sábado, 13 de dezembro de 2014

O kamasutra da leitura


Foto frase do dia: Drummond de Andrade


Helder Magalhães hoje na Snob, Guimarães

".está; estás; esteja; demora; demoras; demore... fica; ficas; fique. [dista]"

A poesia sempre esteve.

Com a apresentação da Clara Amorim, leituras do Daniel De Macedo Pinto e do Nuno Pacheco, do
Grémio Vimaranense (e de quem mais se quiser aventurar), e performance musical do João Filipe, estará "dista um palmo, a amplitude do peso que suportas" de Helder Magalhães, na Livraria e Cafetaria Snob, no próximo Sábado, dia 13 de Dezembro, a partir das 21h30.

E como gostava que todos estivessem!


*Helder Magalhães

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho. Na foto, Hélder Magalhães
 
É hoje, na Snob - Guimarães - a apresentação do livro "dista um palmo, a amplitude do peso que suportas".
 
 
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Ler dá-nos...

Encontrado no Pinterest.

A Lenda de Nogard - Capítulo 2 – Um Espião Em Meio À Grama

Capítulo 2 – Um Espião Em Meio À Grama

- O que, em nome das Nove Ilhas, vocês estão fazendo aqui? – perguntou Merlon, despejando sua cerveja no chão da clareira.

Hi, ele não gosta de desperdiçar cerveja, pensou Nogard que já estava em uma situação delicada. O tom de voz de Merlon não era agressivo, porem era sério e compenetrado, possuía uma voz áspera como se tivesse alguma coisa na garganta, apesar de ser um velho tinha um corpo largo e forte, era forte demais para sua idade e a forma com que arremessou a lança provava que ainda sabia lutar, estava vestido com uma longa capa cinzenta e seus cabelos eram tão brancos e longos quanto sua barba, a idade e o malho faziam com que ele ficasse mais corcunda a cada dia, seu rosto era marcado pelos incontáveis anos que serviu o Rei Arelon como general, e tinha uma longa e vermelha cicatriz no olho direito, desde a sobrancelha até a orelha, que ele mesmo chamava de Decadência de Merlon.
Merlon serviu o Rei Arelon durante anos, e defendeu o reino dos ataques selvagens e desordenados das forças do Falso Rei bravamente, naquele tempo os Dragões faziam a maior parte do trabalho mas os humanos sempre foram necessários pois os dragões se feriam como qualquer animal de Andor e as forças da Longa Sombra do Sul se multiplicavam rapidamente, apesar dos Dragões as batalhas eram sangrentas e muitas vidas foram perdidas ao longo dos anos, soldados que eram valiosos para o até então General Merlon. Antes da Ultima Grande Guerra, Merlon foi chamado pelo Rei em seus aposentos, a conversa durou um longo tempo e ninguém sabe o que eles conversaram, porem ao deixar os aposentos de Arelon, Merlon deixou claro para as tropas que aquela seria sua ultima batalha e que os soldados se preparassem para lutar sem a ajuda dos céus. Quando chegou o momento, aquilo que Merlon disse de fato aconteceu, os Dragões debandaram, os homens lutaram e sangraram como nunca antes e as terras de Andor beberam do sangue de seus defensores, as forças do Falso Rei emergiram da Floresta Escura tão numerosas quanto nunca, e para a surpresa dos homens vinham organizadas. Em formações de batalha complexas, paredes de escudos e linhas de Wargs montados pelos terríveis Bulks, eles vieram, e naquele outono foi visto pela primeira vez o mal em pessoa, carne, ossos e sombras, o Falso Rei. O Falso Rei comandava a infantaria do Sul cavalgando no maior Warg que os homens já viram, possuía a altura de três homens, usava uma mascara de ferro negro e de seus olhos fluíam sombras, seu corpo estava coberto por uma cota de malha de onde saiam sombras e vapores negros por seus elos, e nas mãos trazia um machado tão sujo e fétido que enojava e atordoava os homens mais rudes do exército. Por fim deu-se a guerra. A maior e mais demorada guerra de que se tem documentos, mais de cinco mil homens pereceram ao longo de dois anos, e a coisa que mais os matava era o Dragão do Falso Rei, o Grande Dragão Negro, Vergonha da Família Quebrador de Juras, Aquele que Restou, Lutheraxes, antigo defensor da cidade-sede de Angur.

