sábado, 10 de janeiro de 2015

Passatempo Bai'má Benda


 O Clube de Leitores e o Bai'má Benda têm dois calendários para oferecer aos nossos seguidores. E são muito especiais, como podem ver pela foto!
 
Para participar, basta responder ao seguinte: Se pudesse criar um 13º mês, que nome lhe dava, em que posição do ano o colocava e que acontecimentos importantes teria como feriados, celebrações ou eventos? Porquê?
 

As melhores respostas enviadas em comentário a este post (tanto aqui no blog, como na página do facebook ou ainda no grupo e também no Bai'má Benda) vão a uma finalíssima de 3 dias a ser votada pelos membros do blog e seguidores. 
 
O envio das frases deve ser feito até sexta-feira, dia 16 de Janeiro. Nos dias seguintes, anunciaremos as respostas que vão seguir para a finalíssima.
 
O concurso é válido para Portugal continental e ilhas.
 
Boa sorte! 
 
*O vencedor terá que enviar-nos a sua morada. Em caso de não o fizer, o Clube atribuirá o livro a outro(a) finalista. Fique atento!
Não perca esta página, por nada: https://www.facebook.com/baimabenda

Resolução de ano novo

L.A. Traffic Sign Hacked to Say “Read a Fucking Book”

Here’s a traffic sign we can all agree to follow. Thursday a Los Angeles traffic sign was hacked to suggest everyone “read a fucking book.” The picture was taken by journalist Daina Beth Solomon.

LA Weekly reports:
The TMI spokeswoman said whomever did this would have had to physically break into the trailer-based sign. But she did acknowledge the possibility that it’s wi-fi enabled.
“It looks like it was hacked,” agreed Tina Backstrom of the L.A. Department of Transportation.
Notícia tirada daqui: http://electricliterature.com/l-a-traffic-sign-hacked-to-say-read-a-fucking-book/

Bookish Problem #33


Foto frase do dia: Ann Patchett


sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

As previsões para 2015 - O Javali de Vladivostok

O Javali de Vladivostok acabou de adquirir os direitos sobre a editora PruX Táta, que passará a publicar em exclusivo por estas bandas.
Eis o primeiro título do ano:
"PruX Táta - Previsões para 2015: Astrologia e Guia do Livro"
Para os chineses, vamos entrar no ano da cabra, o que é bom para pessoas como eu, com ascendência em Javali, e que têm dificuldade em encontrar o amor consentido.
Vamos às 10 previsões livreiras:
#1 - Murakami não vai ganhar o prémio Nobel. Porém, será o favorito.
#2 - Miguel Sousa Tavares vai escrever um livro sobre Miguel Sousa Tavares, esse herói das letras portuguesas.
#3 - Pedro Chagas Freitas vai bater o recorde do Guiness de sessões de autógrafos em mercearias tradicionais e Lidl's.
#4 - José Rodrigues dos Santos vai escrever um livro e, naturalmente, dominar um tema que até então desconhecia, passando a ser sumidade e detentor da verdade absoluta.
#5 - Jesus vai abandonar Alexandra Solnado, trocando-a por Maria Helena.
#6 - Margarida Rebelo Pinto não falece.
#7 - Daniel Oliveira vai perder-se no seu guião de perguntas. Num beco sem saída, é violado por um sem-abrigo, que lhe diz: "Ora deixa cá ver o que diz o teu olho."
#8 - Pilar del Rio vai encontrar uma lista de compras escrita por Saramago e publicá-la como um novo romance.
#9 - Herberto Helder vai publicar um livro com mais do que uma edição e os fãs vão apodá-lo de vendido. ‪#‎hipster‬
#10 - A direcção do Ipsilon do Público emite uma norma, que diz assim: "Os colaboradores não podem colocar nas listas de melhores do ano livros dos seus amigos." A secção de livros, atarantada, comete hara kiri colectivo.
*Acompanhe o blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/

a-ver-livros: cegos, surdos

Periclitante
o cerne da questão
na incerteza crítica
dos que não têm dúvidas
no medo entranhado
das convicções cobardes

vulnerável 
o futuro
nos cascos surdos
dos que marcham
pelo trilho

Ana Almeida

* para saber mais sobre a ilustradora romena Georgiana Chitac
siga o link http://georgiana.chitac.ro/

Esteves Cardoso: Je suis Charlie

Je suis Charlie

Não se percebe a gabarolice dos estúpidos assassinos quando gritaram "Matámos a Charlie Hebdo".
Não se pode matar a Charlie Hebdo. Não se pode matar a valente e hilariante revista que goza com tudo e com todos desde os tempos em que se chamava Hara-Kiri. Muitos poderosos tentaram censurar os satíricos da Charlie Hebdo. Nunca conseguiram. Nunca conseguirão.

