sábado, 17 de novembro de 2012

Cronicando pela Ásia... Os adeptos de futebol

A Ásia é conhecida pelo fanatismo quase religioso com que acompanha o futebol. A liga inglesa é capaz de ser a mais apreciada. Vi muitos adeptos do Manchester United, Chelsea, Arsenal ou Liverpool. Não sei como anda "a onda" em 2012. Mas foi o que vi no meu périplo em 2009. 

Mourinho treinava um clube Inglês. Cristiano Ronaldo tinha eliminado o Porto na Liga dos Campeões pelo Man U, em pleno Estádio do Dragão (estava eu em Macau, acabado de chegar de 20 e muitas horas de voo).

Entre os jogadores mais populares está, claro, Ronaldo. Sempre que dizia que era português, normalmente observavam logo - "ohh, Cristiano Ronaldo!!". Portugal podia ser no Norte da Rússia, na linha tropical da América do Sul ou algures na Macedónia! Duvido que a maioria soubesse onde era.

São estes os heróis do que o Oriente mais aprecia e ama. 

E ali, no meio dos milhões de pessoas com que me cruzei, tive um dia que me enche de orgulho clubístico. De todas as centenas de camisolas de clubes que vi, apanhei uma do Futebol Clube do Porto. Foi na Tailândia e, claro está, não resisti a tirar foto... 


Rodrigo Ferrão

J. K. Rowling em romance. «Uma Morte Súbita» será um sucesso ou um flop?

Chega às livrarias no dia 21 deste mês, o primeiro romance de J. K. Rowling. E há coisas que me levam a pensar que não vai resultar. Acho que há pequenos aspectos que me perturbam, logo à partida...

Primeiro: a capa. Bem sei que a edição portuguesa que a Presença está a lançar é igual à internacional. Mas, para primeiro romance para adultos de uma das maiores recordistas de sempre de vendas de livros juvenis, acho que ficou muito aquém.

O título também está mal escolhido: «Uma morte súbita». Se me guiasse pelo mesmo sem saber nada, é bem provável que o ignorasse. Ou este livro é um hino ou eu não volto à leitura de livros de J.K. Rowling.

Por fim, o preço e o número de páginas. Cobrar 21.90€ por 496 páginas parece-me uma aposta ao lado.

Não sei. Posso estar redondamente enganado. Já achei que alguns livros não iam dar em nada e venderam bem. E vice-versa: não dar nada por um livro que vendeu como farturas. Como tal, para não me armar em futurologia, fica a sinopse e algumas críticas ao livro da escritora.


«Uma Morte Súbita é o primeiro livro para adultos de J. K. Rowling, a mundialmente famosa «mãe de Harry Potter». Acolhido com enorme expectativa, este surpreendente romance sobre uma pequena comunidade inglesa aparentemente tranquila, Pangford, começa quando Barry Fairbrother, o conselheiro paroquial, morre aos quarenta e poucos anos. A pequena cidade fica em estado de choque e aquele lugar vazio torna-se o catalisador da guerra mais complexa que alguma vez ali se viveu. No final, quem sairá vencedor desta luta travada com tanto ardor, duplicidade e revelações inesperadas? Um livro a não perder.»

«Um romance imponente, ambicioso, brilhante, profano, divertido, profundamente perturbador e eloquente. Um livro bastante comovente pela mão de alguém que compreende a um nível profundo e não só os seres humanos mas também a essência do romance.»
Time Magazine

«Um romance pleno de perspicácia e engenho, esplendidamente delineado, e terminado com inteligência. À altura do talento de J.K. Rowling como contadora de histórias.»
The Economist

a-ver-livros: o gato e Escha van den Bogerd

Releio Pina
- e,

apesar dela não ladrar,
sei que há um gato que se passeia
a meu lado
num passo inconstante
que ecoa saudade
e poesia

* para conhecer mais da pintura da holandesa Escha van den Bogerd
siga o link www.eschasgallery.com


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Cronicando pela Ásia... Banguecoque (Capítulo IV)

Banguecoque, 17 de Abril 2009
Capítulo 4

A tarde ia ser passada ao longo do rio. Muitos planos se fizeram naquela tarde. Mas só vi metade do planeado. De qualquer forma, o passeio foi muito diversificado. Numa cidade de contrastes. O velho e o novo. O pobre e o rico. O esplendor e o degredo.