- Queríamos trein... – começou Nogard, mas Arwen o interrompeu.
- Fui eu senhor Merlon. – a garota deu um passo a frente e ajoelhou-se.
Merlon olhou-os durante um momento, uma de suas sobrancelhas estava desconfiadamente erguida, coçou a barba, olhou as unhas e enfim falou.
- Levante-se garota, nunca se ajoelhe perante nenhum homem do reino.
- Nem perante o Rei? – perguntou Arwen para o desespero de Nogard.
Merlon foi de encontro à arvore onde a lança ainda vibrava.
- Nunca se ajoelhe perante nenhum homem do reino. Seu rei é uma lesma, você ajoelha para as lesmas quando vê uma nas plantas garota? – perguntou o homenzarrão.
- Não, e não sou mais uma garota.
- Hahaha, e o que é agora?
- Sou uma escudeira.
- Uma escudeira. Oh, sim como não vi antes, será que é culpa sua Decadência – perguntou Merlon para a cicatriz.

Não era raro Merlon falar com sua cicatriz, e isso deixava Nogard constrangido e inquieto, pobre Merlon, esta ficando muito velhinho.
- Tirou minha honra, minha chance e agora quer tirar minha maldita visão?
- Perdoe-me senhor eu não queria...
- Não estou falando com você garota. Mas já que falou, gostaria de me explicar como pretende ser uma escudeira, já que os escudeiros não só ajudam os cavaleiros mas também lutam contra os do Sul, sabendo-se é claro que é proibido as mulheres lutarem no território de Andor? – perguntou Merlon, e ao ver que as lanças que estavam no chão se tratavam das lanças de Lord Grum soutou uma blasfêmia tão proibida que Nogard sequer conhecia, até agora.
- Não sei. – respondeu Arwen de cabeça baixa, não sabia mais o que dizer, o medo a tomava.
Merlon olhou para Nogard que estava paralisado ao lado da grande pedra, e aproximou-se.
- Isso é seu? – perguntou Merlon estendendo um colar com um dragão entalhado em um pequeno pedaço de madeira.
Nogard tocou o pescoço de imediato e só então descobriu que tinha perdido em frente a taverna.
- É sim senhor. – disse Nogard pegando o colar.

Merlon deu uma fungadela e sorriu.
- Qualquer garoto na sua idade estaria chorando agora, mas não você – o velho olhou de relance para Arwen -, e nem você, conheci muitos garotos especiais Nogard, e já fui roubado antes – este comentário fez com que Nogard corasse -, mas nunca alguém como você e seu pai.
Nogard levantou a cabeça e em seus olhos brilhava uma curiosidade infantil.
- Meu pai?
- Sim, seu pai, seu pai era um guerreiro sem igual Nogard, e duelou ao meu lado quando entrei em embate com o Falso Rei em pessoa, bom, o resto é sabido eu ganhei minha Decadência e seu pai... seu pai esta nos Campos da Luz. Perderíamos aquela batalha, mas o Grande Lutheraxes estava ferido demais e recuou, sem poder conter nossos exércitos o Falso Rei voltou para o seu sombrio Sul.
Nogard e Arwen ouviam tudo como atenciosos gatinhos esperando uma tigela de leite frio. E para o azar das crianças o velho Merlon percebeu.
- Querem saber como expulsei os Bulks Piratas das Nove ilhas? – perguntou o velho terminando de recolher as lanças pela clareira.
- Sim! – responderam as crianças de imediato.
- Então parem de me roubar seus moleques, Hahaha. – e enxotou as crianças com a ponta da bota, Nogard e Arwen correram para a vila rindo como as crianças riem – E tomem um banho! – gritou o velho.

Porem quando as crianças saíram de vista o sorriso morreu nos lábios de Merlon, apanhou a ultima lança e olhou para os arbustos que moviam-se, algum animal fugia dali abrindo caminho pelo bosque para longe da vila.
- Warg espião – disse Merlon com uma carranca, olhou para o céu e sacudiu a cabeça negativamente -, os dias estão escuros demais, e quando chegar a hora, o que você fará velho Arelon?