O que se pode matar é a liberdade de expressão. Ou reforçá-la: foi o que fizeram os estúpidos assassinos que reagiram a desenhos satíricos massacrando os autores com metralhadoras. Desencadeou-se imediatamente uma onda de solidariedade francesa e internacional para reafirmar a liberdade de expressão.

Os mais perigosos inimigos da liberdade de expressão são pessoas inteligentes e bem-intencionadas que publicamente pedem tratamento especial para a religião islâmica (ou qualquer outra religião) para não "ferir susceptibilidades" ou "fazer provocações". São pessoas liberais que defendem calmamente a protecção das sensibilidades muçulmanas através da violação da liberdade de expressão, por muito civilizada e politicamente correcta que seja a forma de censura que propõem.

Mostraram-se quando foi o caso de Salman Rushdie e mostrar-se-ão outra vez dentro em breve. Quem será o primeiro idiota entre nós a dizer que a culpa foi dos assassinados da Charlie Hebdo? Tem todo o direito de dizê-lo. É isso a liberdade de expressão. Ser-se estúpido também é um direito. Até os assassinos o têm.

MIGUEL ESTEVES CARDOSO

http://www.publico.pt/mundo/noticia/je-suis-charlie-1681501


Poesia em matéria fria: simplesmente Manoel

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José,

A missiva que hoje lhe envio serve como caixote do lixo reciclável, por um lado, e, por outro, como lenitivo e protetor estomacal, visto que o leitmotiv (imagino o seu espanto ao ler esta palavra, tão fechada nas bibliotecas e nas salas das vetustas universidades!) é mais votado à música não wagneriana! Uf, que alívio, dirá o jovem José e os leitores, que devem andar de cérebro feito com aquelas pseudo-reflexões sobre o autor de Parsifal e outras Transcendentais Ignomínias da mesma laia.
Sossegue, oh jovem Dada! Recebi as suas provas (…). Não me surpreendem! Não esperaria outra coisa de si que não fosse esse tenro perfeccionismo que o torna tão pertinaz, num sentido luminoso, e amante do Absoluto e Indefinido. Dê tempo ao tempo, as respostas hão-de chegar. Quanto à questão do novo acordo, sabe como o abomino. Abomino-o de escarro sensacionista na ponta da caneta! Mas compreendo o por quê de o aceitar. O seu argumento de a língua se aparentar com um ser vivo que  tem de crescer, de se inovar e de se metamorfosear deixou-me pensativo, mas sabe como sou, ufano e sombriamente pertinaz, o que me leva a não arredar nem pé nem linha que seja a esse novo acordo que tão destramente defende. Repare bem: admiro a sua coragem e só não bebo dela por questão de princípio, feitio e efeito. Não mude! Continue desse jeito: jocoso, e enérgico, positivamente enérgico!
Aguardo a sua visita quanto antes, para falarmos sobre as suas dúvidas wagnerianas!
Aqui vai um texto da colectânea "Histórias de pauta e de papel"!
Efraim agradeceu o presente. “Soberbo, Viana de Sousa”, disse-me ele com aquele seu sotaque exótico, carregando na sua mais que famosa expressão “Magistrralmente soberrrbo”.
Abraços destes dois lhe querem bem.
Muito seu.

Gonçalo V. de S.