Primeira experiência: apanhar o skytrain (monocarril) e visitar a parte nova da cidade. Aqui está algo que nunca tinha feito. E que só repeti por terras Asiáticas: em Kuala Lumpur (mas esse relato ficará registado mais à frente).


O objectivo era apenas mirar algum templo que aparecesse, ver os mercados e as lojas modernas da parte cosmopolita da cidade. Mas cosmopolita é um termo dúbio por estas bandas. Sim... os edifícios são enormes e espectaculares. Existem lojas de luxo e centros comercias de porteiro à porta. Mas esta ostentação convive de mãos dadas com os vendedores ambulantes que aparecem por todo o lado a fazer comida e a vender aquilo que podem ao estrangeiro ou a quem passa. É um verdadeiro rebuliço, sempre a 1000 à hora. O pobre nem tem tempo para se cruzar com o rico. E o estrangeiro convive com os dois mundos.

O rio proporcionou um belo passeio. As margens estendem bonitos templos e casas. Mais à frente, apanhei o skytrain. Parecia uma criança. Nunca tinha imaginado a sensação de viajar por cima de uma cidade. De ver as coisas a partir do céu. De repente tudo aquilo me pareceu cheio de sentido - o belo e o feio; o novo e o velho. Foi nesse momento que ganhei o meu próprio ADN Asiático.


A cidade nova é um desfilar de prédios altos. Colossos vestidos de capitalismo desmedido, centros comerciais de grande porte, local de peregrinação de consumo em massa. Mercados infindáveis de roupa, tecnologia, as melhores e as piores lojas no mesmo piso. Foi ali que vi os primeiros pedintes. Não é comum ver pobres a pedir. Ali sobrevive-se, não há tempo para parar e viver da esmola. Quem pára, provavelmente morre rápido.

Almocei já a tarde ia longa. Um pequeno conforto para o estômago. Comprei um cartão para a máquina fotográfica. Era preciso começar a reportagem e já não havia memória suficiente...

Parti para a estação com um objectivo: um bilhete de comboio para o Cambodja.


Rodrigo Ferrão

1º Parágrafo: O Meu Nome é Legião


Os suspeitos em número de 8 (oito) e idade compreendida entre os 12 (doze) e os 19 (dezanove) anos abandonaram o Bairro 1º de Maio situado na região noroeste da capital e infelizmente conhecido pela sua degradação física e inerentes problemas sociais às 22h00 (vinte e duas horas e zero minutos) na direcção da Amadora onde julga-se que por volta das 22h30 (vinte e duas horas e trinta minutos) hipótese sujeita a confirmação após interrogatório quer dos suspeitos quer de eventuais testemunhas até ao momento não localizadas furtaram pelo método denominado da chave-mestra


Dia do Desassossego... e no dia seguinte ninguém morreu!


A Fundação José Saramago vai celebra esta sexta-feira os 90 anos do nascimento do escritor, realizando o primeiro "Dia do Desassossego", que a entidade pretende transformar numa festa cívica e da cultura. Passam esta sexta-feira, 90 anos sobre o nascimento de José Saramago, na Azinhaga. Para marcar a data, a Fundação com o nome do escritor e prémio Nobel da Literatura organiza uma iniciativa a que chamou o "Dia do Desassossego".

Um dia que vai chamar-se assim daqui para a frente, todos os anos a 16 de Novembro.