*Por Marco Antonio Febrini Júnior

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Eu poético: «Nos corredores»

Nos corredores

nos corredores dos hospitais
não há  doença,
morte,
dias contados,
despedidas.

nos corredores.
nos corredores.

nos corredores dos hospitais
não há  abandonados,
crianças entregues à sorte,
velhos que escondem as lágrimas,
médicos que gerem verdades e meias-verdades.

nos corredores.
nos corredores.

nos corredores dos hospitais
não há  silêncios,
escuridão,
frio
e cada um por si.

nos corredores.

nos corredores também há coragem,
saudade,
sorrisos,
solidariedade,
boas notícias,
amor,
vida.

nos corredores também há aniversários,
natais,
verões,
passagens de ano,
nasceres
e renasceres.

nos corredores.
nos corredores...

aprendemos o quanto amamos,
e que falta nos faz
~~~
~~
~
quem

está.

nos corredores?
nos corredores há esperança.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

Foto frase do dia: Alberto Caeiro

A Flanzine à lupa, no Expresso

Azul desafiou Olival: vamos criar uma revista para salvar as baleias
"Mala", "Medo", "Boca", "Carrossel" e "Cama". Eis os temas que a Flanzine já contou. O número mais recente traz "Fome" e já anda a correr Portugal, incluindo a prisão onde José Sócrates está detido, em Évora. "Temos coisas para dizer, mesmo que possam ser deslumbrantemente inúteis."

Expresso |8:30 Sexta feira, 12 de dezembro de 2014
João Pedro Azul com o pequeno milagre em mãos (ele explicará porquê no texto): a Flanzine, que tem Fome no sexto número / FOTO JOSÉ CARLOS MARQUES / CMPV

Esta sexta-feira, 12 de novembro, é dia de Flanzine. Segue a explicação: esta sexta-feira, 12 de novembro, é dia de lançamento da Flanzine, no bar-restaurante Primeiro Andar, Lisboa. Segue mais uma explicação: esta sexta-feira, 12 de novembro, é dia de lançamento do sexto número da Flanzine, a revista de Luís Olival e João Pedro Azul, dois tipos de 42 anos que se conheceram no Facebook - nos comentários de um amigo em comum, sejamos específicos.

Começaram ali mesmo, na rede social, nesse ano de 2013 (mês de maio). Azul (é ele quem vamos citar neste texto) conta que em 2009 fizera uma pós-graduação em gestão de atividades artísticas, culturais e educativas, com uma tese sobre o papel das redes sociais na produção e promoção cultural, nomeadamente o Facebook. Ficou, desde essa altura, convencido do "potencial criativo da rede", que no seu caso (ou no da sua página) foi aumentando. Mais "likes", mais "amigos", um "feed" pontuado por nomes ligados à cultura e às artes.

A proximidade com artistas como que o levou em braços para chegar a várias conclusões, entre elas esta: a de que afinal "havia muito desperdício de material interessante na rede", votado ao "esquecimento", "à efemeridade". Publica-se agora, bate durante uma horas e depois passa, já passou, foi-se. Para combater isso ("ousar resistir, ousar sempre", há de dizer), Azul desafiou Olival: vamos criar uma revista - assim, mais ou menos com estas palavras. Vamos criar uma revista para "salvar as baleias", que é como quem diz os "posts" do Facebook, e nessa revista-embarcação - "embarcação sim, que o naufrágio era e é iminente" - vamos levar os nossos amigos virtuais que também escrevem, desenham e fotografam. Assim, mais ou menos com estas palavras. Os amigos aceitaram, esses "loucos" ("tão loucos quanto nós"), entre eles Filipa Campos, responsável pelo design "retro" da revista, e assim nasceu a Flanzine.

Gin em casa e seis no sofáFOTO JOSÉ CARLOS MARQUES / CMPV

O papel veio mais tarde, assim num movimento atípico, ou "inverso", como lhe chama Azul. E é pelo papel que, de resto, cá estamos. "Fome" é o número mais recente da Flanzine, o sexto. Antes publicaram "Mala", "Medo", "Boca", "Carrossel" e "Cama", temas que escolheram alternadamente até "Carrossel". "Cama foi escolhido numa noite de gin em casa de um dos nossos autores, numa noite em que éramos seis num sofá", conta Azul. E o último, "Fome", foi escolhido por votação pelos 27 autores (escolhidos a dedo por outros autores "habituais") que participam nesta edição: Bruno Vieira Amaral (vencedor este ano do Prémio Literário Fernando Namora e do Prémio PEN Narrativa), António Jorge Gonçalves, Cláudia Lucas Chéu, Emanuel Amorim, Gonçalo Mira, Luís Manuel Gaspar, Manuel Jorge Marmelo, Valério Romão, Alex Gozblau (responsável pelo design), Lord Mantraste (que fez a capa), entre outros.