Gaetano Donizetti


Donizetti, com o seu Elixir do Amor, testemunhou o enlace de Vitória de Inglaterra com Alberto de Saxe Coburgo  Gota. E a música foi o legado destes dois monarcas! A música e a filharada, que bailou por todas as cortes europeias! Mas não é de amor que iremos falar aqui, nem das belas e verdes florestas germânicas e britânicas, tácitas testemunhas da secreta correspondência trocada por este jovem casal apaixonado. Por um lado, Vitória, jovem rainha e imperatriz a haver de mundo e meio; por outro, Alberto, aprendiz de Schubert e do que melhor a Coburgo germânica tinha para dar ao seu príncipe dourado.
E com isto começa a valsa (que valsa não é, pois esta parte da ópera do imortal Donizetti foi adaptada para o casamento real destes dois monarcas, a 10 de Fevereiro de 1840, quando o Romantismo era uma realidade bela e líquida). Mas acompanhemos o casal de pombinhos nesta valsa de cisnes brancos, de plumagem imponente e universal.
Ela toda vestida de branco, as casas europeias presentes e perfumadas. A um canto do grande salão de dança, Wellington bebericando e falando dos seus tempos áureos e de ferro contra o pobre Napoleão. Nessa altura, Waterloo era ainda uma luz muito grande em toda a Britânia. Ele, Alberto, de traje militar dos Saxe Coburgo Gota, imponente e elegante como mandam as premissas do génio continental. O seu bigode romântico mirando os lácteos e virginais ombros de Vitória. A valsa continua num crescendo harmonioso, filho de um qualquer allegro molto apassionato. Nestes tempos, o Romantismo era o ar que se respirava pelas cortes europeias e senhoras de Bom Gosto. Noutros locais desses mesmos países, era a fumaça das minas e do carvão e da fome que alimentava as mesas fartas e lavadas de uns quantos senhores filhos deste e daqueloutro.
Mas isso pouco interessa. Agora o que interessa são os olhos de Vitória, brilhantes como luzeiros, como lagos bávaros encantados em noites de um luar que nem Byron, Keats ou Chateaubriand conseguiriam descrever, mesmo se quisessem.
 A valsa lá continua, molto apassionata. Numa pequena aldeia irlandesa uma criança ruiva morre de fome, mas isso não interessa. No palácio de Buckingham, recentemente construído, dois príncipes dão início a uma aventura que irá terminar, sem que estes pudessem adivinhar, na maior chacina do século XX. Por agora, não interessa.
Escutemos esta bela valsa, o doce cheiro da verbena e do amor, límpido e precioso num momento. Pútrido e Fatal no seguinte.


Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações


Meu querido José


Escrevo-lhe a última carta deste ano de 2014 que será, para si, a terceira carta, por mim escrita, lida em 2015. Já notou como o tempo é uma ficção genial?
Repare que começa o novo ano falando e lendo sobre o quê? 2014, o passado próximo e distante. O passado onde ainda o José só era promessa de um futuro por existir.
Todo o passado é presente e todos nós nascemos antes de nascer, ainda que não o saibamos, jovem frenético e Dada.
Pois bem, envio-lhe nesta missiva mais um poema das minhas primaveras românticas (que parecem ter um século de idade), seguida por um pequeno ensaio que, aos olhos de hoje, parece semi-fantástico, também escrito há, sensivelmente, em termos de tempo psicológico, cem anos! O título destas palavras todas seria algo como "Poeira estética de ateísmo e liberdade"
Assim que estiver por Coimbra responda-me, oh genial jovem da lira post-moderna!
Bom 2015, ainda em 2014. E bom 2014, já em 2015. O tempo, meu caro, somos nós que o fazemos.
Muito seu.

Gonçalo V. de S.
















Aos católicos de bolso

Quem negará os teus passos,
Leves e feitos de luz,
Quem recusará os abraços,
Dos pobres que crêem em Jesus?

Será a divina chama do teu tormento,
O ópio dos pobres,
O orgulho dos snobs,
O tão esperado momento?

Ancestral, longínquo e distante,
É o teu bater de asas branco,
Oh convertido pelo espanto
De uma pobreza líquida e brilhante!

Que cara é a tua de graçola
Ao passares por um pobre desvalido
Que sofre de estômago ferido
Pela tua ancestral e nobre esmola?

És tu, altivo vagabundo
Quem foges dos grandes deste mundo
Que, com gestos de escarro e de engano,
Fazem do divino um antro profano.

Deixa a tua cruz de ouro,
Belzebu de gravata e capital,
Tens os cornos de um touro
E a ignorância do governo de Portugal!