A programação para celebrar o 90º aniversário, desenhada pela Fundação, pretende «desassossegar» os leitores, incentivando-os a saírem às ruas de Lisboa com a obra "O Ano da Morte de Ricardo Reis". Neste dia, apela a Fundação José Saramago, os leitores devem recordar e inspirar-se nas palavras do Prémio Nobel: "Escrevo para desassossegar os meus leitores"; e, são convidados a sair à rua com as suas obras para ler e partilhar.


Manifesto Dia do Desassossego

“Escrevo para desassossegar, não quero leitores conformados, passivos, resignados”, disse José Saramago pelos cantos do mundo e, pela última vez, na apresentação de “Caim”, para muitos mais do que um romance, um grito para romper com a indiferença.

Nunca a sociedade precisou tanto de seres humanos desassossegados, capazes de mostrar colectivamente a inquietação e, a partir dela, elaborar alternativas que nos devolvam a racionalidade. O Dia do Desassossego é uma chamada de atenção. Somos seres pensantes e queremos viver enquanto tal. Não somos
massa, nem um número, nem uma estatística, e muito menos um rebanho dirigido. Somos homens e mulheres capazes das maiores proezas, incluindo a de sorrir em tempos sombrios, porque decidimos que ninguém nos gela o sangue nem nos corta a respiração.

“Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo”, escreveu Ricardo Reis-Fernando Pessoa. E José Saramago mostrou-lhe esse espectáculo no ano da sua morte porque sempre soube que contemplar é um passo necessário, mas o segundo, tão urgente hoje como em 1936, é intervir, antes que intervenham sobre nós. Como pessoas, como culturas, como países. Neste Dia do Desassossego, quando José Saramago faria 90 anos, contemplemos o espetáculo do mundo pela sua mão. Caminhemos com “O Ano da Morte de Ricardo Reis” pelas ruas de Lisboa e, em cada esquina descrita, paremos para pensar, de cabeça levantada. Somos cidadãos desassossegados, gente que pensa e tem coração para sentir a força da beleza, da bondade e dos argumentos.

Saiamos à rua neste 16 de Novembro, desassossegados mas não vencidos, com as nossas capacidades despertas, a nossa sensibilidade afinada, seres de palavras, de memória e de gratidão. O desassossego será uma forma de romper todos os cercos.

A Fundação

a-ver-livros: previsão com Lucie Vézina

A planta há-de crescer
e há-de morrer
e os dias hão-de ficar parados
e as noites estupidamente longas

e as memórias parecerão um livro antigo
lido na infância
quando as plantas eram o milagre
das mãos verdes da mãe

* para conhecer mais do trabalho da canadiana Lucie Vézina
é seguir o link lucievezina.com

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Poema à noitinha... Pedro Homem de Mello

Últimas Vontades

«Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...

— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!»

(já agora, conseguem topar de quem é o testamento na imagem?)


*in Ecce Homo". Pedro Homem de Mello, além de poeta, foi também professor e folclorista.

A História por detrás da ficção. A origem deste Arco-Íris.

A superação dos regimes autoritários que se instalaram em alguns países latino-americanos entre as décadas de 1960 e 1970 não se processou por meio de revoluções ou insurreições político-sociais. A forma pela qual aqueles regimes foram ultrapassados foi, regra geral, por meio de transições que levaram aqueles países a vivenciarem a passagem de situações de autoritarismo para situações de democracia.

O regime militar comandado por Augusto Pinochet, imposto ao país após o sangrento golpe de Estado de 1973, somente foi derrotado politicamente depois do fracasso de diversas estratégias que postulavam um combate frontal contra a ditadura. Dentre estas estratégias encontram-se as tentativas de acção armada contra o regime – e mesmo contra sua representação máxima, ou seja, o próprio ditador – e também as diversas tentativas de mobilização de massas contra a ditadura que ficaram conhecidas como as protestas. Em ambas as estratégias acalentava-se a ideia de que era possível derrubar a ditadura de Pinochet como resultado de um ato ou de um movimento de força. Ao final de 1986, tornou-se absolutamente clara a impossibilidade de se derrubar a ditadura quer pela via armada quer pela via da luta social de massas, que havia mobilizado activamente diversos sectores sociais populares nos três anos anteriores.

