sábado, 12 de maio de 2012

Agualusa, in Milagrário Pessoal - (os jovens deixaram de ler?)


Os jovens deixaram de ler.
Esperava que me dissesses isso. O verdadeiro português expressa a sua portugalidade diminuindo Portugal. As estatísticas, pelo contrário, mostram que nunca se leu tanto, aqui, neste minúsculo rectângulo, mergulhado em sol e pessimismo. Em 1960, havia cem utilizadores de bibliotecas por cada mil habitantes. Em 2003, já eram mais de oitocentos. As estatísticas mostram também que os grandes leitores são jovens com menos de trinta anos. A literatura portuguesa vive um bom momento. Todos os anos surgem novos escritores. O Brasil, entretanto, continua a crescer. O mundo estremece e contorce-se atingido por graves crises económicas, e o Brasil cresce. O mundo entra em pânico, o mundo acalma-se, e o Brasil não se detém, insiste em crescer. O desenvolvimento económico vem impulsionando uma euforia cultural sem paralelo na história do país. Música, cinema, artes plásticas, literatura. Está tudo a mexer. Em Angola e Moçambique, embora a um nível muitíssimo mais modesto, passa-se algo semelhante. Durante os últimos quinhentos anos, houve sempre uma guerra, um conflito violento, nalgum território onde se fala português. Agora não. Temos pela primeira vez uma paz lusófona.


A viagem adorável que acabou em sucesso

Foto: Pedro Ferreira

A receita de sucesso: um casal de aventureiros britânicos - Tony e Maureen Wheeler (ele inglês e ex-engenheiro da Chrysler, ela irlandesa), deixam a cidade de Londres em 1973 com o intuito de viajar em lua-de-mel até a Austrália com pouco dinheiro (apenas 400 Libras) e por terra (na medida do possível). Alguns meses e pouco dinheiro gasto, eles conseguiram completar a travessia, um dia após o Natal,  estavam bastante satisfeitos com o resultado da viagem.


Para relatar a aventura o casal decidiu escrever o livro “Across Asia on the Cheap”, contando como eles conseguiram fazer a viagem com tão pouco dinheiro (o casal aportou em Sidney com 27 centavos de dólares australianos no bolso) e muito improviso, passando por países como Turquia, Irão, Paquistão, Afeganistão, Índia e Nepal. O guia, apenas um pequeno monte de papel, composto de 96 páginas produzidas artesanalmente (Tony desenhava os mapas, escrevia os textos à mão e passava para Maureen dactilografar), que descrevia a viagem de Londres, passando pela Ásia e chegando à Austrália, foi um sucesso e somente na primeira semana vendeu 1.500 exemplares ao preço de US$ 1,80. 

Nasciam assim os famosos guias LONELY PLANET.

Em apenas um ano nas livrarias o guia vendeu 8.500 exemplares. O grande sucesso do primeiro exemplar levou ao lançamento, em 1975, do segundo guia com o título de “Southeast Asian on a Shoestring”, que ficou conhecido entre os veteranos entusiastas como “Yellow Biblie”, em virtude da capa amarela e das informações imprescindíveis contidas nele, como referências a hotéis, restaurantes, pontos turísticos, dicas essenciais e até mesmo como trocar dinheiro no câmbio negro. Este segundo guia descrevia a viagem do casal por países do sudoeste asiáticos como Indonésia, Malásia, Laos, Tailândia e Birmânia.

A origem do nome LONELY PLANET tem uma história curiosa: ele surgiu apenas porque Tony entendeu de forma errada letra da música “Space Captain”, interpretada pelo cantor americano Joe Cocker. Ao invés de entender “Lovely Planet” ele ouviu a expressão “Lonely Planet” e a adoptou para o seu ainda embrionário projeto editorial.


Origem: Austrália
Fundação: 1972
Fundador: Maureen e Tony Wheeler
Sede mundial: Melbourne, Victoria, Austrália


Toda a história parece um sonho tornado realidade. E vocês? Onde é que fica o vosso sonho? E a vossa viagem?

sexta-feira, 11 de maio de 2012

in No silêncio de Deus

Sara esteve em Amesterdão uma única vez. Fazia sol então e os canais tinham uma vida invejável, barcaças de casais a rir. É a sua memória mais viva: a inveja dos outros. Não gosta de reconhecer o sentimento. O mais não se orgulharia dela. A bondade é uma busca constante, como um dever. Ser simpática é o equivalente a lavar os dentes. Todos os pensamentos mais estranhos, todos os cenários cruéis, a inveja e a intolerância, a soberba e a vaidade são a sua essência, vivem nela, apesar de não estarem à vista. Sara acredita nisso. Quando vê uma criança retrai-se. A pureza assusta-a. Sabe que Deus não a ouve, sabe que a salvação está para lá das suas possibilidades. Israel foi um erro. Nada mudará. Sara será sempre um resto do humano. Nada mais do que isso. Ainda recorda as palavras da mãe no seu décimo aniversário. 

Não é o anjo que o pai pensa que ela é. É bonita. Mas não é boa. Nenhuma de nós o é.

Sara percebe agora a dimensão drástica da frase. Uma sentença. Anda há anos a fugir dessa verdade. Por vezes convence-se de que não é verdade. A mãe tinha distúrbios, vivia dentro de uma caixa de comprimidos, ciclos positivos, ciclos negativos. Os loucos não estão mais próximos de Deus, pois não? Sara, a fingida, ao colo do pai, mimada pela normalidade, segura pela bondade do pai.
Em frente ao espelho do exíguo quarto de hotel despe-se com lentidão. É aqui que está o seu melhor. Quanto tempo durará? A pele ficará menos firme, as rugas acumular-se-ão junto aos olhos, nos cantos dos lábios.