Redime-te, espartano da grã Cruz,
Aceita o teu estranho hissope,
Não belisques as meninas de saiote
E segue o exemplo do teu Jesus!


Paris, 14 de Julho de 1968


Ainda sobre a Liberdade

Por mais que pertençamos à dinastia dos deuses, a humanidade terá de ser sempre a nossa finalidade. O homem supremo é o homem livre. Acima disto, não pode haver nada. Só o amor livre é capaz de calar tempestades e receios. Só o homem livre pode realizar o processo revolucionário que libertará a Humanidade do jugo argentário e arrivista. «Uma só coisa é sagrada: o homem livre. Acima dele nada existe», disse Wagner em «A Arte e a Revolução». Só o homem livre poderá ser o verdadeiro Homem!
A religião não pode servir de empréstimo a uns quantos meninos de coro e de capela que servem um deus que retine e brilha ao som das horas das bolsas europeias e americanas!
O Cristianismo tem de se tornar no Socialismo dos nossos dias, e já Antero o gritou há quase cem anos! Hoje grito-o eu, rouquejando, mas com o mesmo ímpeto das ondas atlânticas!
Só a Liberdade religiosa, de pensamento, de sensibilidades, de orientação sexual e política poderá revolucionar a nossa sociedade e este mundo do pós-guerra hitleriano. Só a Liberdade poderá guiar a Humanidade, não um líder espiritual e político, que roça sempre nos arames dos autoritarismos démodés e balofos, saloios e horríveis.
Só a Liberdade será capaz de trazer a Beleza e a Bondade e a Justiça e o Pão. Só pela Liberdade e em Liberdade vale a pena viver e lutar. Sem Liberdade, tudo o resto é NADA!  
Liberdade. Eis TUDO!
PIM! (para não me esquecer de Almada Negreiros).


Paris, madrugada de 14 de Julho de 1968.

Bai'má Benda - Homenagim à "Lipa"!

Homenagim à "Lipa"!

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David Pintor - Je suis Charlie

Não nos calaremos. Je suis Charlie, nous sommes Charlie.


David Pintor em:
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Foto frase do dia: Stephen King


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José,

Escrevo-lhe nesta manhã de véspera de Natal, sabendo de antemão que já se encontra ausente desta que foi a “fantástica Coimbra”, noutros tempos e noutras andanças.
No entanto, escrevo-lhe na mesma, sabendo que escrevo para uma inexistência da sua parte, temporária. Mas há-de voltar, jovem frenético. Há-de ler estas linhas com alguns dias de atraso, o que me dá um certo conforto, pois acredito que as palavras, assim, têm um tempo de silêncio e maturação, como um belo fruto vermelho e maduro que se desfaz nos lábios, ou então como um bom vinho, frutado e suave. (…)
Voltando ao que me levou a escrever-lhe neste dia: o Amor. É verdade, jovem futurista para dentro e modernista do avesso! Nesta triunfal antemanhã do nascimento do paradigma de Deus judaico-cristão e greco-romano venho eu, do alto do meu metro e setenta e nove, e dos meus maus sessenta e oito anos, falar-lhe do amor. Mas sossegue, menino. Falarei do amor que me impressiona, claro está, em Wagner, mais propriamente, naquele momento final, único, belo e transcendente: a morte por amor. Outros amores ficarão para mais tarde, não só na escrita, como na vida.
Se conseguir, encontre pelo mundo virtual e medonho essa parte final dessa indizível ópera, interpretada por Horowitz, num belo e longo piano negro. É imperativo que se escute os minutos finais enquanto se lê esta intragável impressão! Aliás, a música será como o antídoto, bem lenitivo, que anestesiará o compassivo leitor, deixando este predisposto à mediocridade que mais à frente se segue. (E que não se segue, pois envio somente um esboço. Talvez da próxima envie o texto completo. Tenho tido alguns problemas com a datação destas impressões. Efraim insiste para que se escreva tudo no computador, para que não se perca nenhum texto, mas, sabe como sou, pouco ou nada, nada mesmo me interessa ter isto escrito por aí. O que se conseguir ler é o que subsistirá. O resto, meu caro, é esquecimento).
Sabia que o compositor esteve três dias para conseguir obter uma gravação, a seu ver, perfeita? Veja bem o trabalho que as coisas belas dão! Agora imagine quando falamos de amor! Irra!
Bem, são estas curiosidades que tornam o mundo wagneriano numa galáxia constituída por órbitas inimagináveis, onde a poeira cósmica é, nada mais nada menos do que o Absoluto. (Devo admitir que esta última frase saiu-me bastante bem! Não bebo há 5 horas! Imagine se eu vivesse sem o inevitável líquido âmbar!)
Por isso, esta impressão que ora lhe mando, impublicável, breve e discreta, pois é assim que vejo o amor nos nossos dias, irá deambular, turistar ao som das partituras finais, se não mesmo a final!, de Tristão e Isolda.
Ainda irei escrever-lhe, muito, bastante!, sobre Wagner e a sua Transcendência em estado humano, mas não hoje. O Cadernos de Nicosia, além de impublicável, é uma coisa demasiado séria, com Wagner a mais, e com demasiadas chatices para ser lido por meia sala cheia, daí esta impressão seguir incompleta ( de forma propositada).
Desejar-lhe-ia um feliz Nascimento da ficção redentora, se lesse isto ainda hoje, antemanhã desse pagão acontecimento de luz e redenção. Assim, desejo-lhe boa sorte para a impressão que se segue, que me parece muito mais curta que esta missiva, aborrecidíssima, que longa vai há já muitas linhas.
Efraim ainda dorme, mas manda-lhe sempre um abraço semítico. Dentro em breve irei adormecer, com o amanhecer de Coimbra.
Muito seu.