Um dos elementos fundamentais que garantiu legitimidade interna e apoio social das elites ao regime autoritário, além da personalização do poder na figura de Pinochet e da orientação económica neoliberal, foi o seu projecto de institucionalização política expresso na Carta Constitucional de 1980. Este projecto delineado normativamente garantia o prosseguimento do regime autoritário mediante um plebiscito previsto para 1988, no qual se projectava a continuidade dos traços personalistas e institucionais do regime militar. No plebiscito de 1988, seria decidida a manutenção de Pinochet por um novo período de oito anos. Foi em torno da possibilidade de se politizar em favor da oposição o plebiscito de 1988 que foi se constituindo na sociedade chilena a crença de que se poderia derrotar politicamente a ditadura militar.


Dotada de uma condução multipartidária representada pelo "Comando por el NO", a oposição política a Pinochet foi capaz de derrotar o autoritarismo, adaptando-se às regras do jogo por ele impostas. Em função dos resultados eleitorais, sobejamente conhecidos, é possível interpretar de duas maneiras o revés eleitoral sofrido por Pinochet em 1988. Ele interditou a pretensão da ditadura de se projectar para o futuro e, em segundo lugar, desencadeou um processo de transição à democracia que iria se desenrolar dentro dos prazos e mecanismos que, em geral, haviam sido estabelecidos pelo regime.

Entretanto, o desencadeamento da transição se deu com Pinochet no centro do poder político, exercendo, em toda a plenitude, sua dupla função de Presidente da República e de Chefe das Forças Armadas. A aceitação do cronograma constitucional por parte da oposição significou que Pinochet pôde governar mais um ano e meio, sem nenhum contrapeso. Meses antes da entrega do poder, seus assessores conseguiram confeccionar um pacto decisivo com seus opositores, já àquela altura agrupados na multipartidária "Concertación de los Partidos por la Democracia". Consumado tal acordo e referendado maioritariamente num novo plebiscito, em 31 de Julho de 1989, evidenciou-se de maneira cabal que se cristalizariam, sob o risco de perdurarem ad eternum, uma série de territórios reservados, concebidos para bloquear, sem transgredir a legalidade, qualquer iniciativa reformista em matéria política que se propusesse desmontar a arquitectura básica do ordenamento jurídico-constitucional autoritário. Desta forma, a derrota eleitoral sofrida no plebiscito de 1988, seria convertida, assim, numa vitória política estratégica em 1989, uma vez que se aprovaram somente reformas superficiais na Constituição de 1980.

A aceitação de mudanças constitucionais que, no fundo, condenavam a oposição a uma posição defensiva, implicou objectivamente a legitimação daquilo que se passou a definir como enclaves autoritários. Esta expressão refere-se explicitamente a elementos que pertencem, por definição, ao regime autoritário e que perduram na experiência democrática que o sucede, impedindo que esta se transforme numa democracia política completa. Trata-se, assim, de uma intervenção directa por parte do regime precedente na expressão da soberania popular ou de alterações provocadas na vida democrática desejada pelo país, e que continuam vigentes mesmo depois de se ter vivenciado e vencido o mais pesado da transição. Em outras palavras, são problemas ou tarefas pendentes da transição que devem ser enfrentadas num contexto de ordem política pós-autoritária e que limitam o carácter plenamente democrático desta.