"Recluso José Sócrates Pinto de Sousa. Estabelecimento Prisional de Évora. Rua Horta da Capela, nº 20, 7000-174 Évora." Há dias vimos uma fotografia de um envelope com esta morada no Facebook da revista. Porquê?, perguntamos. "Já tínhamos simulado o envio para o Isaltino Morais, mas agora decidimos ir mais longe, talvez imbuídos do espírito de natal. Além disso, achámos hilariante a cobertura mediática em redor das refeições do recluso Sócrates." Ainda imbuídos do mesmo espírito, mas agora em versão mais séria, ou assim nos parece, Azul explica que a Flanzine é também "um gesto político, de resistência".

"A classe política portuguesa, na sua maioria, despreza a importância da cultura na sustentabilidade de um país, na afirmação da sua identidade e na sua capacidade de transcendência." A mesma classe política que prefere, por outro lado, "promover a produção e a rentabilidade", através de uma "educação enlatada". Nessa perspetiva, eles (Flanzine) são, diz Azul, "um péssimo investimento". Mas noutra, a deles e dos que estão à volta, amigos, autores, leitores, admiradores, a única que importa, eles são "um pequeno milagre": seis números (publicados de três em três meses), 150 autores, Correntes d'Escritas 2014, Feira do Livro do Porto 2014, Correntes d'Escritas 2015 (onde lançam o próximo número, o sétimo, com o tema "Miopia"), uma editora (Flan de Tal, com um livro publicado e um segundo em vista, que deverá sair em fevereiro). E, claro, mais de 3000 seguidores no Facebook.

Esta sexta-feira é dia de lançamento do sexto número da Flanzine, no Primeiro Andar, Lisboa. Começa às 21h30, com a entrada de Azul para a apresentação. Sai Azul e entram Marta Miranda, Carla Bolito e Mónica Lara (atrizes, as duas últimas) para ler excertos da revista. Saem Marta Miranda, Carla Bolito e Mónica Lara e entram Joana Guri, João Pedro Azul e Valério Romão, os DJ que vão animar esta Festa Flan.

Azul despede-se, "obrigada, até sexta", e depois volta, como se tivesse esquecido alguma coisa em casa: "Fazemos a Flanzine porque sim, porque queremos. Temos coisas para dizer, mesmo que possam ser deslumbrantemente inúteis".

Esta notícia é cópia integral do Expresso, ler aqui: http://expresso.sapo.pt/azul-desafiou-olival-vamos-criar-uma-revista-para-salvar-as-baleias=f901960#ixzz3LgYsQeDG

Poesia em matéria fria: Manoel de Barros

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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Gonçalo Viana de Sousa - o Flâneur das Sensações



Como o nosso homem ainda anda por terras croatas, deixo-vos um poema de cariz revolucionário, fruto dos primeiros tempos e incursões literárias do nosso flâneur.
Datado de Julho de 68, percebe-se o porquê do tema tão agitado, havendo como que uma tentativa de criar um poema sobre formas de fazer poema.
Liberdade, eis tudo!, diria Gonçalo.

LIBERDADE



Hás-de chegar vestida de branco,
De um branco que é de todas as cores do mundo,
De um branco que existe somente para aqueles que acreditam
Que a Justiça também virá de mãos dadas contigo,
Oh Madona das grandes causas universais!

Hás-de trazer sementes de novos tempos
Para os pobres e desvalidos,
Pão para quem tem fome, cura para os feridos,
E luz e paz que cessem todos os tormentos.

Hás-de vir triunfal, bela, perfumada,
Com um sorriso que sossegue as fúrias capitais
De sistemas países corrompidos pela miséria
de uma hipocrisia bafienta e de esmola!

O teu nome será Liberdade.
Serás uma Valquíria luminosa, imponente.
Serás Pura para todo o sempre,
Vestida de branco e de Verdade!





