sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O Peso dos Livros

Foto: Pedro Ferreira

Pensava que os livros não têm peso. Quero dizer, flutuam no entendimento.
Na memória. Ou melhor: equilibram-se porque não são gente.
Não têm noites, não têm insónias. Não têm sono lá dentro.

Pensava que os livros são menos complexos do que nós. Mesmo quando
não temos linha, quando não temos palavra. Mesmo quando
não conseguimos respirar. Quando pensei nisso,
tive uma vaga noção de título.

E um hálito branco a querer ser página.

Filipa Leal in "O Problema de Ser Norte", da Deriva Editores, 2008, Porto

FILIPA LEAL, formou-se em jornalismo na Universidade de Westminster, em Londres, e concluiu o mestrado em Estudos Portugueses e Brasileiros na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com uma dissertação sobre "Aspectos do cómico na poesia de Alexandre O'Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga". Jornalista cultural, fez uma breve passagem pela rádio (Rádio Nova - PÚBLICO) e foi editora do suplemento «Das Artes, Das Letras» do jornal O Primeiro de Janeiro. Actualmente, integra a equipa do programa Câmara Clara, da RTP2. Tem colaborações dispersas em vários jornais e revistas (EXPRESSO, Egoísta, MeaLibra, Os Meus Livros, Colóquio-Letras, entre outros).
Depois de um ano de formação no Balleteatro do Porto, começou a participar, em 2003, em espectáculos de poesia no Teatro do Campo Alegre, ciclo Quintas de Leitura, onde se formou o colectivo Caixa Geral de Despojos, do qual faz parte. Tem feito leituras de poesia em diversos locais do país (Centro Cultural de Belém, Fundação Eugénio de Andrade, Biblioteca Almeida Garrett, Casa das Artes de Famalicão, Casa Fernando Pessoa, Palácio de Belém, entre outros), e participado em vários encontros internacionais de escritores, nomeadamente na Galiza, em Pisa, Zagreb e Bristol.  Alguns dos seus poemas foram já traduzidos para espanhol, croata, turco e búlgaro. Está representada em diversas antologias, em Portugal e no estrangeiro, e o Bando dos Gambozinos musicou um dos seus poemas, agora disponível no álbum «Com Quatro Pedras na Mão». Integra, desde 2004, os Seminários de Tradução Colectiva de Poesia Viva da Fundação da Casa de Mateus. Em 2007, o jornal EXPRESSO colocou-a entre as 27 novas promessas portuguesas.

Poesia:
- A Inexistência de Eva. Porto, Deriva Editores. 2009.
- O Problema de ser Norte. Porto, Deriva Editores. 2008.
- A Cidade Líquida e Outras Texturas. Porto, Deriva Editores, 2006.
- Talvez os Lírios Compreendam. Prefácio de António Mega Ferreira. Porto, Fundação Ciência e Desenvolvimento, 2004.

Ficção:
- lua-polaroid. Vila Nova de Gaia, Corpos, 2003.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vent Nocturne

'Sur la mer maritime se perdent les perdus
Les morts meurent en chassant des chasseurs
dansent en rond une ronde
Dieux divins! Hommes humains!
De mes doigts digitaux je déchire une cervelle
cérébrale.
Quelle angoissante angoisse
Mais les maîtresses maîtrisées ont des cheveux chevelus
Cieux célestes
terre terrestre
Mais où est la terre céleste?'


Corps et biens, Gallimard

Crepuscular...

Jorge Costa fundou uma República de Coimbra em 1956 com alguns amigos do liceu de Aveiro. Não se formou ou fez qualquer cadeira. Mas escreveu isto que vos deixo.

Vivi três dos mais preciosos anos na República Boa-Bay-Ela. A lá regresso constantemente.

"Todas as tardes eu ia ver o mar!...

Um mar que era calmo
E que se confundia com céu
Na linha do horizonte!...

Todas as tardes eu ia ver o mar!...

Um mar que era azul,
Todo azul,
Lá longe, bem distante!...
E o céu era também azul!...
E tudo era azul!...

Todas as tardes eu ia tomar banho ao mar!...
Eu ia tomar banho ao mar mesmo quando chovia!...
E a chuva que caía
Ia fazendo o mar mais azul!...
Mesmo que chovesse, eu ia tomar banho ao mar!...


E as ondas pequeninas
Banhavam docemente a praia!...
O meu corpo sentia então,
Em carinhos azuis,
As ondas, a chuva e o mar!...
Tudo era azul!...
Chovia!...

Todas as tardes eu ia tomar banho ao mar!...
A praia estava morna e quente!...
Chovia!...
O poente era azul!...
E azul era o céu e o mar!...
Tudo era azul!...
Até a luz do crepúsculo era azul!...