Your old tricks won’t work anymore.



É no Porto e é Sexy... Ler é sexy, muito sexy


Interrompe-se as noticias da Feira do Livro de Lisboa com uma boa noticia do Porto. Uma excelente noticia que a continua a ser. Mais uma edição do projecto Bairro dos Livros e mais uma dia cheio de coisas boas e livros, muitos livros.

Mais informações podem ser encontradas no site oficial do projecto.

O projecto Bairro dos Livros é um movimento de livreiros, constituído oficialmente em Abril passado, que reúne mais de 30 livrarias portuenses e que pretende, além da formação de uma rede de livrarias e alfarrabistas da cidade e da «celebração do livro e dos leitores», elaborar programação cultural para todos os tipos de público. A iniciativa «Ler é Sexy», que decorre no próximo dia 12 de maio, é um dos eventos organizados pelo projecto.

A partir desse enorme potencial, que é um verdadeiro património imaterial gerador de produção e integração lúdico-cultural na vida da cidade, e da concertação entre os livreiros, o “Bairro dos Livros” assume-se como um projecto de desenvolvimento de estratégias e acções conjuntas para atingir dois objectivos principais:

1. Divulgar o livro e a leitura com base no conceito “Ler com prazer livros todos os dias” dando ao mesmo tempo mais visibilidade às livrarias envolvidas;

2. Participar no fomento da dinâmica que vem surgindo nesta zona da cidade, com vista à captação, afluência e fidelização de novos públicos através de acções concertadas entre os livreiros aqui implantados.

Mais do que isso, numa altura em que a crise afecta o estado de alma e a esperança dos portuenses, os livreiros do Bairro querem contrariar os sentimentos de apatia e de medo do futuro para continuar a fazer crescer a Baixa da cidade e acarinhar os leitores.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Arrumar a saudade: Hélder Reis em entrevista

Para mim, como para a maior parte dos portugueses, Hélder Reis começou por ser uma cara das manhãs da RTP, onde trabalha desde 2002.
Circunstâncias várias – como eu ter criticado a sua prestação na tevê na minha coluna de jornal, há uns anos, e ter então recebido dele uma carta simpática e humilde a agradecer-me a atenção dada ao seu trabalho e a oportunidade de tornar-se sempre melhor naquilo que ama fazer –fizeram-me querer saber mais sobre ele. Estaria a ser realmente humilde ou fora apenas ironia para não me desatar a insultar como chegaram a fazer outras figuras do pequeno ecrã?  

Hoje sei que ele é assim mesmo. Encontra sempre o lado positivo das coisas, inclusive das críticas, e usa-o para crescer e ser todos os dias uma pessoa melhor do que ontem. Recentemente publicou mais um livro, agora de poesia, intitulado “A Gestação da Chuva”. Teve a gentileza de mo enviar, como antes me enviara os infantis “ A Aldeia da Casa Magia” e “Uma Lágrima Chamada Sal”. 

Quis fazer-lhe umas perguntas. Ele quis responder-me. A entrevista que daqui resulta quero agora partilhá-la com todos os que nos acompanham aqui no blog. 



AA – Começo por te fazer uma pergunta com raízes no passado: como é a tua ‘relação’ com Sophia de Melo Breyner Andresen? Um ídolo poético? Uma referência? Uma paixão? Apenas uma escolha circunstancial para a tese da licenciatura de Teologia?
HR – Uma paixão. Sophia é/foi uma mulher de causas. Uma mulher atenta. Uma mulher de elevadíssima sensibilidade. Ensinou-me a magia do silêncio, do branco, das praias, do mar, da Grécia antiga e do Portugal de hoje. Esta paixão levou-me a querer perceber o modo como ela inseriu o sagrado na sua obra, e foi maravilhoso.

– Tens vários livros publicados, todos eles com uma grande carga solidária, como “Branco”, numa edição a tinta e em braille. Como vês a tua relação com a escrita e como é que ela surgiu na tua vida? Será que a encaras como uma experiência religiosa e/ou cívica?
A escrita é um exercício. Na técnica e na cidadania. Acredito que todos temos um papel educacional na sociedade. Procuro fazê-lo na televisão que faço e nos temas de livros que escrevo. Neste momento preparo uma obra sobre o pecado, que é um bom caminho para a santidade.

 – Queres falar-me um pouco da tua relação com Deus, na medida em que isso afecta ou influencia a tua relação com as artes?
Deus é tão difícil na minha vida que deixei o seminário por não O perceber para O explicar. Hoje a minha relação é mais serena. Mas difícil não significa desacreditar! Deus é a bondade que vou encontrando nas pessoas que conheço (há tanta gente anónima extraordinária). Deus é este sossego de quem faz boa obra e faz bem só por fazer, não para parecer e aparecer! A Igreja é profundamente estética, por isso é fácil perceber a dimensão espiritual nas coisas bonitas no mundo.

– Poesia. Escrita poética para os mais pequenos. Para quando a prosa e um grande romance?
Estou a trabalhar num livro de contos sobre o pecado. Vai ser provocante e irreverente. Até que ponto o pecado nos eleva?

– Manifestas um espírito algo renascentista: cantas [integra a banda Pólen, que actua amanhã, sexta-feira, pelas 22horas no Clube de Jazz Tribeca, no Porto], escreves, fazes jornalismo... É mesmo de ti ou passa por uma luta para encontrar também o teu espaço profissional nestes tempos que correm?
As duas coisas. Eu faço tudo o que gosto. Não brinco em serviço, e não faço nada para passar o tempo. Estudei muito para fazer TV, tenho aulas de canto há 15 anos. Escrevo todos os dias e faço muitas formações em escrita. Luto para fazer bem e me afirmar em tudo aquilo que gosto de fazer. Sinto que ainda estou longe, mas sei o que quero.