Paris, 14 de Julho de 1968.

Readers save the world! - a campanha

“Os portugueses são um povo completamente mal-educado” - o livro polémico?

Entrevista de Ana Cristina Marques
Fotografia de Carla Rosado
Entrevista do Observador

O que é que os portugueses têm na cabeça? Quem faz a pergunta é a jornalista e escritora Marisa Moura. As respostas são, no mínimo, intrigantes e vão desde "inveja" e "fatalidade" a chico-espertismo".


Marisa Moura publicou o seu primeiro livro em 2007 e foi editora na revista Exame

Inveja. Brandura. Chico-espertismo. País de doutores e engenheiros e de pessoas mal-educadas. O retrato do povo português é feito pela jornalista e escritora Marisa Moura na sua obra mais recente, “O que é que os portugueses têm na cabeça” (Esfera dos Livros). Ao longo de quase 400 páginas, a autora analisa estatísticas, comportamentos, textos de pensadores e fala com especialistas para perceber como se vive em Portugal. O prognóstico não é o mais otimista, mas a intenção é boa. “Escrevi isto com espírito de missão. Fi-lo para servir as pessoas”, conta ao Observador.
Marisa Moura, que acumulou experiência profissional em publicações como Diário de Notícias, The New York Times, Meios & Publicidade e Exame, levou três anos num projeto que ambiciona perceber por que razão somos “mal-educados em todos os sentidos do que é a educação”, tanto académica como moral, porque parecemos “doidinhos”, não sabemos reclamar, e — tendencialmente falando — somos brandos.
“Procurei respostas para perceber o que realmente temos nestas nossas cabeças. Por que entrou em decadência o grandioso Portugal das Descobertas? Por que somos hoje dos povos mais infelizes e pobres da Europa? “. A culpa, diz em entrevista, é dos romanos e da Igreja Católica, que tanto nos infantiliza como nos desresponsabiliza. “O simples facto de os crentes acharem que há um “pai” que cria tudo e que já está tudo decidido… Se há alguém que decida por nós, por que é que havemos de fazer seja o que for?”.

O que é que tinha na cabeça para escrever este livro?
Um sentido de urgência enorme. Desde que me lembro de existir que acho inacreditável as coisas que vejo no dia a dia, os narcisismos. Antes de saber que a palavra “narcisista” existia já a sentia na pele. Exemplos flagrantes são os atendimentos nos serviços públicos. As pessoas têm mesmo de pensar no que andam cá a fazer — esse é o grande objetivo do livro, que as pessoas percebam que são uma pequena gota no oceano.
Considero a expressão “o exemplo tem de vir de cima” uma expressão assassina. Se és um ser humano, o que está acima? Porque é que nos havemos colocar automaticamente abaixo dos outros? Há uma cultura de desigualdade social tão enraizada que não nos apercebemos o quanto somos influenciados por ela no nosso dia a dia. A cultura do “sr. engenheiro” é, também, uma expressão dessa desigualdade e o que a perpetua é, sobretudo, o conforto que lhe está inerente: se tu não és superior, então não tens responsabilidades.
O livro tanto corre o risco de ser ofensivo como de despertar as pessoas para algumas ideias. Qual o feedback que está à espera de receber?
Eu não tenho grandes expetativas. O que estou a fazer neste livro faço-o no dia a dia, há 38 anos. Quem sabe mais ou menos o que anda cá a fazer pode não encontrar no livro grandes insights; quem realmente deveria retirar alguma coisa daqui são, por norma, pessoas que não são muito recetivas a olharem-se ao espelho e que até respondem com alguma agressividade, em vez de pensarem “se calhar também sou assim”. Eu falo de nós, também sou portuguesa.
Como é que descreve o povo português?
O povo português tem tantas características díspares que não podem ser descritas numa frase. A única coisa que posso dizer e que vejo — é um facto — é que é um povo completamente mal-educado em todos os sentidos do que é a educação, tanto académica como moral. Nem todos os países foram resgatados três vezes em quarenta anitos. Na geração dos meus pais (pessoas com 65 anos) éramos os últimos — atrás da Turquia e do México — na lista dos países desenvolvidos da OCDE, em termos de pessoas com o ensino secundário completo. Não é normal. Não o podemos aceitar. Devíamos estar completamente em pânico, chocados.