Filmado durante os dias do referendo de 1988, no Chile, o documentário dá um toque pessoal a este evento político. O referendo, finalmente, dá ao povo chileno a oportunidade de votar contra o ditador Augusto Pinochet. Tendo dividido os chilenos em dois: eleitores do Não e do Sim. Com a vitória do Não o povo chileno pode alegremente celebrar o fim do regime de Pinochet e da liberdade reconquistada, nas ruas.Este filme enfatiza também o facto de as pessoas terem que continuar a enfrentar os perigos do regime anterior. Realizado por Frank Diamand acaba por ser um dos poucos registos deste acontecimento.

1º Parágrafo: Auto dos Danados


Na segunda quarta-feira de Setembro de mil novecentos e setenta e cinco comecei a trabalhar às nove e dez. Lembro-me não por ter uma memória por aí além ou escrever o que me acontece num diário (nunca me interessaram diários ou poemas ou patetices dessas) mas porque foi o meu último dia de consultório antes de fugirmos para Espanha. Logo a seguir à revolução, em Abril do ano anterior, civis barbudos e soldados de cabelo comprido e camuflado em tiras vigiavam as estradas, revistavam automóveis, ou desfilavam lá em baixo, em bando, nas pracetas, comandados por um desses microfones incompreensíveis de sorteio de cegos que o marxismo-leninismo-maoismo reciclara. Semelhantes aos cães das praias, que trotam rente ao mar a perseguir um cheiro imaginário, juntavam-se nos montes do Alentejo para ladrar o socialismo aos camponeses sob um projector poeirento; percorriam o país em camionetas escavacadas a ameaçar os lojistas com as pupilas vesgas das metralhadoras; arrombavam as casas à coronhada brandindo mandados de captura diante de narizes estupefactos. Quanto a nós, visitávamos aos domingos os tios que sobravam do naufrágio da família, presos no Forte de Caxias por sabotagem económica, a verem as marés do Tejo subirem e descerem na muralha entre grades de celas e sovacos de pára-quedistas. Só a avó, já doente do cancro, navegava ao acaso na poltrona de inválida, de rádiozinho de pilhas encostado às farripas da orelha, contemplando a sorrir, sem entender, os democratas que de quando em quando rebolavam aos encontrões no corredor e vasculhavam o resto das pratas com o cano dos revólveres, repetindo os discursos estranhos dos altifalantes dos cegos.


a-ver-livros: vinha nova e Jean-Louis Brunati

Vens de escantilhão
pelos silêncios abaixo
e entras de roldão
pelas palavras acima

e há precipitação na forma
como usas o bacelo

Não sabes o quanto demora a formar
a vinha nova?

* para conhecer mais da pintura do francês Jean-Louis Brunati
siga o link www.artmajeur.com/jlbrunati

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Poema à noitinha... Harold Pinter

«Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida.»


*in «Várias Vozes»: é a reunião de toda a obra não teatral de Harold Pinter. Sob a forma de cartas, depoimentos, artigos, ensaios, poesia, prosa ficcional. O Nobel da Literatura, fala-nos dos temas que mais o impressionam no dia-a-dia. Publicado em 2006 pela Quasi Edições.

A Greve Geral «poética» do Porto

Conseguem ler Manuel António Pina na manifestação de hoje no Porto? (que pena faltar o "ainda").




*(Foto: Miguel Oliveira/Porto24)

1º Parágrafo: Comissão das Lágrimas


Nada a não ser de tempos a tempos um arrepio nas árvores e cada folha uma boca numa linguagem sem relação com as outras, ao princípio faziam cerimónia, hesitavam, pediam desculpa, e a seguir palavras que se destinavam a ela e de que se negava a entender o sentido, há quantos anos me atormentam vocês, não tenho satisfações a dar-vos, larguem-me, isto em criança, em África, e depois em Lisboa, a mãe chegava-se ao armário da cozinha onde guardava os remédios


a-ver-livros: sementes e Toni Demuro

Sento-me à tua sombra
e aguardo os frutos

uns que hei-de comer com ânsia

outros que hão-de ficar
caídos
a apodrecer na página que os viu nascer

ou a deitar semente

* para conhecer mais do trabalho do pintor Toni Demuro, da Sardenha,
siga os links onidemuro.blogspot.pt e www.tonidemuro.com


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Curso CONTEMPORANEIDADES NA LITERATURA PORTUGUESA - dos anos 80 aos nossos dias


Quem são os novos autores portugueses? O que os une e o que os separa? Em que nome escrevem e em que nome surgem em público? Numa época de novas tecnologias, novas formas de aparecer em público, crise económica, intelectual e ideológica, o que é preciso para se ser um escritor?