– Julgo saber que, depois de uma licenciatura em Teologia e outra em Jornalismo, estás agora a fazer um curso de guionismo e também que vais começar um novo programa na RTP Memória. Aliado a escrever poesia, liderar uma banda, e – já agora – a manter uma vida pessoal, sobra tempo para ler?
Sobra…não muito. Leio o jornal, leio poesia. Leio muito para preparar os meus directos, leio o que amigos vão escrevendo. Leio romance, biografias. Leio muitas coisas ao mesmo tempo… Na RTP faço tudo o que gosto, a reportagem é um modo muito nobre de fazer TV, é ir ter com a notícia, com as pessoas, com as histórias, isso é incrível e faz da RTP única e próxima! O novo programa na Memória, “Percursos”, tem os textos escritos por mim, o que é um grande desafio e altamente aliciante! Tempo…muito pouco. Realização…muita!


– O que lês? Preferências, descobertas, ‘desgostos’...
Gosto de romance e biografias. Mas sinto que a escrita por vezes tem falhas de ritmo, de surpresa, do inesperado. Também sinto que há autores que têm que escrever muito para dizer tão pouco. Por isso gosto tanto de poesia. Poucas palavras, muitas ideias.

– Tiveste oportunidade de ir à Feira do Livro de Lisboa? Estás a guardar-te para a do Porto? Se foste, o que compraste? Se ainda vais, qual a lista de desejos?
Era para ir apresentar o meu último livro de poesia, “A Gestação da Chuva”, mas não tive tempo. Tentarei ir ao Porto. Apetece-me Mia Couto e conhecer melhor a poesia da América do Sul.

– Como são as estantes lá de casa? O caos? A transbordar? Organizadas por títulos ou temas ou autores ou tudo ao molho e fé em Deus? Autores de eleição? Mais poesia do que prosa? Ainda os livros da adolescência?
O meu escritório é muito organizado, todo branco, limpo e arrumado, qb. Tenho a poesia numa estante, romances noutras, livros de religião noutra, etnografia, dicionários, fotografia. Enfim, é fácil encontrar um livro, mas não é ‘A’ organização, é organizadinho! Gosto de Sophia, Torga, Eugénio de Andrade, Fitzgerald, Daniel Faria, Luís Peixoto, Saramago, Pablo Neruda, Beckett, Valter Hugo, Ramos Rosa, Tolentino Mendonça, Haruki Murakami, Garcia Marquez... Mia Couto... e tantos e tantos...

– Gostava que me falasses um pouco deste livro mais recente, “A Gestação da Chuva”, que segundo explicas no teu blog, foi escrito metade antes e metade depois da recente morte do teu pai.
É uma arrumação da alma. Não sabemos nada da vida, somos ignorantes da morte. A morte dói. Muito. A nossa maturidade surge quando nos morrem os pais, agora somos nós e o futuro que fizermos. Este livro foi um exercício de lapidar o meu amor pelo meu pai. Está lá tudo, com a imagem do pintor Ruy Silva. A morte do meu pai, o processo de meses que a antecedeu, aproximou-me do meu Sr. Eduardo. É… A morte nem sempre separa! Faz meio ano, não é nada. A arte serve para isto: expressar. Depois da morte do meu pai digo muito mais: quero lá saber!

– De filha de um Eduardo que partiu para o filho de outro Eduardo que partiu, agora que a dor terá acalmado um pouco, só uma última pergunta: o que fazes com a saudade?
Alimento-a todos os dias.


Feira do Livro de Lisboa em visão Lomográfica




Fotos de Pedro Ferreira
                                                                               (clique nas fotos para ver maior)

Hoje, para variar, a escrita vem sobre outra forma. Sob a forma de luz, sob a forma de fotografia, em especial pela lomografia.

O que é a lomografia?

Lomografia é um fenómeno fotográfico que é produzido por uma câmera automática, de alta sensibilidade, capaz de registar cor e movimento sem necessidade de flash e sem deformação. O processo consiste na recepção contínua de luz, que é feito através do sistema de exposição automático, chegando a durar 30 segundos. Outro efeito, dependendo do modelo e da lente, é o olho de peixe, no qual a fotografia fica com uma moldura circular. O nome é uma referência ao modelo LOMO LC-A, uma câmera compacta da marca LOMO. A LOMO é baseada na Cosina CX-1 e começou a ser produzida em 1980.

As lentes das máquinas Lomo são de plástico e produzem efeitos artísticos.

No ano de 1982, o mundo ainda estava em plena Guerra Fria. Na URSS, o general Igor Petrowitsch Kornitzky, do Ministério da Indústria e da Defesa Soviético, ordenou ao director da empresa LOMO, Michael Pantiloff, em São Petersburgo, a produção maciça de máquinas fotográficas pequenas, robustas e fáceis de usar. O general amante da fotografia, tinha-se deixado encantar por uma pequena máquina japonesa, muito resistente e cujas lentes eram de qualidade excepcional. A ideia era produzir Lomos baratas para que estas se tornassem verdadeiros instrumentos de propaganda, com todas as famílias da URSS a documentarem amplamente, graças a elas, o estilo de vida soviético. A Lomo Kompact Automat foi produzida em série e vendida não só na União Soviética, mas também em países como o Vietname, a Alemanha de Leste e Cuba.