“É verdade que Salazar pôs em prática uma série de técnicas para nos amansar, mas essas técnicas têm sementes seculares, já dos tempos dos romanos, antes de Cristo. Foram séculos e séculos de operações em várias frentes, todas a culminar na matança do espírito crítico. (…) Consta que, do cruzamento dos celtas com os nativos, nasceram os nobres e fortes lusitanos. Entretanto chegam os romanos (…) com estradas, técnicas agrícolas, língua e numeração próprias, leis e uma amoralidade revelada logo à chegada.”
Excerto do livro “O que é que os portugueses têm na cabeça”
Qual a raiz do problema? De quem é a culpa?
É dos romanos. Nunca há certezas de nada, mas eu acho que foi na altura dos romanos que nos começámos a estragar. A maior parte das nossas palavras são romanas, a nossa numeração é romana. Ainda usamos expressões como “agradar a gregos e a troianos”, que vêm desses tempos. As leis foram os romanos que as trouxeram, bem como a [mania] das grandezas. O que fizemos nas descobertas? Uma versão upgrade dos romanos quando colonizaram isto tudo. Foi a mesma atitude.
A igreja Católica [também] deu cabo de nós — não estou a dizer nada que já não se diga há 200 anos. A igreja infantiliza-nos, desresponsabiliza-nos. Só a questão da confissão… há ali um interlocutor com Deus, que está acima de ti. Porque não meditar diretamente com Deus se acredito nele? O simples facto de os crentes acharem que há um “pai” que cria tudo e que já está tudo decidido… Se há alguém que decida por nós, porque é que havemos de fazer seja o que for? Aliás, a Igreja penaliza esse sentimento da ação; tu não és ninguém para desdizer Deus. E nós não tememos Deus, nós tememos perder [o amor de] Deus.
Abre o livro a dizer que parecemos uns “doidinhos”. Porquê?
Quando pedes um café cheio e trazem-te um curto ou quando pedes um prego bem passado e trazem-no em sangue… só nesse tipo de coisas já parecemos “doidinhos”. Falemos do caso dos PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento). O então ministro das Finanças apresentou o PEC I, depois o II. Mas quando o Teixeira dos Santos apresentou o III [o IV caiu], fiquei perplexa com a reação dos jornalistas… as palavras que se usaram, é como se [o Governo] não tivesse feito o primeiro. Parecemos uns peixinhos de aquário. Lê-se notícias nos jornais sem contextualização. Vivemos de insights avulsos sem qualquer ligação. A sério, parecemos “doidinhos”. Um bom espelho dessa expressão é a imprensa portuguesa. Como agora está na moda sermos curiosos, agora a manada explica.
Isto também está relacionado com o sono, algo que em 2004 foi declarado um problema de saúde pública pela Deco. Deitamo-nos tarde e maltratamos o sono. Está comprovadíssimo que dormir mal diminui a noção do bem e do mal, isto é, a ética. Uma pessoa mal dormida é uma pessoa com menos ética. Ficamos mais intolerantes. Mas quando eu falo disso, as pessoas acham mais ou menos normal.
“‘Ó cão! O que é que estás a ladrar, meu ‘ganda’ cão? Enfio-te dois borrachos nesse focinho…’ (…) Explosões como estas acontecem todos os dias por estas estradas fora, mas são das poucas situações em que um tuga ousa afirmar-se. No refúgio do popó sabe bem praguejar e fugir. Não somos pessoas de preparar grandes cocktails molotov como os gregos, mas ao volante gostamos de misturar uma certa dose de testosterona e intolerância e atropelar o mais elementar bom senso cívico”.
Excerto do livro “O que é que os portugueses têm na cabeça”
“Reclamar não é connosco”, lê-se. Porquê?
Não sabemos reclamar como deve de ser, não temos método para tal. Não nos preocupamos em ser eficientes no geral, tanto que há aquela coisa “para inglês ver”. Isso aplica-se a tudo, inclusivamente na reclamação. Uma pessoa para reclamar tem de mostrar factos, o que está mal e qual a solução possível. Não é começar a dizer mal nas costas.
