sábado, 2 de julho de 2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Destino, Acaso ou Coincidência - Murakami


'Podemos muito bem, se for esse o nosso desejo, vaguear sem destino pelo vasto mundo do acaso. Que é como quem diz, sem raízes, exactamente da mesma maneira que a semente alada de certas plantas esvoaça ao sabor da brisa primaveril.
E, contudo, não faltará ao mesmo tempo quem negue a existência daquilo a que se convencionou chamar o destino. O que está feito, feito está, o que tem se ser tem muita força e por aí fora. Por outras palavras, quer queiramos quer não, a nossa existência resume-se a uma sucessão de instantes passageiros aprisionados entre o «tudo» que ficou para trás e o «nada» que temos pela frente. Decididamente, neste mundo não há lugar para as coincidências nem para as probabilidades.
Na verdade, porém, não se pode dizer que entre esses dois pontos de vista exista uma grande diferença. O que se passa - como, de resto, em qualquer confronto de opiniões - é o mesmo que sucede com certos pratos culinários: são conhecidos por nomes diferentes mas, na prática, o resultado não varia.'

in 'Em Busca do Carneiro Selvagem'

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Praça de Londres – o Conto – Lídia Jorge na minha Espada.


O “presumível crime” ou a alegada conduta desviada que preenche os requisitos da Teoria Penal, dos preceitos duros e implacáveis que a Doutrina sustenta. As teias da lei com “ovos e aranhas”. O processo que permite o jogo entre o modus operandi do Ministério Público, num tabuleiro de xadrez entre a acusação e a defesa . A Lei que de interpretação extensiva a excepções dilatórias, de princípios de oportunidade a incidentes processuais, tudo protege e tudo permite, num paradoxo sem linha ténue entre o justo e o injusto. Afinal, é Justiça o que se apela, certo? Crime - um comportamento humano que consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível. A “Acção penalmente relevante” ou todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.



Na Tipificação há crimes contra as pessoas – contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade pessoal. Há crimes contra a honra, contra o Estado, há crimes contra o Património. Na determinação da pena há penas principais e penas acessórias. Os institutos - A reincidência, o concurso de crimes, as penas relativamente indeterminadas. Penas Privativas de Liberdade. De Multa. E Medidas de Segurança. Inimputáveis. Prevenção Geral e Prevenção Especial. Crimes particulares em sentido estrito, crimes públicos. Esta mescla de classificações aqui exposta e não categorizada, elencada mas não explicada, serve apenas a apresentação de termos. Para que se tenha noção da dimensão da linguagem jurídica e se perceba que nada tem de estanque nem de imposto por mão invisível. O comportamento gera necessidade-quadro, defesa… de nós próprios. É preciso mergulhar no fundo das questões, das entranhas, da mente humana. Revoltante? Questionável? Claro. Tanto quanto a Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito. O Dever ser. A máxima Universal do Principio categórico Kantiano. “ Age como se o teu comportamento pudesse ser considerado uma máxima Universal”. Por isso a culpa pressupõe a capacidade para a culpa e a consciência da ilicitude, bem como a ausência de causas de desculpa.

O pensamento inclinado para encontrar o bode expiatório que servisse de causa à conduta que Ela tenta imputar a uma qualquer fatalidade externa, avulta dos seus desejos incontrolados de riqueza, da avidez de poder. A trapaça, o roubo a burla – crime. A reflexão na Praça de Londres, com sabor a Inverno. Ela. O Advogado no papel de quem procura, acima de tudo, a declaração de inocência da sua cliente. Ela. Imbuída em dar “razões emocionais” ao seu contexto, qual acto continuo da condição de ser humano que, no seu dia-a-dia, busca a excepção que justifica a regra, que não constrói, não pondera, não reflecte. Apenas age mais do que actua, remenda mais do que alinhava, rasga sem corte cirúrgico. Em suma, desespera mais do que assume, num juízo de prognose póstuma. Quantas vidas serão precisas para que se sinta e se entenda que a responsabilidade é caminho e meio para a Liberdade? Adiante.