Gonçalo V. de S.

O Amor (Liebestod por Horowitz)

Que seja capaz de amar a Humanidade o coração mais nobre e mais terno. Enquanto isso, que o meu copo nunca seja como a minha vida: um vazio líquido.
Esta manhã, Efraim, tentei, e consegui, sair deste quarto de hotel e desta varanda literariamente cosmopolita. É Agosto (ou Setembro?) deste ano de (mas em que ano estamos?) e sinto o mundo e os passeios desta capital deste país navio aos solavancos, como um grande e inútil soluço metafísico.
Mas afinal, o que é, para mim, o Chipre, senão uma sensação estrangeira do que mais pátrio sinto: o movimento, a mudança?
Somos, ainda que sem o saber, turistas na nossa vida e vagabundos da vida dos outros. Entramos na vida dos outros como um leitor que desvirgina um romance vezes e vezes sem conta, parecendo, até, haver algum prazer masoquista, ainda que plenamente estético, neste turistar como vagabundo. Eis o viajante do século XX! Já nem precisa de sair de casa, ou do seu quarto de hotel, para viajar pelos quatro mil milhões de cantos de um mundo esdrúxulo. Ser flâneur é viajar pelas janelas dos quartos e pelas varandas de todos os hotéis cosmopolitas, ainda que ninguém acredite. Mas tu conheces-me, Efraim. Por mais que o dia pareça ser doloroso, enfrento-o como um Tristão de Pub irlandês, e viajo por aí como um rafeiro elegante, exqui e mal traduzido.
Faço um trottoir matinal, como quem toma um banho vitoriano. Vou ciciando, para dentro, como fariam os pederastas amigos de Mr. Gray., uma cançoneta qualquer, e, não sei como, o amor despenha-se por mim adentro como uma barragem que de inexpugnável só tem o passado que a incontrolável corrente de água fulva e funâmbula apaga. Num instante.
Inexplicavelmente, a água fulva transforma-se nos ruivos cabelos de Isolda, não a falsa, fingida e mentirosa, mas sim na outra Isolda, a bela, pura, cândida, nume, graciosa, perfumada e santa. A santa Isolda de Wagner. Porque em Wagner, o amor é como o perdão para os seguidores de Cristo: o caminho da perfeição.





a-ver-livros: charlie

há poesia no riso
e luta
e sangue
e há um eco mais forte
que a voz do traço
com que se faz o esboço
da estória 
que não se quis escrever
há poesia no choro
e é decretada a morte
da morte
nas mãos que rasgam
o chiste e atacam a verve
há uma luz que não se apaga
quando lhe sopram

Ana Almeida


Valter Hugo Mãe amanhã no Contentor 13

É já no próximo dia 8 de Janeiro a estreia do seu novo programa cultural.