A "Lomomania" propriamente dita começa em Praga em 1991, quando dois jovens vienenses, de férias na capital da República Checa, descobriram a máquina Lomo. Começaram então a fotografar tudo, muitas vezes sem sequer olhar através da objectiva. De regresso a casa, o fascínio dos dois fotógrafos pela cor, a luz e a qualidade das imagens (focadas ou desfocadas) foi tão contagioso que rapidamente a moda das Lomo se espalhou entre os jovens da cidade. Em 1995 nascia em Viena, na Áustria, a Sociedade Lomográfica e a primeira LomoEmbaixada, com o objectivo de impedir o desaparecimento das pequenas máquinas fotográficas russas, uma vez que a fábrica de São Petersburgo tinha acabado com a produção. A Sociedade Lomográfica organizou uma série de vendas de Lomos no âmbito de diversos eventos culturais, que serviram para afirmar o valor artístico da Lomografia.





Alguns exemplos dos livros sobre as máquinas e as fotografia. Podem se encontrados no site da Lomografia Portugal e nas Embaixadas Lomográficas de Lisboa e Porto, também podem encontrar mais sobre este movimento artístico.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Coimbra Revisited II

Parte Segunda:

Embrenhei-me na Torre de António Nobre, d´Anto como é conhecida, a recordar uma passagem, identificada por todos quantos visitam este “miradouro” para o Mondego: "essa paisagem religiosa, milagrosa, o Mondego sem água, os choupos, meus queridos corcundas, sem folhas e vergados pelos anos, pareceu-me que estava num mundo extinto, todo espiritual, onde só um homem vivia, que era o Anto encantado na sua Torre”. Descrição de Outono que, na presente data de calendário, nos confunde porque o misto entre Inverno e qualquer coisa de intermédio potencia uma mescla de tonalidades que nos faz perder a referência. As cores que premeiam a cidade manifestam-se em quatro estações num dia só.

Longe vai o tempo em que o Mondego era bazófias, a transbordar no Inverno, qual natureza potente, para quase desaparecer no Verão e continuar tímido no Outono. De momento está verde, é o que daqui parece. Ou talvez verde esteja Santa Clara, no outro lado da ponte, no caminho que se faz do Choupal até à Lapa. Não. A vontade de viajar no tempo é que é muita, de estar lá a presenciar um Feliciano de Castilho contorcido na Lapa dos Esteios a clamar Primaveras e a praguejar contra a Moderna Escola de Coimbra e a sua produção de poesia inatingível. Ortigão, Teófilo, a Sociedade do Raio, as Odes Modernas de Antero, Eça, as Conferências do Casino. Imaginar Castilho, introspectivo e cego, limitação que o marcava desde os seis anos, que dificilmente terá lido algo do que ditou para escrita, e cujo sentir exacerbado levava à renúncia de qualquer ideia provinda de caloiro atrevido. A sua reacção a todo este movimento moderno: "muito há que eu me pergunto a mim donde proviria esta enfermidade que hoje grassa por tantos espíritos, de que até alguns dos mais robustos adoecem, que faz com que a literatura e em particular a poesia ande marasmada, com fastio de morte à verdade e a simplicidade..." viu sair da cartola Bom Senso e Bom Gosto com a cara de Antero de Quental e o dedo apontado a si: "Levanto-me quando os cabelos brancos de V.Exa passam diante de mim. Mas o travesso o cérebro que está debaixo e as garridas e pequininas cousas que saem dele confesso não merecerem, nem admiração, nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto com a gravidade numa criança V.Exa precisa menos cinqüenta anos de idade, ou então mais cinqüenta de reflexão." E aqui viamos nascer a famosa Questão Coimbrã.


De repente, a austera imponência do edifico do Paço das Escolas, hoje Faculdade de Direito e Reitoria, transforma-se em cenário de filme e é inevitável imaginá-los todos, ali, antes de tudo isto, em diferentes gerações, a ter aulas, doutos discípulos a formarem-se numa percepção de vida que mais tarde iriam verter. O ultra-romantismo de uns, exagerado e cansativo e, como diria Antero, uma verdadeira Escola de Elogio Mútuo, contra a escola livre de um Realismo em apoteose. E pensa-los em Coimbra a vaguear por estas ruas, a escrever, a declamar, a fomentar veia poética, critica e política. Imaginar ainda, antes de tudo isto, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, o Romantismo na sua génese e, agora, acrescentar Guilherme Centazzi, o Estudante de Coimbra revelado recentemente como o pioneiro autor Romântico, esquecido no silêncio da História mas renascido pela mão de Pedro Almeida Vieira. Andando por estas pedras tudo isso se visualiza, ora a cores, ora a branco e preto. Percorrendo a  Alta Coimbrã descobrem-se recantos dignos de cenário inspirador, de correntes de pensamento, de intrigas e perseguições, de amigos e inimigos. É correr a rua das Matemáticas, escondermo-nos do mundo no Museu Machado de Castro, perdermo-nos por essas ruelas de espanto e de encanto e fechar a luz do Sol por uns instantes.



A verdade é que ainda não saí do refúgio de António Nobre. A verdade é que daqui protege-me os ombros a Alta de Coimbra, por cima deles consigo delinear a Universidade, o caminho para a Sé Velha e por aí me embrenhar. Visualizo, na imaginação, uma das casas de Vitorino Nemésio e as tertúlias que por ali se passaram, com os pés no Século XX. Chegada a imaginação à Sé, a casa de José Afonso e o café Sé Velha contam histórias de vampiros, e cantam Coimbra que para ser Coimbra três coisas há-de contar, Guitarras, tricanas lindas, Capas negras a adejar. Outro café que pede folhas soltas e lápis preparado para eventuais inspirações.