Deambulava Ela pela calçada dos seus crimes, em pré-disposição para a desconstrução, quando os seus olhos procuraram ver algo que diminuísse o impacto da sua conduta. Um homem. Mais velho. Uma criança, ao seu colo. Risos soltos, carícias e beijos. “ A coisa” , “núcleo duro e assombroso”. Homem quase velho beijando a criança e esta eufórica. A descrição continuada, o homem, a criança, a euforia, as carícias. E, de repente, a atenção incomoda-se nesta imagem e a burla e o roubo passam a terceiro plano. Beijos sôfregos. Imagem crua. Uma menina ao colo de um velho. E Ela incomodada. E o leitor a esperar que Lídia Jorge não tenha ido mais longe. Primeiro acto de deturpação. A esta altura não há desejo de enriquecer a frio, burla agravada, manobras processuais para inocentar clientes, que ultrapasse a imagem da pedofilia. E Lídia choca o instinto. E eu desejo mesmo que ela não vá mais longe. Mas foi. Porque a esta altura leitor e personagem confundem-se. E isto é ir muito longe. Todos queremos seguir o homem e a criança, a menina, para perceber o que é “a coisa”. Que cenário. Que imagem dissimulada. Eis que “a coisa” entra num edifício e se dirige ao elevador. Desaparece da retina. Ela, descontrolada, acorda-nos. Aquela curiosidade mórbida não é a nossa, não é a minha. Toca à campainha da porteira e a sua mente evoca cenários possíveis de conversa e justificação. Não, a minha mente, a do leitor, não é a dela. Que alívio. Eu percebo a coerência da personagem, Ela não. A necessidade do bode expiatório por um lado, a constatação da mente perturbada por outro. E Ela deseja que a porteira corrobore o cenário podre. E eu respiro. Porque não há resposta, há efabulação sobre ela. A criança que brinca ao colo do pai, do avô, seja. A pedofilia está na ordem do dia, entre os casos mediáticos e os que se suspeita que existam. É assustador. É assustadora a desconfiança e a perda de naturalidade. Pôr na balança a burla e os crimes sexuais. Tabelar condutas. Volto à Praça de Londres. À tipificação dos crimes, à necessidade de estabelecer a relação de causa efeito entre o que a lei tenta proteger e o que não consegue. À relação entre os agentes desta história. À caracterização Dela. Em primeira instância somos todos pessoas. Vivemos entre o pré-conceito e a verdadeira acepção da palavra liberdade. Cheios de rótulos. A pairar. A não ir fundo nos processos, cheios de mitos urbanos. E com a loucura a morar ao nosso lado. Com a objectividade a fugir todos os dias. A precisar de uma Coluna invisível. Praça de Londres é, no seu todo, o Aquiles da reserva mental, em forma de calçada.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Livro do mês - Praça de Londres - Lídia Jorge


Praça de Londres é um livro inquietante. Cinco contos situados. Diria que situados no recanto do espasmo ”hipofísico”, esse que um Damásio tenta contextualizar na relação de causa efeito entre a manifestação química e o comportamento, ao jeito do que surge primeiro, o que leva o quê a quê.  A frenética busca pela verdade leva-nos muitas vezes a deambular pelos processos e a não mergulhar no seio deles. Ao desembocarmos na Praça de Londres  o desconforto instala-se, de conto em conto, de imagem em imagem, de tom em tom. Contos urbanos sim, com ruas e paisagens reais, com mitos e anseios frios e pragmáticos. Provavelmente, leitor não haverá que não se identifique com cada uma das histórias. Não numa relação de papel químico mas no óbvio dos pensamentos avulso, retidos com mais ou menos intensidade num ou outro momento da vida. Lídia Jorge abriu o flanco e fez-me trata-la “por tu”. “Pôs-se a jeito”, no amanhecer da explosão de imagem e na simbologia do diacronismo que, por norma, é elemento invisível e por isso o mais real e presente.