No primeiro episódio teremos o escritor Valter Hugo Mãe e dois convidados, que falarão sobre a sua obra e não só. Curioso? Se quer saber mais sobre este autor, não perca o Contentor 13, na RTP2!

*fotos e texto - Contentor 13
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Poesia em matéria fria: Mario Quintana

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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Eu poético: «Tudo»

Tudo

há uma força que brota dentro de mim,
mais forte do que o trotar dos gnus que migram.
impele-me para tão longe
que consigo escutar o som das estrelas
quando elas saem da sua zona de conforto
e deixam um rasto de poeira.
tenho amor dentro do coração,
tão puro porque não gasto à primeira.
sinto-o tão perto
que não me deixa dormir à noite
e entra em disputas infundadas com a cabeça.
...nesse jogo
do mal e do bem
do certo e incerto
do correcto e não correcto
do hoje e do não hoje...
tenho vontade de ser um dos que muda o mundo,
não apenas o meu e o teu,
mas o de muitos mais!
porquê achar que o céu é o limite?
quando o céu é apenas o início.
**O INÍCIO**
as nuvens são promessas de água,
pelo azul navega o sonho
e os pássaros atravessam o horizonte.
no pôr-do-sol corre o futuro,
na noite mora o passado,
de dia vivo o sentimento.
o sentimento de ti.
porque tu és toda a força.
porque tu és todo o amor guardado.
porque tu és todas as vontades.
e, tal como o céu,
tu és o início.
o início
**DE TUDO**

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

como se um beijo de sabedoria

alcançar
como dizem os mais antigos
aqui na aldeia
como se um beijo de sabedoria

fulana e sicrana
finalmente alcançaram
para não falar
da bicharia que alcança
segundo as luas

urge alcançar da palavra
percorrer todo um estádio de gravidez
náuseas e desejos e larguras
e no fim do tempo de nudez dar à luz

lançar ao mundo
o que na carne se gerou
corpo e alma e espírito
a ser língua entre
o ventre dos demais

da entrega à escuridão
emergem os pingos de claridade.


(Fotografia de Mário Venda Nova)

É do borogodó: soneto do sol

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.


Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?


Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.


Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


Gregório de Matos

* escolhido por Penélope Martins

Foto frase do dia: Po Bronson


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações




Meu querido José

Que é, que foi feito de si, durante estas duas semanas? Que fez? Que leu? O que viveu? Nem uma palavra, uma notícia! Na verdade, não tem que responder a nenhuma destas questões, em nome de nada, absolutamente nada.
Imagino-o isolado e silencioso, lá, pelas suas terras de lameiros verdes e líquidos, vagueando pelas florestas de pinho e murtas, ao pé do Tâmega, tendo esse rio, menino de Pascoaes, como leito e embalo. Que bela imagem tive eu, agora, de si. Distante e jovem, sonoro e calado, romântico e solitário, com essa sua barba rala e ainda brilhante. Acredite que o brilho é um efeito da tenra idade, José. Imagino-o ao som da sonata “Des Adieux” de Beethoven. Mais umas linhas e imagino-o trocando correspondência com Goethe ou Stendhal ou os irmãos Schlegel! Mais um punhado de linhas e imaginá-lo-ia por esse século XIX desbravando greves e comunas, nesse Paris e nessa Londres de livro.
Pois bem, imagino que tão cedo não venha a ter notícias suas, todavia, faço-lhe chegar este aglomerado de palavras que pretendem ser versos, versos que pretendem ser estrofes de algo que se quereria chamar um poema. Mas veremos, veremos!
Um poema antigo e que tem o cheiro das bandeiras escondidos em baús ou gavetões de sótãos poeirentos,dos quais ninguém se lembra que existem, talvez porque a vida é grande e o sótão pequeno, ou talvez o contrário. Não sei. Sabe que não sou dogmático.
Estamos quase no dia do Nascimento do Jesus criança, jovem romântico, sei do seu culto e das suas dúvidas e cepticismos, normais, aceitáveis e óptimos para uma noite de gin e prosciutto, biscoitos e malvasia digna de uma soirée de burgueses que Cesário eternizou naquele seu belo poema “de tarde”.
Ainda hei-de falar consigo acerca desse seu Cristianismo de Livro e Socialista. Sempre o vi como um jovem crente, na humanidade, não em imagens. Não interessa, haveremos de falar, assim que me responda a esta missiva, oh jovem futurista para dentro!
Pois que nasça esse seu e meu Jesus criança. Que nasça e nos dê humanidade e esperança nesta, que parece andar escondida pelos becos e subúrbios de edifícios pouco viajados.
Aguardo resposta sua. Tenho, aliás, esperança, que ainda nos encontremos ou troquemos correspondência antes do final deste ano de brincar. Com ou sem banho por dentro, despache-se a responder!
Efraim manda abraços fraternos e libertários.
Eu mando-lhe o de sempre, mais de mim.
Abraço do
Seu