Era azul este crepuscular!...
A praia estava morna e quente,
E a chuva fazia ser azul o poente,
Estavam azuis o céu e o mar!...

Todas as tardes eu ia ver o mar!...

Crepuscular!...

CREPUSCULAR!..."


Jorge Lyn-Kopo

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Contra capa do livro deste mês

'Tem medo de morrer durante o sono esmagado pela sua biblioteca? A acumulação de livros coloca a existência da sua família em risco? Arruma os livros por tema, língua, autor, data de edição, ou formato, ou segundo um critério que só você conhece? Poderemos pôr de lado na estante dois autores irremediavelmente desavindos? São muitas as questões que envolvem esta espécie em vias de extinção: os bibliófilos que, além da paixão pela posse dos livros, têm a obsessão pela leitura.

As bibliotecas são seres vivo à imagem da nossa complexidade interior, e compõem um labirinto do qual poderemos não conseguir sair. Na verdade, os milhares de páginas que ocupam as nossas estantes estão povoadas de fantasmas que, uma vez encontrados, nunca nos largarão.'


Bibliotecas cheias de Fantasmas é uma publicação da Quetzal, 2010

Lost in translation no livro “Lost Japan” de Alex Kerr

Imaginem escrever algo em japonês e em seguida, tentar traduzi-lo para inglês e descobrir que não podem/ conseguem fazê-lo. Os textos são originalmente escritos em japonês como uma série de artigos para a revista Shincho 45. Em jeito de ensaio autobiográfico descrevem uma série de experiências vividas pelo autor desde 1964, altura em que chegou ao Japão, ainda muito jovem, acompanhando o seu pai que servia nesse país o exército norte-americano. Em 1993, ganham a forma de um livro e este acaba por ganhar o prémio de literatura Shincho Gakugei em 1994 (o primeiro atribuído a um estrangeiro). Mais tarde, traduzido com a ajuda de Bodhi Fishman, para inglês e em 1996 a Lonely Planet publicou esta versão com o título “Lost Japan”. Kerr é formado em Estudos Japoneses e Chineses pela Universidade de Yale e Oxford, respectivamente e esteve envolvido na criação de colecções durante a maioria do seu tempo no Japão. 


Através do processo de tradução, parece que Alex Kerr descobriu ainda mais do que uma única cultura japonesa. Escrito com base na experiência quotidiana de 30 anos de vida, o leitor é conduzido num passeio aos bastidores dos ícones culturais do país. O livro explora as diferentes facetas culturais de Alex Kerr, a amizade com os actores Kabuki, a compra e venda de arte, estudo da caligrafia, explorando templos raramente visitadas e santuários. Fascinado pela cultura não se deixa nem cair no erro comum de comparação com as culturas ocidentais onde os padrões são demasiado diferenciados para tal. Por outro lado o autor faz uma critica ao modelo actual de vida no Japão e às mudanças radicais, sem entrar em nostalgia e revivalismos exagerados evocando tempos idos. O resultado é um livro acessível e interessante sobre o dia moderno no Japão, visto por um estrangeiro ao mesmo tempo quase nativo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Siddhartha, Hermann Hesse

'Um poema Indiano'... Reflicto sobre esta frase na capa do livro. E sinto que está bem escolhida. Generalizando, podia condensar a minha opinião sobre esta história neste pensamento. E ficava resumido...

Mas Siddhartha é bem mais profundo. Hesse podia ter contado a vida deste Homem em qualquer canto do Mundo. Escolheu a Índia - profundamente rica em visões espirituais e, como sabemos, berço de tanta História.

Aliás, se quisesse ser completamente egoísta, diria apenas: Siddhartha é um jovem que abdica do luxo e parte à descoberta do sacrifício, do voto de pobreza e sofrimento. Vai viver com um amigo para uma comunidade onde lhe ensinam a controlar a fome, a sede, o desejo. O amigo fica, ele parte...


No entanto, é bem mais do que uma historinha... E sei que é impossível transmitir a grandeza deste livro por palavras. Tudo é bastante mais denso do que uma simples opinião.

Siddhartha é uma metáfora da vida. Não pretende ser um exemplo de como se deve vivê-la. Mas é, sem dúvida, a prova que, para ser feliz, basta ser simples.

Não é um grito à castidade, aos votos religiosos, a sermos pobrezinhos só porque sim...

A qualidade da personagem não está nos sacrifícios que faz nesta viagem. Está na riqueza interior em que se torna. Aí sim está o exemplo.

Sigam-no.

Som da Linguagem


'Por vezes reaprendo
o som inesquecível da linguagem
Há muito desligadas
formam frases instáveis as

palavras
Aos excessos do céu cede o silêncio
as constelações caem vitimadas
pelo eco da fala'