Agora sim, vou levantar-me e fazer um terno percurso a pé até à casa da Cultura, Biblioteca Municipal. Soube que a feira do Livro este ano vai fazer-se no Parque Verde do Mondego de 25 de Maio a 3 de Junho. Mas antes disso estão alguns lançamentos de livros em agenda a decorrer na Casa da Escrita. Vou recolher informação e sentar-me no Penedo da Saudade. A partir de lá viajar por outros cenários desta cidade e partilhar convosco.

Lamento, mas não saio de cá tão cedo. O pentágono tem cinco polígonos e nem chegamos ao terceiro.

Até breve!

Imagem da Torre de Anto


Maurice Sendak e os monstrinhos que ficam orfãos


O escritor norte-americano Maurice Sendak, celebrado autor e ilustrador de histórias infantis, morreu nesta terça-feira, aos 83 anos. De acordo com o jornal The New York Times, foi vítima de complicações de um enfarte recente e estava hospitalizado perto de sua casa, no estado de Connecticut.

Nascido em Nova York, Sendak era conhecido principalmente pelo livro "Onde Vivem os Monstros" ("Where the Wild Things Are"), adaptado para o cinema em 2009, pelo director Spike Jonze.


A trama conta a história de um rapaz, Max, que é mandado para o quarto de castigo e, vestido como um animal, começa a imaginar um reino a seu comando, cheio de aventuras e criaturas selvagens.  Em Portugal está editado pela Kalandraka.

Sendak publicou mais de dez livros infantis escritos e ilustrados por ele mesmo. Entre eles estão "In the Night Kitchen", "Outside Over There" (que formam uma trilogia com "Onde Vivem os Monstros") e "The Sign on Rosie's Door".


Ao longo da sua carreira, Maurice Sendak também criou o guarda-roupa para vários espectáculos de ballet e ópera.

O seu último livro publicado em vida, “Bumble-Ardy”, chegou às lojas no ano passado e tem como herói um porco órfão. Antes de morrer, o escritor estava a trabalhar numa nova história, “My Brother's Book”, dedicado ao seu irmão que morreu. O livro vai ser publicado em Fevereiro do próximo ano.

terça-feira, 8 de maio de 2012

A arte de dar e o amor às letras


Há iniciativas que começam apenas por ser uma ideia para animar – neste caso o grupo que é  o braço facebookiano deste blog - e, de repente, se transformam em motivos de alegria, de partilha e de celebração dos livros e da leitura. Foi o caso com o primeiro passatempo lançado no grupo Livros no Facebook: em troca de uma frase poderia ganhar-se um par de marcadores de livros da Artidar, um jovem projecto de artesanato urbano. 

Com uma participação entusiasta, foi vencido por Ana Paula Oliveira. A professora biliotecária – e autora do livro infantil “O Santo Guloso” – criou a frase “Não sou um marcador fiel: namoro com volúpia as páginas de todos os livros que marco”, e com ela arrecadou o prémio. 





Se a história ficasse por aí, ficava bem. Mas vai mais longe, que as letras são como as cerejas. E como os pensamentos. Atrás de uns vêm outros. E atrás da frase de Ana Paula veio o miniconto – história em 77 palavras – que escreveu e que podem ler aqui

A ela, os parabéns pelo entusiasmo e pela paixão que coloca no que faz. À Artidar, parabéns também pelos trabalhos bonitos que fazem e por a vossa arte nos ter proporcionado viver mais este momento. A todos, continuamos juntos pela promoção de um dos maiores prazeres da vida: os livros e a leitura. Gosto disso. E tenho a certeza de que não sou a única.

Imaginários Corvos de Sangue

"Imaginários Corvos de Sangue é um livro violento, a que ninguém poderá ficar indiferente.
A mim transportou-me para o mundo dos sonhos e dos fantasmas, numa vertigem que se prolongou para além da leitura. E se por vezes me incomodou como o tumulto do mar em fúria, também me envolveu na suavidade e quietude de muitos momentos de serenidade.
Por tudo isto, o leitor que feche os olhos e se deixe envolver nestes sonhos de Pedro Vieira Magalhães.”

do prefácio por Daniel Sampaio



O autor / poeta Pedro Vieira Magalhães nasceu em Guimarães. Conquanto a sua vida tenha sido passada nesta cidade, o mundo rural acompanhou-o desde tenra infância, pois manteve uma ligação afectiva muito forte com a sua avó e as origens paternas. Aliás, como é possível sentir ao ler este conjunto de poemas tão viscerais como a própria terra. Conheço-o desde que nasceu e poderia escrever algumas linhas sobre si, mas penso que ele foi quem melhor se descreveu no seguinte poema:

"Nasci a 20 de Março de 1981 e morri a 20 de Março de 1981.
São cinco horas da manhã, mais uma vez não consegui dormir!
Deambulo pela casa, como um barco abandonado num mar de mim.
Os passos arrastados ecoam pelo palato da casa e vou coçando o nariz e o peito, num trejeito de quem se esquece do seu nome. Repito-o várias vezes – Pedro, Pedro, Pedro, Pedro – e cada vez me parece mais distante... esse nome que finge ser meu, que finge ser eu e se veste da minha pele.
Encho um copo de água e bebo-o de uma só vez. O silêncio é terrível! Onde estão os Homens com os segredos da floresta na palma das mãos?! A grande coruja branca e o voo celeste que carrega no dorso?! Os Mestres, os aprendizes, as alucinações, o medo; as orações subterrâneas de uma cripta em flor?!
Vai dormir, Pedro. Porquê essa inquietação?! Porquê esse viver depois da vida?! Esse morrer respirado que encontras na seiva de cada pensamento, no ópio telúrico de cada palavra?
Amor e morte. Tudo o resto fulge, para depois desaparecer!
E a escrita aparece, normalmente pela madrugada; bela mulher errante com Primaveras de fogo suspensas nos cabelos e o perfume das flores apunhalado.
Seremos todos Serpentes! Teremos línguas de fogo e o poder da cura em cada escama.
Nos olhos guardaremos os delírios da noite, muito antigos! E o sopro silvestre do crepúsculo incendiará os amores perdidos pelas esquinas da cidade.
Uma luz ténue começa a invadir o céu. As árvores bamboleiam ao vento, lá fora, como majestosos pavões de clorofila.
Recolho-me novamente para o quarto com a perfeita noção que não cairei no sono.
Carrego a insónia ao colo, deito-a comigo na cama… beijamo-nos e não me lembro de mais nada."