Gonçalo V. S.

(É mister dizermos, prezado leitor, que esta carta é de 19 de dezembro de 2014)

Igualdade

Serás a filha e a preferida de cada lar
Onde se coma o pão do trabalho feliz.

Hás-de vir de mão dada com a tua mãe,
Senhora e Rainha das coisas justas,
E acolherás no teu regaço o que trabalha,
O que fome tem e outros a quem o pão falhe.

Serás luminosa como um dia claro e verdadeiro.
Nascerás no coração de todos os homens como uma
Dália, como um lírio, uma rosa, um cravo.

Hás-de vir num dia perfumado e límpido, olímpico.
O teu fogo será a nova sarça ardente,
Oh madona das grandes causas universais!

Vem agora, doce, assertiva.
Vem sobre os prédios e os barracos de todos os países do mundo!

Desce das varandas dos hotéis cosmopolitas, onde senhores
De bigode e gravata e charuto e importância te fumam
Como um ópio diáfano e imaginário, só deles.

Vem, mãe dos aflitos e dos que têm sede!
Vem agora e cala todas as mães que choram filhos na guerra,
Cessa a sua espera de caixões a haver.

Hás-de vir num dia triunfal,
Dilecta filha da Liberdade,
O teu trono é  de ouro e paz.
O teu nome, senhora minha, será Igualdade!

Paris, 14 de Julho de 1968




a-ver-livros: sempiterno

Somos imortais até à primeira sombra
a inextinguível primeira
de todas as que se seguem 
deusa da treva interposta
na silhueta da luz
o beijo por dar
a mão do espectro frio 
que se arraiga na derme

Somos imortais até ao primeiro
sempiterno
adeus

Ana Almeida

* quadro da dinamarquesa Jarne Gissel

A sociedade tem que agir: a violência contra as mulheres

O Clube de Leitores é um espaço de livros e letras. Mas não é imune às discussões que a sociedade deve ter.

A violência doméstica tem e deve ser denunciada. Tem e deve ser debatida. Tem que ser possível fazer alguma coisa.

os números do horror:

Na última década, morreram 398 mulheres vítimas de violência doméstica em Portugal. Ciúme e difilculdade em aceitar a separação foram os principais motivos.
O ano de 2014 ficou marcado pela morte de 42 mulheres. in Público


A propósito deste vídeo e  dos "números do horror" tem decorrido uma discussão no mural da escritora Maria Manuel Viana. Deixo aqui algumas opiniões. 

Cristina M. Barbosa Escrevi há pouco tempo uma reportagem sobre o assunto e deparei-me com o impensável. São dados 'horrorosos'.

Maria Manuel Viana sim, a palavra é horror, Cristina.

Jorge Alexandre Navarro Uma verdadeira barbaridade!

José Mário Silva Não consigo compreender. Não consigo compreender mesmo. A cada notícia destas, sinto uma tristeza imensa. Devia estudar-se isto a fundo, porque há um lado muito trágico na (des)construção emocional e afectiva dos homens, que os conduz a tamanhos abismos de destruição e auto-destruição. Não no sentido de desculpar os actos terríveis e indesculpáveis, mas no sentido de perceber que condicionamentos sociais e psicológicos estão na raiz desta barbárie.