Praça de Londres e Rue du Rhône são os dois primeiros contos do livro e aqueles que vamos abraçar em cinco dias. Peço-vos que abandonem a crítica literária pura e que questionem, que dêem de vós a voz trémula do desconforto, o grito de uma explosão de desagrado ou a leve conclusão do amorfismo. Ou simplesmente um sorriso. Sem regra possível para já, deixo-vos a pergunta: Onde é que a Rue do Rhône desemboca na Praça de Londres? O que une o espaço às histórias? Onde é que a mente tropeça no antagonismo das personagens? O que está errado aqui? Errado de tão nítido nas nossas viagens profundas? Onde se encontra a linha ténue entre o certo e o errado, a simplicidade e a ingenuidade, o instinto e o dado adquirido? Que face tem?

É esta a  equação que vos proponho, os dois primeiros contos desta obra, em diálogo diário nos próximos cinco dias. Depois daremos à Branca de Neve uma Viagem para Dois terminando com Perfume.  Lancemos a Pedra ao Essencialismo para construir a Dialéctica.

Aguardo-vos.

Ansiosamente,

Constança Barras Romana. (CBR)  

Amor, Amar-te... ainda mais um pouco de Al Berto


o projecto wordsong junta a samples e música de bateria electrónica e baixo e guitarra e teclas, a maravilhosa poemática de Al Berto. numa edição da 101 noites onde se inclui um livro e o disco compacto com 15 canções com a voz brilhante de Pedro d'Orey, que é mentor deste projecto com Alexandre Cortês e Nuno Grácio.

Os Amigos, por Al Berto

'no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume


ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência'

segunda-feira, 27 de junho de 2011

José e Pilar

Vi, no fim de semana passado, o filme 'José e Pilar'. Não sei se deva chamar filme - na clássica acepção, produto de 'ficção'. Na realidade, entramos na vida, na casa, nos pensamentos do escritor e sua mulher... uma biografia, talvez...


O que mais me prende a esta história é assistir ao amor incondicional de Saramago por Pilar. Sente-se que esta mulher inspirou a sua forma de estar desde que se conheceram. Acho que ele próprio reconhece que há duas pessoas dentro dele: a que viveu sem Pilar e a que nasceu a partir daí. Como se tivesse gasto duas vidas diferentes...

Passou-se um ano após o seu desaparecimento. Para assinalar a data, a sua editora portuguesa de sempre (Editorial Caminho), além de re-editar 'Viagem a Portugal', apresenta 'Palavras para José Saramago' e 'O Silêncio da Água'. Fiquem com o essencial:


'Este livro condensa textos críticos da obra de José Saramago bem como depoimentos e manifestações de homenagem ao único galardoado português com o Prémio Nobel, por várias personalidades de mais de 20 países.'


'A partir de uma recordação de infância, José Saramago compôs uma fábula universal que sobressai pela sua sabedoria. Manuel Estrada, um dos maiores artistas gráficos contemporâneos, recria com mestria toda a doçura desta história memorável.'

«Voltei ao sítio, já o Sol se pusera, lancei o anzol e esperei. Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. Senti-o naquela hora e nunca mais o esqueci.»

domingo, 26 de junho de 2011

Se Comparo Poder ou Ouro ou Fama

'Se comparo poder ou ouro ou fama,
Venturas que em si têm occulto o damno,
Com aquele outro affecto soberano,
Que amor se diz e é luz de pura chama,

Vejo que são bem como arteira dama,
Que sob honesto riso esconde o engano,
E o que as segue, como homem leviano
Que por um vão prazer deixa quem ama.

Nasce do orgulho aquele esteril goso
E a glória d'ele é cousa fraudulenta,
Como quem na vaidade tem a palma:

Tem na paixão seu brilho mais formoso
E das paixões tambem some-o a tormenta...
Mas a glória do amor... essa vem d'alma!'