Ainda de carácter autobiográfico, presenteia-nos com estes apontamentos poéticos:

"Enjoo-me de ser eu o ser dentro do eu que não sou."
e
"Não nasças esquerdino...
É o lado onde as borboletas nunca poisa."

Apesar do ambiente do livro lembrar um cenário cataclísmico, onde o sangue, as vísceras e a destruição nos rodeiam, não deixa de revelar um lado onírico que nos embala dentro deste caos.

"Vi um miúdo sentado na ponta de uma núvem...bem alto
Segurava uma cana, com a qual pescava todos os segredos do mundo."

in Milagrário Pessoal

          Gosto desta palavra: afeiçoar, e do seu duplo sentido: tanto significa desenvolver afecto, como moldar-se. Porque é isto que acontece – quando nos afeiçoamos muito a alguém ou a alguma coisa vamos ganhando pouco a pouco a forma dessa pessoa ou dessa coisa. Um homem e uma esposa chegam a tornar-se, ao fim de cinquenta anos de vida em comum, tão semelhantes como irmãos. Um cão velho imita a tosse do dono.
            Assim como nós criamos as línguas, também as línguas nos criam a nós. Mesmo que não o façamos de forma deliberada, todos tendemos a seleccionar palavras que utilizamos com maior frequência, e esse uso forma-nos ou deforma-nos, no corpo e no espírito. Um carroceiro, que os dicionários definem, quer como aquele que conduz carroças, quer como aquele que se comporta de forma grosseira, adquire pouco a pouco a natureza áspera dos tabuísmos que utiliza. Tabuísmo, poupo-vos por esta vez a consulta ao dicionário, é como chamamos às palavras e locuções consideradas chulas ou demasiado agressivas. Palavrões. Um político ganha com o tempo o aspecto esquivo, cinzento, pouco confiável, de vocábulos como constitucionalmente, compromisso, fracturante, etc. (longo bocejo). Os palhaços usam, ou deixam-se usar, por palavras largas e coloridas, (a prosódia é intolerável). Os militares – como os rappers – preferem monossílabos, acrónimos, termos sólidos e duros, como guerra, de origem germânica, quase um berro, com aqueles dois erres espinhosos que arranham a garganta.
            Podemos alargar esta tese para as diferentes nações, Claro que quanto mais ampla for a generalização maior o risco de errar. Feito o aviso, não custa atribuir a obstinada melancolia dos portugueses ao uso desregrado da palavra saudade, no fado, na poesia, no discurso dos filósofos e dos políticos. Seria interessante estudar o quanto o culto à saudade contrariou, vem contrariando, o esforço para desenvolver Portugal. Já a famosa arrogância e optimismo dos angolanos poderia dever-se à insistência em termos como bué (“Angola kuia bué!”), futuro, esperança ou vitória. No que respeita à alegria dos brasileiros, poderíamos talvez imputá-la a duas ou três palavras fortes que acompanham desde há muito a construção e o crescimento do país: mulato/mulata, bunda, carnaval.


Em Maio - «Somos o Esquecimento que Seremos»

Porque escolhi o livro de um autor pouco conhecido em Portugal? Ouvi falar dele numa Correntes D' Escritas (na Póvoa) em 2009, juntamente com o romance de Álvaro Uribe (A oficina do Tempo). E aqui ficou por casa. Até que outro dia tropecei nele. Olhei a capa, revi a sinopse e pareceu-me óptimo discuti-lo convosco. Há qualquer coisa neste título que nos faz querer espreitar, não é? Somos o esquecimento que seremos.

Pelas mãos da Quetzal, Faciolince tem este livro e também Receitas de Amor Para Mulheres Tristes

Deixo-vos, então, a história de vida do autor, as críticas ao livro e aquilo com que podemos contar. Espero que muita gente embarque nesta viagem.


"Héctor Abad Faciolince nasceu em Medellín, na Colômbia, onde também realizou os seus estudos - todos inacabados - de Medicina, Filosofia e Jornalismo. Após a sua expulsão da Universidade Pontifícia Boliviana (por causa de um artigo irreverente contra o Papa), viajou para Itália, onde se licenciou em Literaturas Modernas. Regressou à Colômbia em 1987. Nesse ano, depois de os paramilitares assassinarem o seu pai, foi alvo de várias ameaças de morte. Refugiou-se novamente em Itália, onde exerceu o cargo de leitor de Espanhol na Universidade de Verona. De regresso à Colômbia, traduziu autores como Giuseppe Tomasi di Lampedusa e Umberto Eco; dirigiu a Universidade de Antioquia; e deu início à sua carreira de escritor. Publicou quatro romances entre os quais Basura, que lhe valeu o Prémio de Narrativa Inovadora da Casa da América de Madrid. Publicou ainda um livro de contos, um livro de viagens, um dicionário pessoal e um livro de género incerto, Tratado de culinaria para mujeres tristes. A sua obra está traduzida para o inglês, o alemão, o grego e o português."