Maria Manuel Viana que me desculpem os que já leram este post, em resposta ao video que o Rodrigo Ferrao me enviou, sobre a educação contra a violência, mas as tuas palavras, José Mário, levam-me a republicá-lo. à tua tristeza junta-se a impotência de muitos de nós, que trabalha/ámos contra a violência doméstica: é uma questão cultural, de educação desde a infância. é preciso desconstruir a ideia de que bater pode significar muito amor, ciúme, desejo de posse, sendo esta sequência um terrível engano. e também contrariar modelos que há em casa (o pai e a mãe, a mãe e os filhos mais velhos), dizendo que são incorrectos e só trazem infelicidade. lembro-me de crianças que não conseguiam dormir de noite, aterrorizadas com os gritos da mãe. lembro-me de explicar que bater nunca é sinónimo de amor. lembro-me de dizer que depois da primeira bofetada virá outra, por mais que o agressor peça desculpa e prometa não reincidir. lembro-me de mulheres assustadas com medo da retaliação, caso o agressor soubesse que elas tinham contado. lembro-me de mulheres a dizerem que não tinham para onde ir, sem trabalho e dependentes financeiramente do homem. lembro-me de uma mulher de 20 anos com sete filhos que nunca fora ao médico e que não sabia que havia métodos anti-concepcionais. lembro-me de essa mulher a fugir pela janela do quarto de banho e a não conseguir passar a tempo a filha mais pequena, que deixou para trás. lembro-me da sua aflição por causa dessa filha, que o marido levou para um bosque e ameaçou matar caso a mulher não voltasse. lembro-me de uma mulher de 70 anos que era espancada há 50. lembro-me de um homem que chegava a casa bêbado todos os dias e batia na mulher e nos três filhos antes de os violar a todos. lembro-me de essa mulher me dizer: se ao menos não nos batesse. lembro-me de o filho mais velho ser epiléptico e ter ataques sempre que ouvia a porta da rua. lembro-me de uma mulher que levantou a saia e me mostrou os cortes feitos a gilette para a impedir de ir para a cama com outro homem que só existia na imaginação do marido. lembro-me de mulheres que choravam e acabavam por voltar, por causa dos filhos e da inexistência de alternativa. lembro-me de mulheres socialmente favorecidas que me diziam que o marido lhes oferecia jóias a troco de elas dizerem que tinham caído a fazer ski ou a andar a cavalo. lembro-me de crianças aflitas a fingirem uma vida normal com a mãe fechada no quarto pelo pai. lembro-me de crianças a adormecerem nas aulas por não terem conseguido dormir durante a noite. lembro-me de crianças e mulheres com medo de falar e de o pai e o marido irem presos. lembro-me de filhos a obrigarem os pais a comer nas selhas dos porcos, depois de lhes ficarem com as pensões de sobrevivência e de os proibirem de falar com os vizinhos ou ir ao médico. lembro-me dos olhos baixos, das mãos enclavinhadas, da vergonha em todos e cada um destes que contavam. lembro-me sobretudo do medo, do pânico, do terror de serem descobertos e da vingança. lembro-me da minha impotência perante muitos destes casos. lembro-me de ouvir em silêncio e procurar soluções, casas-abrigo, misericórdias, um lugar para ficarem com os filhos. lembro-me de ser tudo sempre tão difícil e de eu já não ter palavras. lembro-me do rosto, da voz, da urgência ou da submisão de tantas destas vítimas. lembro-me desses dias, desses meses, desses anos atravessados pelo horror. lembro-me e sei que nunca as esquecerei, a essas mulheres e a essas crianças que faziam quilómetros a pé para virem contar, na esperança de um milagre. lembro-me e lembrar-me-ei sempre, até ao último dia da minha vida.

Anabela Aleixo Nunca e demais voltar a ler e divulgar, pode ser que assim os "valentões " tenham vergonha ou algum arrependimento quando se deparem com com os comentários depreciativos

Rodrigo Ferrao MMV, depois de ter lido este teu comentário, tremi. Porque é real, porque me causa repulsa, porque me sinto impotente ao lê-lo. Nós podemos denunciar isto, nós podemos fazer a nossa parte, nós devemos agir. Pensemos como... é bom que isto se discuta, mas é bom também que isto nos mova.