristes vinham, mais ainda que o pai, a mãe a disfarçar a tristeza com um género de lenço cobrindo a cara, os filhos com o olhar fechado nos mosaicos da entrada. Não correram os miúdos a fim de abraços, cada um deles com metade do corpo escondido na figura da mãe

Mãe fui despedido e o banco ficou-nos com a casa, não temos para onde ir, há uma semana que dormimos na rua, não temos dinheiro

A mulher com a cara completamente coberta pelo lenço, os cabelos numa vergonha, já não loiros, já não fortes, os ossos a carregarem excessiva saliência pelo tronco fora. Os dedos a tremerem, voltou a esconder-se nos costados do meu filho, o meu filho a aguentar tudo

Podemos ficar aqui mãe, prometo que por pouco tempo, vou arranjar trabalho, prometo mãe

E neste ponto eu a pensar como me havia de governar a partir de então. Vivo com a pensão miserável do meu falecido marido, uma ninharia que para nada dá, ai cala-te boca, que o tenha o céu que fora esse dinheiro nenhum tenho. Ainda assim apenas quarenta contos sendo que vinte deles ficam para a renda e outros dez para a água e gás, luz não existe neste sítio, sobram-me outros dez para as comidas, mal uma pessoa com isso se alimenta, quanto mais cinco. Ainda assim eu

Oh meu rico filho claro que podem ficar, entrem entrem, ponham aí as coisas

Eles a entrarem e eu novamente a pensar. Tenho um quarto pequeníssimo com uma cama pequeníssima e uma cómoda encostada à parede e um tapete minúsculo estendido aos pés da cama, só se ficarem os miúdos no chão da sala e eles os dois no corredor de entrada, espera que não dá o corredor para os dois e a sala espaço para três não tem. Ai Senhor ajude-me que não sei como vamos fazer isto

Bem sabia que não havia espaço para todos, arrumaram-se primeiro os dois miúdos na sala, estendi-lhes um colchão velhíssimo e coberto por uma camada de sujidade e um lençol cheio de buracos que antes o meu, tentaram depois o meu filho e a mulher aconchegarem-se no corredor de entrada, não houve espaço, mal um se ajeitava quanto mais dois. Lá ficou a minha nora, dormiu no chão, tapou-se com o tapete que descansava aos pés da cama, faltava espaço para o meu filho. Disse-me ele que não me incomodasse que já estavam a mulher e os miúdos arrumados, ele havia de se arranjar

Eu arranjo-me mãe, nem que seja à porta do prédio

Nem pensar, filho meu não dorme sem teto

De maneiras que quarenta e um anos passados voltou o meu filho a dormir junto comigo, nós os dois na mesma cama, quarenta anos se passaram e o passado revivido, quarenta anos e quase tudo igual

Gonçalo Naves



Foto tirada daqui: http://www.crato.org/chapadadoararipe/2011/05/04/plano-de-dilma-para-erradicar-pobreza-tem-16-milhoes-de-brasileiros-como-alvo/

a-ver-livros: forma do verbo traçar

Tracei as pernas para apoiar
o peso 
das palavras que o meu corpo
queria dizer
e calou

cegas de desejo
surdas ao apelo alarve 
e primitivo 
das telúricas correntes do fundo
de mim

pedras que afundam 
o consumado defunto
antes que cheire mal

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor Darren Thompson
siga o link darrenthompsonfineart.blogspot.pt


Rugove, Matilde Campilho


Matilde Campilho, em Jóquei – edição Tinta-da-China.

terça-feira, 26 de maio de 2015

casa


os nossos braços projectam-se
uns pelos outros
como se quisessem ser
árvores a tocarem o céu pela água
na profundidade das raízes
o sustento da casa
verás o silêncio
emergir e falar a língua
que apenas os olhos entenderão
saberás a amplitude
do amor na mão aberta
sobre o parapeito e tudo o mais
será o rútilo fôlego
que ampara o tecto.