O século XXI trouxe novos paradigmas à literatura. A passagem de século é uma passagem temporal como outra qualquer, mas a verdade é que foi neste início de século até aos nossos dias que assistimos à explosão da Internet com as redes sociais, blogues e meios de divulgação. Com isto, os escritores saem do desconhecido para se tornarem figuras públicas facilmente reconhecidas na rua e cuja vida privada acaba por ser conhecida e confundida com a sua obra, de forma mais perversa do que antes porque o meio é, arrisco dizer, mais selvagem. Mas há excepções. E há diferentes tipos de leitores e, no limite, são os leitores que fazem uma grande parte do que um escritor é.

Depois podemos ainda reflectir sobre a razão da escrita. O que faz um escritor? Que tipos de escritores existem? O que nos confere autoridade para avaliar as intenções de um escritor? De que forma as intenções de um escritor alteram a forma como recebemos o texto e como o lemos?

Em Portugal proliferam novos escritores. Sofrem em bloco da “angústia da influência” procurando, a cima de tudo, a originalidade. A que custo? Em que nome escrevem eles?

20 e 27 de Novembro, 4 e 11 de Dezembro
(3ª feiras das 21 horas às 22 horas), na Livraria Pó dos Livros.
inscrição: 35€ - desconto para estudantes e desempregados (30€)
Inscrições: podoslivros@sapo.pt / Tel: 21 795 93 39

1º Parágrafo: O Arquipélago da Insónia


De onde me virá a impressão que na casa, apesar de igual, quase tudo lhe falta? As divisões são as mesmas com os mesmos móveis e os mesmos quadros e no entanto não era assim, não era isto, fotografias antigas em lugar da minha mãe, do meu pai, das empregadas da cozinha e da tosse do meu avô comandando o mundo, não a presença, não ordens, a tosse, um lenço saía-lhe do bolso e desarrumava o bigode, o meu pai prendia o cavalo na argola e a seguir apenas o restolhar da erva que esse sim, mantém-se, embora seco e duro até depois da chuva, na varanda os campos que conheço e não conheço, o renque de ciprestes que conduzia ao portão e além do portão com um dos pilares tombado os sobreiros e o trigo, a vila cada vez mais distante onde as luzes acentuam o escuro, um sítio de defuntos em cujas ruas trotava abraçado ao meu pai, assustado com os postigos vazios e a certeza que nos espreitavam dos amieiros da praça no tempo em que nada faltava na casa, a minha mãe no andar de cima a perfumar baús, a chávena da minha avó no pires e ela fixando-me com um olhar de retrato que atravessava gerações, vinda de um piquenique de senhoras de bandós e cavalheiros de colarinho de celulóide comigo a pensar se toda a gente continuaria aqui em conversas que o relógio de pêndulo afogava no coração pausado, uma tarde encontrei a chávena e o pires num canto da camilha e a cadeira sem ninguém, uma outra tarde os baús do andar de cima cessaram de cheirar só que dessa ocasião automóveis no pátio, senhores que me despenteavam numa lástima amiga


a-ver-livros: promessas e Nguyen Thanh Binh

Quando eu não puder
vais ler para mim
prometes?

Quando eu não puder
serás os meus olhos
a minha voz interior
a ponta dos meus dedos
no papel
seguindo as linhas
até ao meu fim

* para conhecer mais da pintura do vietnamita Nguyen Thanh Binh
é seguir o link www.binhstudio.com

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Poema à noitinha... Ricardo Reis

Estás Só

«Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.»