«Somos o Esquecimento que Seremos é a reconstrução amorosa e paciente de uma personagem: a do médico Héctor Abad Goméz que dedicou a sua vida - até ao dia em que foi assassinado em pleno centro de Medellín - à defesa da igualdade e dos direitos humanos. É um livro cheio de sorrisos que canta o prazer de viver, mas também mostra a tristeza e a raiva causadas pela morte de um ser excepcional.
Conjurar a figura do pai é um desafio que percorre consagradas páginas da História da Literatura. Quem não se lembra das obras de Kafka, Philip Roth, Martin Amis ou V.S. Naipul sobre o seu venerado ou questionado progenitor? A partir de agora também será difícil esquecer este livro pungente de Héctor Abad Faciolince, escrito com coragem e ternura.»

«Um livro tremendo e necessário, de uma coragem e honestidade arrasadoras. Por vezes, perguntei-me como é que terá tido a valentia de o escrever.» Javier Cercas, El País

«Um livro belo, autêntico e comovente.» Rosa Montero

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Feira do Livro de Lisboa entre a água e a música que recebemos!


Pois é... música é o que mais temos por parte da APEL. Parece que estamos sempre a bater na mesma tecla, mas é uma tecla que tem que ser muito batida: ao que parece!

Hoje, a Feira do Livro de Lisboa encerrou às 14 horas. Depois de vários dias de chuva, sujeitos à meteorologia, hoje caiu a gota de água final. Com chuva forte e vento, e ao fim de um par de horas abertos, lá ouvimos a voz que antes tinha dado as boas vindas aos visitantes fantasma, dizer que por hoje encerrávamos. No entanto, amanhã, à mesma hora lá estaremos, nem que seja para voltar a encerrar.

É triste que os livreiros e editores presentes tenham que receber estas noticias pelo sistema de som geral. É triste que poucos sejam os que são ouvidos nas tomadas de posição. O domínio dos grandes grupos e uma direcção que parece alheada do que é a realidade do mundo dos livros põe e dispõe e os outros vão de arrasto.

Acrescente-se a isto os problemas que estes pavilhões têm proporcionado. Um projecto mal pensado, que não tem em conta as necessidades de quem faz este tipo de eventos. Desajustados por fora e por dentro. Mal pensados, mal desenhados e mal executados. Materiais baratos que não aguentaram sequer 2 anos de montagem e desmontagem. Metem água! Literalmente metem água. Desde o primeiro ano que estes problemas se fizeram notar. Desde o primeiro ano que os editores tem prejuízos com estas entradas de água. O que foi feito para resolver?  Fita de isolamento colada sempre em cima da hora depois das casas arrombadas. Os serviços de apoio demoram mais que demais para acorrerem a todas as chamadas nestas alturas.

Os participantes continuam a pagar, para além das quotas da associação, inscrição nas Feiras do Livro e aluguer dos pavilhões, preços diferenciados para todos os pavilhões e tudo se paga, desde estantes montra porque o pavilhão não as tem de origem, o degrau para as gavetas mais altas que também não está incluído.... cada metro que ocupamos, cada peça se paga e no fim o que fica?

A APEL já devia mudar de nome e deixar de ter editores e livreiros no nome e passar a outra coisa qualquer! Conheço muitos exemplos de associações, umas melhores outras piores, mas esta é a única que nunca tem voz para com os seus associados!

Dia de Mãe, pelas letras e pelo blogue

Em dia em que se festejam as mães, o blogue não poderia deixar passar em branco. Destacam-se dois poemas e, um deles, em livro publicado recentemente.

A mais antiga comemoração dos dias das mães é mitológica. Na Grécia antiga, a entrada da primavera era festejada em honra de Reia, a Mãe dos deuses. O próximo registo está no início do século XVII, quando a Inglaterra começou a dedicar o quarto domingo da Quaresma às mães das operárias inglesas. Nesse dia, as trabalhadoras tinham folga para ficar em casa com as mães. Era chamado de "Mothering Day", facto que deu origem ao "mothering cake", um bolo para as mães que tornaria o dia ainda mais festivo.

Nos Estados Unidos, as primeiras sugestões em prol da criação de uma data para a celebração das mães foi dada em 1872 pela escritora Julia Ward Howe, autora de O Hino de Batalha da República.

No Brasil, em 1932, o então presidente Getúlio Vargas oficializou a data no segundo domingo de maio. Em 1947, Dom Jaime de Barros Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, determinou que essa data fizesse parte também no calendário oficial da Igreja Católica.

Em Portugal, o Dia da Mãe é celebrado no primeiro domingo de Maio, embora durante muitos anos tivesse sido comemorado no dia 8 de Dezembro, dia da Nossa Senhora da Conceição.

Em Israel o Dia da Mãe deixou de ser celebrado, passando a existir o Dia da Família em Fevereiro.

No Brasil é comemorado no segundo domingo do mês de maio. E é considerada uma data que move muito o comércio brasileiro, aliás tal como em Portugal que tem levado também esse caminho. 


Fernando Pessoa por João Villaret - O menino de sua Mãe



No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe


As mães crescem com os anos
As mães sobem uma escada até ao céu,
sobem e descem a escada longa dos filhos;
as mães olham para cima, firmam as mãos na escada
e pensam com os olhos. Ficam de pé ―morrem de pé
se for preciso― a pensar as estrelas. Cada uma delas
é um pulmão jovem, um alvéolo inviolável.
As mães crescem com os anos, tornam-se ramos
a baloiçar na escada: são perenes, persistentes
e mansas. As mães abrigam os pássaros no olhar,
tomam-nos nas mãos como oferta sagrada
e soltam-nos do alto da escada: voam, voam,
crescem contra as nuvens e são água, espuma,
exílio azul. Os filhos são os olhos das mães, aflitos
e saudáveis, à espera que floresça a flor fria
da amendoeira. Olhos que partem para regressar a si.