Helder Magalhães


Adriano Sodré Photography

É do borogodó: croninquieta de São Jorge

Sentada na praça, aquela que eu nunca vi, mas que, por alguns momentos, se tornou íntima vizinhança daqueles meus dias de trabalho. Desatamos a falar da emoção das pessoas com o teatro que ocupava a praça. Aquela mistura de dança, cantiga, ritual pagão no santo sacrilégio de dizer o nome de Nossa Senhora para saudar mãe da rua. E a rua se fosse o berço do próprio Cristo. Cristinhos as crianças que acompanhavam a retumbada de panos brancos e as fitas vermelhas da bandeira no teatro de rua.

Foi por causa disso tudo, também das folhas de planta, as espadas de São Jorge, que a mulher me disse:
– Reparou nas mães dizendo aos filhos que a espadinha veio em boa hora?
– Reparei não. O que foi? – Eu repliquei.
– No interior, espada de São Jorge serve pra dar lambada em moleque arteiro –  Ela fez explicação.
Depois me disse que ela tinha levado muito de espadada por causa das tantas que aprontava.  Era a avó quem criava a menina, a mesma avó que empunhava a folha de planta que também era espada nas fuças daquela criança dragão.


Um dia a menina fez bolo de caca, juntou terra com xixi e outras porqueiras, para botar numa tigelinha equilibrada por cima da porta de uma vizinha com cara feia. O resultado foi trágico para os cabelos e as vestes da vizinha. A melhor tragédia para fazer comédia da molecada toda que espreitava, esperando o ato principal daquele espetáculo.

A avó entrou no final, epílogo de teatro de rua para a diretora da cena. Veio com espada e tudo, dando aos olhos da vizinha a certeza que a criação corrigia a neta.

– Sabe de uma coisa – disse pra mim com olhos marejados – quando minha avó adoeceu pra morrer, cansei de ficar ao pé dela dizendo ‘fica boa logo, vem correr atrás de mim com espada de São Jorge’.
A avó foi pra lua contar história para Jorge. Eu chorei bonitinha antes mesmo de descer as cortinas.
Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar com pedras de brilhante e deixava crescer espadinhas de São Jorge para os ladinos brincarem com seus cavalos de pau no meio da praça, sem dor.

Penélope Martins

Silêncio

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domingo, 24 de maio de 2015

Eu poético: «Os dias tristes»

OS DIAS TRISTES

subo rua acima pensando na solidão
que vou encontrar em casa.
o mundo à minha volta não é mais do que um aglomerado
de pessoas tristes disfarçadas de sorrisos circunstanciais.
como é louca a nossa condição,
como é estranha a nossa aversão aos pensamentos lunáticos,
como somos indefesos sem a nossa mãe.
por isso transmitimos o que nos vai na alma,
o cansaço dos dias mal resolvidos,
a luta por sobreviver, mesmo não tendo presas para caçar.
ai como é fácil sermos superiores ao próximo.
ai como é simples julgar os outros
(eles só podem ser mais infelizes que nós).
eles não têm dinheiro,
não têm alguém que os espere,
eles não sabem o que é um beijo.
eles.
somos ridículos  ---  palhaços tristes de circo
somos mesquinhos  ---  lixo à espera de ser recolhido
somos carentes  ---  crianças de colo
e mesmo assim singulares almas
talhadas pelo medo dos fogos do inferno
(local que existe apenas no imaginário).

chegado ao fim escondo a cara
para que não me vejam chorar.

Rodrigo Ferrão

Foto: Ana Christelo

Julieta Monginho com novo livro


Uma história que se divide em quatro partes – "5 de Dezembro de 1980", "As Casas da Justiça", "Os Ascendentes" e "Os Descendentes" – começa no dia em que a televisão passava imagens de Camarate, quando Francisco, que se tornará Franz, oferece a Carminho "O Processo", de Kafka, uma obra que a levará a lugares tão distintos. O novo romance da autora vem acentuar as suas principais caraterísticas: a escrita singular, o modo único como constrói o enredo e a presença de um ou de mais narradores que detêm o fio condutor.

evento no fb: https://www.facebook.com/events/1396797873980214/

Mas afinal porque é que lemos?

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