Ricardo Reis, in "Odes"
*Heterónimo de Fernando Pessoa

Cronicando pela Ásia... Os autocarros na Tailândia

Pausa no meu relato de viagem pela Ásia. Chegou a hora de fazer uma observação. 

Os autocarros na Tailândia são de condições discutíveis. Mas posso dizer que muitos deles são bem melhores do que aqueles que há aqui na Europa. Assim como as autoestradas. Servidas, em muitos troços, por três vias.

Não. O desenvolvimento na Tailândia não está assim tão atrasado! Para vos dar uma ideia, atravessar o país de sul a norte (24 horas de camioneta) fica barato. E viaja-se quase sempre de forma confortável. É normal até haver mantas para dormir e ser servido um snack e uma cola.

Os problemas: filmes em Tailandês. Pior... só mesmo se for karaoke (o que também abunda). Outro: o ar condicionado. Eles têm um fascínio estranho pelo frio, quase ao ponto das pessoas gelarem. Posso dizer-vos que as mantas são mesmo necessárias.

Nestas longas viagens pára-se pouco. E é habitual darem-nos uma senha para refeição numa "área de serviço" (incluído no preço do bilhete). Cuidado com a comida que escolhem! O meu conselho é: perguntem bem o que têm à frente. É que não há muito para variar nas estações e correm o risco de comerem coisas estranhas.

Voltando aos autocarros... há para vários estilos e gostos. Os que preferem aventura, podem sempre escolher o estilo «Indiana Jones». Mas também há os «modernos». Dentro destes ainda podem escolher entre uma viagem «normal» ou «vip». Não faço ideia como são os autocarros vip, mas os normais são bem bons. Por fim, há muitos "janela aberta", ou seja, com ar condicionado de borla. Mas torçam para que a viagem seja feita a uma boa velocidade... De outra forma, assam rápido!

Quanto ao estilo dos autocarros... alguns chegam a ser obras de arte. Eles decoram tudo. Por dentro e por vezes por fora. Ora vejam lá a foto deste...



Rodrigo Ferrão

1º Parágrafo: Não é Meia Noite Quem Quer


Acordava a meio da noite com a certeza do mar a chamar-me através das persianas fechadas, voltava a cabeça na direcção da janela e sentia-o a olhar para mim conforme o som dos pinheiros a olhar para mim e as vozes dos meus pais, no fim do corredor, a olharem para mim para mim, tudo me olhava no escuro repetindo o meu nome, perguntava
- O que é que eu fiz?



a-ver-livros: miados e Nicole Wong

Todas as palavras que leio 
soam a miados
uns mais lentos, suaves, como quem diz ternura
outros mais acentuados, arranhados,
como quem diz traição

outros mais silenciosos
perfeitos 
como quem diz adeus

* para conhecer mais do trabalho de Nicole Wong siga os links
thesundaypainter.blogspot.pt e www.etsy.com/shop/PainterNik

domingo, 11 de novembro de 2012

Tango

(ao domingo) Letras Focadas
“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”

Hoje, as Letras estão focadas na escrita de Mário Nuno Neves.
De um universo intimista e profundamente vivencial, Mário Nuno Neves, solta a pena e faz-nos "vestir" a sua pele através da sua visão estética da vida.
Publicado no seu blog (http://www.ataraxiaponia.blogspot.pt), partilho um texto onde o Tango é muito mais que uma forma de dança. É o sentir a vida de forma intensa, vivida na primeira pessoa; onde os prazeres são estados puros de alma.
Deixe-se levar, nesta dança que se faz de forma poética, corrida na ponta da pena.