É uma questão de confronto? Isto é, não gostamos de confrontar as pessoas?
Exatamente. A pescadinha de rabo na boca é tal que obviamente está tudo ligado. Lá vem a Igreja Católica outra vez. Vais afrontar Deus? Vais afrontar o “dono disto tudo”, o DDT? O José Gomes Ferreira, jornalista da SIC, escreveu agora um livro fantástico — Carta a Um Bom Português – que é um manual de como reclamar. Nós temos de reclamar, não é isto de ir para a rua dizer que está tudo mal. Isso não é reclamar coisíssima nenhuma, temos de reclamar coisas concretas. Nós fomos todos para a rua no 15 de setembro e a TSU caiu porque era uma coisa concreta [grande manifestação de setembro de 2012, que acabou por fazer cair o anunciado aumento da taxa social única (TSU)]. As pessoas percebiam que havia uma lei em especial que as estava a indignar e queriam que aquilo não acontecesse. E não aconteceu. Raramente se percebe a real causa das greves.
Se não reclamamos, também não opinamos?
Lá vamos nós à Igreja Católica… Temos medo do que as pessoas pensam de nós. Para o que nos dá jeito somos inferiores, para o contrário é um ‘quem és tu para me dizer alguma coisa?’. Ilustra muito bem os portugueses. Desde que não nos obriguem a olhar muito para nós próprios…
“Em Portugal, os trabalhadores são brandos, os consumidores são brandos, a esquerda radical é branda, os jornalistas são brandos. É tudo brando. O país das branduras.”
Excerto do livro “O que é que os portugueses têm na cabeça”
Somos brandos?
Não sei.
Citando-a, este “é o país das branduras”.É assim que é conhecido. Tão depressa somos catalogados como os mais “resignados” do momento [reportagem do The New York Times, a propósito da crise financeira nos países afetados pela austeridade — Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal –, na qual lê-se “Talvez em mais lugar nenhum, as pessoas estejam tão resignadas como em Portugal”], como os espanhóis Los Indignados afirmam ter nascido do protesto realizado a 12 de março pela [portuguesa] Geração à Rasca. A própria pessoa que funda o movimento deu uma entrevista a dizer que olharam para Portugal e que ficaram com vergonha por não estarem a fazer a mesma coisa. É por isso que não consigo dizer se sim ou se não. Tendencialmente somos vistos (e vemo-nos) como sendo pacíficos e brandos. Mas o conceito de brando é muita coisa — estamos a falar das reclamações em entidades públicas, da intolerância face aos imigrantes… É difícil de dar uma resposta. A brandura é, pelo menos neste livro, um chapéu para várias coisas. Eu tento ver se somos brandos no sentido de “pacíficos” e “acolhedores” ou se somos brandos por aquilo a que se chama de “banana”.
Escreve também que tendemos a negar a realidade…
Ninguém gosta de não gostar de si próprio. Segundo psicólogos, o que nós fazemos na vida é construir uma história que nos agrada. Como os portugueses são seres humanos, passamos a vida a criar histórias que nos agradam. E como a realidade não tem grandes razões para nos agradar — as bancarrotas, as desigualdades… — dá-nos jeito negar que tenhamos, cada um de nós, responsabilidades sobre o estado do país. Dá-nos jeito negar as nossas responsabilidades.
Parece que o português quer muito ser aceite socialmente. Porquê?
Porque somos muito mal-educados, nos dois sentidos. A inveja resulta disto também. Preferimos não arriscar quando estamos com medo, então nunca chegamos a testar-nos muito bem, a conhecer aquilo que somos capazes de fazer. Se tu tiveres uma autoestima muito baixa — e a esmagadora maioria tem –, qualquer grão de areia nessa tua insegurança derruba-te e tu tentas sobreviver.
Acha que o livro espelha o que é ser-se português?
Sim, acho.
*Este post é cópia integral de entrevista feita pelo  Observador: http://observador.pt/2014/12/10/os-portugueses-sao-um-povo-completamente-mal-educado/

Foto frase do dia: António Barahona


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