Nuno Higino (texto). Alberto Péssimo (ilustração).
mãe. E leva os filhos nos olhos como se os levasse pela mão
Letras&Coisas. 2011

domingo, 6 de maio de 2012

a importância da vitamina C


Como se todos os dias fosse morrer,
olhava para a lua,
e desafiava o sol,
a despachar-se.

Tinha os pecados em dia,
não fumava,
não bebia,
não roía as unhas,
comia vegetais
e vegetava.

Nunca cometeu a imprudência
de ir para o mar sem fazer a digestão.

Em dias de sol
usava um chapéu laranja ridículo,
no Inverno, um cachecol laranja,
também ridículo.

E tinha uns olhos de uva
e uns lábios de pêssego,
que a cada Inverno apodreciam,
o frio e a humidade, queixava-se,
fermentando o medo,
que com toda a força sufocava
com o cachecol laranja.

Uns olhos de uva
e uns lábios de pêssego
que por ninguém colher,
que por ninguém querer,
a cada Verão
murchavam, mirravam
e morriam,
apesar do chapéu laranja
com que evitava todas as pontas do sol.


Adeus meus queridos amiguinhos e até à próxima.



CORRECÇÃO: Por lapso de memória e enganado por um post antigo que replicava a noticia como se ela fosse de ontem, acabei por escrever tal qual como se tivesse acabado de acontecer! Decidi não apagar o post e manter a homenagem que não tinha sido feita aqui porque o blogue não existia.
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O meu imaginário e a minha consciência de cinema, particularmente de animação foram marcadas por este senhor. Vasco Granja divulgador de banda desenhada e do cinema de animação em Portugal, morreu esta madrugada em Cascais. Tinha 83 anos. E eu, gostava de não ter que fazer tantas homenagens obituárias nos próximos tempos!

Vasco Granja ficou conhecido sobretudo como apresentador de televisão, num programa na RTP que durou 16 anos. Parte do sucesso do programa deveu-se ao esforço de Vasco Granja em mostrar a animação que havia para lá das portas do castelo de Walt Disney. Foi desse modo que deu a conhecer personagens como Bugs Bunny e a Pantera Cor-de-Rosa, mas também histórias de bonecos de plasticina, sombras chinesas ou com ursos de peluche animados, a maioria das quais provenientes da então pujante cinematografia de animação do Leste da Europa.

A sua faceta de divulgador foi ainda mais notória na banda desenhada, devendo-se ao seu esforço continuado a publicação de "Corto Maltese", de Hugo Pratt, pela Bertrand. Deixa ainda, como espólio, uma grande colecção de revistas, álbuns e desenhos originais de banda desenhada.

Pelo seu incansável trabalho de divulgação da banda desenhada e do cinema de animação, foi galardoado com o Troféu Zé Pacóvio e Grilinho - Honra, no 7.º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora, em 1996, tendo antes recebido o Grand Prix Saint Michel Para a Promoção da BD, em 1972. Na XI Monstra – Festival de Animação de Lisboa, que distingue o melhor filme de animação português de 2011, foi entregue pela primeira vez o Prémio SPA/Vasco Granja. O prémio, fruto de uma parceria entre o festival e a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), no valor de cinco mil euros, é, de acordo com a organização, um incentivo à produção de cinema de animação em Portugal. Na sua primeira edição foi ganho pela animação "O Sapateiro" de Vasco Sá e David Doutel.

Com o lançamento do livro que lhe foi dedicado pela ASA em 2003, Vasco Granja - Uma vida... 1000 imagens, Vasco Granja transformou-se ele próprio numa personagem de BD, com a homenagem que os mais conceituados autores nacionais lhe fizeram, desenhando cada um uma história em que é o protagonista. Participaram neste volume José Carlos Fernandes, José Garcês, Augusto Trigo, Catherine Labey, José Pires, José Ruy, Pedro Massano, Luís Diferr, João Amaral, Irene Trigo, Carlos Roque, Estrompa, Artur Correia, Rui Lacas, sob argumentos de Jorge Magalhães.

Embora tenha escrito e traduzido inúmeros textos sobre BD e Animação, o único livro editado da sua autoria foi Dziga Vertov (Livros Horizonte, 1982), sobre um célebre documentarista russo.


Dziga Vertov participou intensamente no esforço criativo e informativo proporcionado pela Revolução de Outubro. Tem uma sólida e bem estruturada actividade da montagem de filmes documentários. Nunca desperdiçou um fotograma... Esteve em várias frentes de combate ideológico, esclarecendo o povo acerca dos acontecimentos que davam origem a uma nova Sociedade.

A sua filmografia é vasta e exemplar. Frequentemente incompreendido na sua época, os seus filmes acabaram por se impor, influenciando a cinematografia soviética e numerosos cineastas do mundo inteiro. Desenvolveu o conceito de que o cinema deve recusar sistematicamente a utilização de estúdios e de actores, focando a vida tal como ela é.

O Cinema e a Televisão do nosso tempo deram razão a Vertov.

Este volume contém os traços essenciais da vida de Vertov, refere os seus principais filmes, analisa as implicações que tiveram na época em que surgiram. A bibliografia final é um ponto de partida para o melhor conhecimento de Dziga Vertov.


Como ele próprio diria: "Adeus meus queridos amiguinhos e até à próxima."