sábado, 17 de julho de 2010

Sempre a mesma Pessoa...

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer !
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não !

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Livro do mês

Antes de mais, queria agradecer à Constança a escolha deste livro. Apesar de saber o autor por nome, estava longe de imaginar que escrevia de uma forma tão pausada e poética. Na verdade, sempre admirei a cultura Oriental, mas confesso que só havia lido Mishima. Vou coleccionando outros nomes como Kawabata ou Junichiro Tanizaki, naquilo a que chamo a 'descoberta de uma identidade', uma forma de estar totalmente diversa da nossa.

Este livro trouxe-me à memória o livro 'A salvação de Wang-Fô e outros contos Orientais', de Marguerite Yourcenar. Não pela temática. Mas pelo regresso ao Oriente onde tive a sorte de ter estado durante um mês.

Ler 'Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô' de Gao Xingjian foi como pintar um quadro. Se não soubesse a sua biografia, talvez me apercebesse que ele é, de facto, pintor. Neste conto (que dá nome ao título) esta observação parece-me importante. Até pela métrica usada. Vemos páginas carregadas de vírgulas, sem fazer grandes parágrafos onde o leitor é convidado a marcar o ritmo. Mas, em contrapartida, as palavras que Gao usa são escolhidas a dedo; o que nos leva, forçosamente, a ler com atenção o texto sob pena de perdermos o seu sentido.


As imagens que este conto me despertou foram as das férias na Aldeia. Nasci numa cidade, mas sempre tive a sorte de ter o campo bastante presente entre Barcelos, Guimarães e Águeda. Em Águeda, por exemplo, recordo-me dos banhos no rio e das lavadeiras a esfregar a roupa na pedra.

Comparei esta imagem de um rio limpo (onde se podia tomar banho e lavar a roupa) ao rio do conto. O rio é hoje um local não muito apropriado para mergulhos e as lavadeiras à moda antiga desapareceram. O rio deste conto é a chave entre o passado e o presente, entre uma infância e o regresso à terra, já adulto. O caudal secou e tudo mudou à sua volta.

O que realmente comove o leitor é a recordação do Avô. De uma forma pessoal, posso dizer que também eu tive uma infância carregada de boas memórias passadas com o meu Avô (infelizmente um deles não cheguei a conhecer). Outra imagem é a deste menino a olhar com admiração para o objecto quase sagrado: a cana de pesca. Fez-me lembrar as canetas e a lupa que o meu usava. Não sei se concordam comigo, mas há algo de 'Divindade' nos nossos Avós. Diria sabedoria, respeito, conhecimento...

A cana de pesca tem um enorme simbolismo neste conto. É como se fosse ela a narrar a história. E a forma irónica como o autor termina o conto, descrevendo as mudanças que transformaram a aldeia num sítio irreconhecível e o rio no banco de areia com espinhas de peixe, transporta-nos, igualmente, para a recordação de infância do personagem - uma cana feita de bambu - e a sua vida actual - uma cana de pesca moderna e o Avô morto.

Acaba por ser frio este final. Mas esta frieza não deixa de ser a lei da vida: onde tudo muda, evolui, começa e termina.

Gostaria de juntar três opiniões sobre a discussão gerada por esta escolha. E fica, desde já, o meu conselho: deixem-se levar por este pedaço de escrita. Rapidamente serão absorvidos.

Elisabete Teixeira: 'Esse é um dos livros que tenho cá por casa mas, não sei porquê, nunca me despertou muito a curiosidade. Vou ficar atenta às opiniões da leitura conjunta...'

Leonel Pereira Dias: 'Adorei o livro dele A MONTANHA DA ALMA. Já o reli, porque este escritor escreve maravilhosamente bem. Pinceladas poéticas com as palavras; narrativa filosófica como modo de vida; a alma de um povo intemporal. É um livro digno de ser lido.'

