sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Gotta Keep Reading

Bom Natal!

Um Alegre Natal

"NATAL

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia."

Manuel Alegre

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Estado e Cultura, por Sophia de Mello Breyner Andresen


"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."

in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'

Livros que deram filme: A Toupeira, John Le Carré

Tinker Tailor Soldier Spy (A Toupeira) é um filme baseado no livro de John Le Carré. Dirigido por Tomas Alfredson, conta com as participações de Gary Oldman, Colin Firth, Tom Hardy, John Hurt Toby Jones, Mark Strong, Benedict Cumberbatch e Kathy Burke.

Estreado nos Estados Unidos em Setembro passado, estará em breve nos cinemas portugueses.



Quanto ao livro que origina o filme, diz a editora que o publica - Dom Quixote:

"O primeiro livro da trilogia de Smiley, a série que o tornou famoso em todo o mundo e consagrou John le Carré como um dos grandes mestres da literatura de espionagem.
Smiley e a sua gente deparam-se com um extraordinário desafio: uma toupeira, um agente duplo dos soviéticos, conseguiu infiltrar-se e ascender ao mais elevado nível dos Serviços Secretos britânicos. A sua traição comprometeu já algumas operações vitais e as melhores redes.

A toupeira é um dos seus. Mas quem?"


As críticas que são feitas à obra de Carré enumeram-se:

«A sua gente é constituída por indivíduos verosímeis, sólidos, sendo as personagens secundárias tão vigorosas como as personagens principais... Uma história assombrosa.»

The Wall Street Journal

«John le Carré é o grande mestre das histórias de espionagem... O fluxo constante de emoção coloca-o não só acima de todos os modernos escritores de romances de suspense, como acima da maioria dos romancistas actualmente em actividade.»

Financial Times

«Um grande thriller, o melhor que Le Carré escreveu.»

The Spectator

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Imaginem o paraíso... E a sua livraria!

Foi em 2009 que vi o paraíso pela primeira vez. Fica nas Ilhas Phi-Phi, Tailândia. E tem uma livraria...









Boas leituras fiz naquela praia...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um português, uma francesa, dois brasileiros

Algures alguém recordava que passam hoje mesmo 96 anos sobre o nascimento de Edith Piaf. Recordo um poema que ouvi um dia, de Jorge de Sena, sobre ela.


"
A Piaf

Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do “Ça ira”,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.

Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida. Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
do desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco."

Os brasileiros Luís Maffei e Marcelo Gargaglione fizeram um versão musical deste poema. Deixo-a aqui também, porque não... Piaf e Sena iam gostar, aposto.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=QfrqtW7bkaU#


a-ver-livros: Malfatti em amarelo

"Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade. [...] Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da educada estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."

Quem o escreveu, em registo autobiográfico, emotivo, foi Anita Malfatti, pintora brasileira, paulista, que viveu entre 1889 e 1964. Se começou por ser algo incompreeendida na sua paixão pela arte, até porque portadora de uma atrofia congénita no braço direito que a obrigou a aprender a usar a mão esquerda para tudo o que fazia, acabou reconhecida como expoente da pintura brasileira, mais concretamente do movimento modernista. Ao ponto de, neste momento, ter acabado de ser lançado um livro para crianças sobre a sua vida. No Brasil apenas – embora possa chegar facilmente a Portugal - , integrado na colecção Crianças Famosas, da editora Callis, e assinado em parceria por Carla Caruso e Angelo Bonito.

É só mais uma coincidência daquelas que, num dia de navegações pela net, bata com o olhar no amarelo generoso da blusa da menina que lê e, no dia seguinte, imagine-se, na notícia da edição do livro? Ou deveria dizer – mais uma vez – que não há coincidências?

Fica o quadro. Para ver muitas vezes – mas em especial nos dias como o de hoje, tão frio - em que apetecer imaginar o sol sambado de São Paulo, uma sombra relaxante e um bom livro.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Vacláv Havel: um adeus concreto

Praga, 5 de Outubro de 1936 - Praga, 18 de Dezembro de 2011

Escritor, dramaturgo e político checo.
Foi o último presidente da Checoslováquia e o primeiro da República Checa.

Václav Havel deixou-nos a sua “poesia concreta”.
Três exemplos, para um dia recordar.



Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo

"Não sei quem sou, que alma tenho.

Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).

Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.


Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.

Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."

Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'