É do borogodó: Convivo muito bem com os cães da rua


Convivo muito bem com os cães da rua.
Me apraz o velho e o bom modo de vida
que os faz, sem ter do que cuidar na vida,
medir distâncias de uma a outra rua.

Comparto com os cães o ar da rua.
Se um deles me dirige um riso cardo,
como quem dissesse “E aí, Ricardo?”,
respondo-lhe: “Olá, irmão!” E a rua,

que até há pouco erá só mais uma rua
por onde vadiavam um cão e um bardo
(cada um caçando, do seu jeito, a vida),

me obriga a distinguir, nela, o que é a vida
real do que será, quem sabe, um tardo
sinal do quão são irreais o cão e a rua.

- Ricardo Aleixo -

* este poema está inserido na obra Modelos Vivos, livro selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural, Crisálida Editora. E escolhido pela Penélope Martins para esta rubrica.

** a fotografia é de Bruno, fotógrafo de Bruxelas, que publica seus cliques em: monnikonetmoi.skynetblogs.be

A Língua Morta de - J.M.G. Le Clézio

Índio Branco, Fenda

O «Pretérito Perfeito» foi Snob numa fria noite

Vídeo: Clara Amorim

Noite fria na cidade de Guimarães, aquecida pela presença de muitos amigos na apresentação do livro de Raquel Serejo Martins. O «Pretérito Perfeito» começou à mesa de um restaurante onde se mataram saudades e se pagaram abraços. Depois a comitiva foi até à livraria Snob e foi surpreendida por mais amigos. Estavam lá a Ana Christelo, o Hélder Magalhães, os queridíssimos sócios da livraria e mais e mais! Todos aguardavam o grande grupo do jantar e a Clara Amorim - que tinha aparecido no restaurante para um café (que afinal foi transferido para a livraria). 

A noite contou com a apresentação exemplar da Suzana Costa e alguns trechos do livro lidos por mim. Um momento que fez esquecer bem o frio lá de fora... Noite de abraços à Clara e à Ana, muitas prendas trocadas e boa disposição! A Clara ainda levou um pão-de-ló fantástico que sumiu num instante - como atesta a foto.

No fim ainda houve tempo para os necessários autógrafos e muitos aproveitaram para fazer mais umas compras. É impossível ir à Snob e não trazer de lá nada...

Rodrigo Ferrão

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho. Na foto, Suzana Costa, Raquel Serejo Martins e Rodrigo Ferrão

Foto: Ana Christelo. Na foto, Hélder Magalhães, Rodrigo Ferrão, Eduardo Fernandes, Emília Araújo e Clara Amorim

 Foto: Ana Christelo. Na foto, Suzana Costa, Raquel Serejo Martins, Rodrigo Ferrão e Duarte Pereira

 Foto: Ana Christelo. Na foto, Rodrigo Ferrão e Duarte Pereira

 Foto: Clara Amorim. Na foto, Suzana Costa, Raquel Serejo Martins e Rodrigo Ferrão

 Foto: Clara Amorim

 Foto: Clara Amorim. Na foto, Raquel Serejo Martins e Rodrigo Ferrão

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho. Na foto, Hélder Magalhães

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho. Na foto, Clara Amorim

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho

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Foto frase do dia: Samuel Beckett

domingo, 7 de dezembro de 2014

Foto frase do dia: Guimarães Rosa

E foi assim a apresentação do livro de Ana Gil Campos, «A Segunda Pele da Acácia Mimosa»

Para contar esta noite, nada melhor de que fotografias. A festa foi grande, como podem ver. Foi uma agradável surpresa e uma óptima conversa em torno do romance «A segunda pele da Acácia Mimosa», de Ana Gil Campos. Uma sessão que contou com a ajuda de Rodrigo Ferrão (Clube de Leitores) e Marta Pinho Vieira (que leu maravilhosamente dois trechos do livro).
 
Deixo aqui os agradecimentos da autora:
 
"Apresentação do romance A Segunda Pele da Acácia Mimosa na Biblioteca Municipal Doutor José Vieira de Carvalho - Maia, no dia 5 de Dezembro de 2014. Foi uma noite maravilhosa passada em conversa com o Rodrigo Ferrão, com as leituras da Marta Pinho Vieira e com a companhia quente de todas as pessoas que lá se encontraram numa noite tão fria. Muito obrigada a todos mais uma vez."
 
Todas as fotos são de Sara Gil.