"Há muita gente que gosta de Tango e pouca que o consiga perceber.
Só percebe o Tango quem gosta do excesso e com ele faz o exorcismo do medo.O medo existe e persiste e que por insistência se torna um hábito, uma irrelevante à qual não se liga.
Só percebe o Tango quem prefere a decadência ao apogeu. Quem sabe que é no desmoronar paulatino que paira a essência da vida, filtrada, tornada aroma, indefinida, ex-acto.
Só percebe o Tango quem vive em prazer e dor e se entedia com os estados intermédios.
Só percebe o Tango quem obriga a alma a sacrificar o corpo até ao colapso.


Astor Piazzolla - Otoño Porteño


Tela de Mário Nuno Neves

Falar em Tango é também falar em Buenos Aires.
Porque Buenos Aires é um tango e o tango que ela é tem passos e acordes da dignidade furiosa de quem se mata morrendo por paixão.
Buenos Aires é uma senhora idosa que no salão de chá - inaugurado ainda o seu pai usava calções - lancha vagarosamente, olhando o mundo vendo dentro de si.
Buenos Aires é uma mulher madura que caminha, segura, na Floridita, parando em cada montra para observar em cada vidro o espelhar dos olhos de quem a deseja.
Buenos Aires é uma rapariga de seda puída por todas as enxergas em que entregou, a troco de quase nada, o corpo que julga seu.
Buenos Aires gosta de fingir que é uma Barcelona nas margens do Sena.
Buenos Aires é uma lágrima.
Uma lágrima que não vê, não por ser transparente mas porque nunca brota.
Uma lágrima de quem se conformando nunca se conforma.
Uma lágrima de quem sabe tanto e que por isso mesmo gostaria de não saber nada.
Buenos Aires ilude a alma vermelha com um palácio cor de rosa.
Buenos Aires chora quem falta e ri de quem a julga.
Eu bem que podia fazer de Buenos Aires o meu túmulo desde que para tanto fosse enterrado de fato completo, escuro e de bom corte.
De outra forma não."

MNN

*«Letras Focadas» é uma crónica organizada por Elsa Martins Esteves 

O Bairro dos livros foi ontem... Ficam algumas fotos!

Gosto particularmente da ideia de lerem no Eléctrico. Recorda-me a infância. Quando o eléctrico rasgava a cidade por muitas rotas e destinos.

Ontem foi mais um Bairro dos Livros. E hoje o blog mostra um pouco dessa festa. Em torno dos livros e da leitura. Para todas as idades, nas livrarias tradicionais do Porto e em espaços do centro da cidade.




*fotos retiradas da página do Facebook - Bairro dos Livros

a-ver-livros: a musa e Dod Procter

Copiaste-me linha por linha
Transcreveste-me sem pudor
sílaba a sílaba, vírgulas e tudo

Fizeste de mim triste
e musa e muda
e personagem de romancete
com deve e haver 
de mão em mão

Um dia esquecido numa prateleira
de uma casa que não conheço


* para conhecer mais da pintura da britânica Dod Procter (1892–1972)
siga o link www.bbc.co.uk/arts/yourpaintings/artists/dod-procter

Para este a-ver-livros juntou-se o quadro de Dod Procter e a descoberta de uma canção de Sheryl Crow.

"The Book".

"I read your book
And I find it strange
That I know that girl and I know her world
A little too well
And I didn't know
By giving my hand
That I would be written down, sliced around
Passed down among some strangers' hands

Three days in Rome

Where do we go
I'll always remember
Three days in Rome

Never again

Would I see your face
You carry a pen and a paper
And no time and no words you waste
Oh, you're a voyeur
The worst kind of thief
To take what happened to us
To write down everything
That went on between you and me

Three days in Rome

And I stand alone
I'll always remember
Three days in Rome

"I read your book And what do I get
Do I get revenge?
While you lay it all out
Without any doubt
Of how this would end
Sometimes it goes
And sometimes we come
To learn by mistake
That the love you once made
Can't be undone

Three days in Rome

I laid my heart out
I laid my soul down alone
I'll always remember
Three days in Rome"