Maria Isabel Matos Pereira: 'Pescar à linha é uma forma de estar na vida. É um olhar para o tempo de forma enternecedora... sobretudo quando, no verão, uma ou outra libelinha poisa de asas abertas no topo da cana de pesca... a cana de pesca e a libelinha... tudo está sereno acima da linha de água... no lago ou rio ou mar o tempo é bem diferente... há um isco chamativo e predador... E a inocência do pescador à linha e da libelinha termina quando o peixe é fisgado... e o olhar deixa de ser terno para se transformar num olhar em espiral "fúsica" e mortal.'

O caçador de tesouros, Jean-Marie Gustave Le Clézio

Clézio chegou à minha estante no ano em que ganhou o Nobel da Literatura, 2008. Demorei a pegá-lo, andava entregue a outras aventuras. Mas a sua hora chegou, em Novembro do ano passado.

Confesso que já o tinha aberto há uns meses, mas ficou pendurado nas primeiras 50 páginas. Nada que me assuste, porque pondero os livros que compro e lei-os sempre até ao fim. São um investimento intelectual, um modo de vida, valem dinheiro. Não desperdiço, portanto, páginas.


Talvez esta mania de 'nomeáveis' para prémios Nobel não seja uma boa ideia. Nesse ano falava-se nos suspeitos do costume: Vargas Llosa, Philip Roth, Cormac McCarthy ou ainda do nosso Lobo Antunes. Chegou o anúncio e saiu J.M.G. Le Clézio. Uma surpresa.

Conclusão: não hesitei em comprar este - até porque esgotou num curto espaço de tempo.

A história deste livro é bastante boa. Tem que ser saboreada pouco a pouco (o tamanho pequeno da letra ajuda!).

Viajamos com o mar como nosso motor. Passamos muito tempo em Rodrigues, no arquipélago das Maurícias. Percorremos a infância de duas pessoas que se afastam. Na ilha trabalhava-se muito. O rapaz parte em busca do mar que nunca deixa de ser uma extensão da sua personalidade. E leva-o em busca de um tesouro, marcado num mapa, num local bem afastado da sua origem. A sua obsessão é tão grande que se torna num solitário. Mas vai encontrar uma pessoa de uma tribo muito fechada por quem se apaixona e com quem vai ter diálogos desconcertantes.

Deixo, aqui, um deles.

"Porque é que procuras ouro aqui?"
"O ouro não vale nada, não se deve receá-lo. É como os escorpiões, que só picam quem os receia."
"Vocês, os do grande mundo, pensam que o ouro é o que há de mais forte e desejável, e é por isso que andam sempre em guerras. Em toda a parte, para possuir ouro, as pessoas estão dispostas a morrer."

domingo, 11 de julho de 2010

Uma cana de Pesca para o meu Avô.

O livro foi escolhido em Junho e apresentado no dia 10. O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Um dia que me leva sempre a uma viagem de 18.000km, e aos encantos de um jardim onde muitos avós de juntavam, com ou sem "cana de pesca", com ou sem netos. Onde a distâcia da minha Ocidental Praia Lusitana se diluia na dimensão da amálgama de gente que se juntava naquele jardim. A ausência de silêncio retirava-lhe o encanto, sempre, nessa alturta. Os avós e os netos permaneciam diliuidos na multidão. Era um momento de intervalo nos ritos de passagem da heterogeneidade. O Oriente. As suas gentes.
Uma Cana De Pesca para o o Meu Avô. O livro. O conto. Uma viagem no tempo. No Tempo sincrónico. No Tempo-Lugar. No Tempo emocional. O Regresso ás Origens no apelo da memória afectiva, no desejo da manutenção da identidade, como se a identidade fosse estanque e permanecesse inerte naquele ponto do mapa onde adormecemos a angústia.

Está aberto o desafio. Um mês depois, 30 dias de calendário, convido-vos a deambularem neste quinto conto, que dá titulo à obra. A descobrir a imagens que se procuram nos cheiros e nas cores de outros tempos, nas ruas inexistentes. A procura do Homem na senda das suas origens, na tentativa de justificar "um" Hoje.

Pergunto, O que tem esta história de tão oriental que nos afaste da identificação com a imagem?

"Quando cresci, percebi que os verdadeiros caçadores não eram tagarelas, se os companheiros do meu avô voltavam sem uma parte da caça era porque passavam o tempo a tagarelar.(...)"

Constança.