sábado, 11 de fevereiro de 2012
O que diz a Morte - poema de Antero de Quental
Aos 49 anos desaparecia Antero de Quental. Com um tiro na cabeça, a 11 de Setembro de 1891.
Hoje deixo-vos o poema "O que diz a Morte."
"Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. -
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia."
in Sonetos
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
a-ver-livros: À volta de Botero
É para esses quadros que olho. É neles que me perco. Não em detalhes circunstanciais como o facto de, na adolescência, o pequeno Fernando ter chegado a andar dois anos numa escola para ‘matadores’ – mas era melhor no atelier com papel e pincel do que na arena com espada e capote.
Foi por essa altura da sua vida que se cruzou com um livro que lhe alterou o rumo. Teria uns quinze anos e abriu um livro de arte moderna. “Nem sabia que essa coisa chamada arte existia”, afirmou de memória. Muito mais tarde, já este mês, numa outra entrevista, diria: "O mais triste de morrer é não poder pintar. Parece que não nos deixam pintar lá em cima".
Enquanto não chega 'lá acima', lá para onde quer que ele acredite ir quando a morte o levar, Botero continua a inaugurar exposições por aí. Nesta altura está com uma individual no Centro Cultural Erico Veríssimo, em Porto Alegre, no Brasil. A seguir vem outra no Palacio de Belas Artes da Cidade do México. E a 19 de Abril, dia de aniversário, estará em Itália, para ser alvo de uma grande homenagem em Petrasanta, na Toscana, onde mantém uma residência.
Isto tudo se o vento dos tempos não arrancar páginas ao livro que ainda tenciona viver. Sobre livros, além daquela menção ao que lhe abriu os olhos para o mundo da arte, não encontrei outra referência. Mas encontrei uma frase bem interessante: "Nos meus quadros há coisas improváveis, não impossíveis". Vai ter que servir para encerrar este texto. Afinal, o interessante é mesmo contemplar as telas com livros dentro, não é?
P.S.: Caso queiram assistir a um video de Dezembro último sobre a arte de Botero com uma pequena entrevista ao próprio, encontram-no neste link.
http://www.castyourart.com/en/2011/10/19/fernando-botero-kunstforum-vienna/
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Os Livros Estão Sempre Sós
"Os livros estão sempre sós. Como nós. Sofrem o terrível impacto do presente. Como nós. Têm o dom de consolar, divertir, ferir, queimar. Como nós. Calam a sua fúria com a sua farsa. Como nós. Têm fachadas lisas ou não. Como nós. Formosas, delirantes, horrorosas. Como nós. Estão ali sendo entretanto. Como nós. No limiar do esquecimento. Como nós. Cheios de submissão ao serviço do impossível. Como nós."
Ana Hatherly, in 'Tisanas'
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Fevereiro com Penelope Fitzgerald
Assim reflecte José Riço Direitinho para a edição Ípsilon do Público.
O livro saiu em 2011 pela mãos do Clube do Autor.
Sobre ele, ainda se sabe pouco. Vejamos a sinopse:
Inglaterra, 1959.
"Florence Green vive na pequena vila costeira de Hardborough, longe de tudo, e que se caracteriza precisamente por aquilo que não tem. Florence decide então, contra tudo e todos, abrir a primeira e única livraria da terra.
Florence compra um edifício abandonada há anos, gasto pela humidade e com o seu próprio fantasma. Como se não bastasse o mau estado da casa, ela terá de enfrentar as pessoas da vila que, de um modo cortês, mas inabalável, lhe demonstram a sua insatisfação com a existência da primeira livraria local. Só a sua ajudante, uma menina de dez anos, não deseja sabotar o seu negócio.
Quando alguém sugere que coloque à venda a primeira edição de Lolita de Nabokov, a vila sofre um «terramoto» subtil, mas devastador. E finalmente, Florence começa a suspeitar da verdade: uma terra sem uma livraria é, muito possivelmente, uma terra que não merece qualquer livraria.
A Livraria é uma obra-prima acerca do mundo dos livros, dos sonhos e das vicissitudes da vida, sob a forma de uma história envolvente e original."
Quanto à autora, "Penelope Fitzgerald é uma das mais notáveis vozes da ficção britânica. Depois de se licenciar em Somerville College, Oxford, trabalhou na BBC e durante a guerra foi editora de um jornal literário, geriu uma livraria e ensinou em várias escolas, incluindo uma de teatro. Autora de nove romances, três dos quais – A Livraria, The Beginning of Spring e The Gate of Angels –estiveram na shortlist para o Booker Prize, ganhando o prémio em 1979 com Offshore. O seu último livro, A Flor Azul, em 1995 foi eleito como o Livro do Ano."
«De todos os romancistas da língua inglesa do século XX, Penelope Fitzgerald é indiscutivelmente a maior… Consistente e convincente.»
Spectactor
«Uma narrativa maravilhosa e penetrante.»
Times Literary Supplement
«Um livro original que se lê com muito prazer.»
Financial Times
«Simultaneamente sábio e triste. Um livro vivamente recomendado.»
Library Journal
A Livraria é a escolha deste mês para leitura conjunta. Foi a Cristina Correia que apresentou a sugestão. Aqui vamos nós!
Agüeros: Seremos a tua memória
Ana Almeida
--- <3 ---
na 8th Street
entre a 6th Street e a Broadway
há sapatarias suficientes
com sapatos suficientes
para me fazer pensar
por é que há gente descalça
à face da Terra.
tens que despedir o Anjo
encarregue da distribuição.
on 8th Street
between 6th Avenue and Broadway
there are enough shoe stores
with enough shoes
to make me wonder
why there are shoeless people
on the earth.
You have to fire the Angel
in charge of distribution.
reserva-me um lugar no céu, numa nuvem,
com Índios, Negros, Judeus, Irlandeses, Italianos,
Portugueses, e imensos Asiáticos e Árabes, e Hispânicos.
eu não me importo que eles ponham
a música demasiado alta
ou que deixem as janelas abertas –
eu gosto do cheiro das comidas étnicas.
Mas Deus,
se o céu não for integrado
e se alguns dos Anjos forem racistas
eu juro que não vou aparecer
porque, Senhor,
eu já vi o inferno.
--
reserve a place for me in heaven on a cloud
with Indians, Blacks, Jews, Irish, Italians,
Portuguese, and lots of Asians and Arabs, and Hispanics.
Lord,
I don’t mind if they play
their music too loudly,
or if they leave their windows open –
I like the smell of ethnic foods.
But Lord,
if heaven isn’t integrated,
and if any Angels are racists,
I swear I’m going to be a no-show
because, Lord,
I have already seen hell."
P.S: Jack Agueros morreria dois anos e três meses depois deste post, a 4 de Maio de 2014. O seu cérebro foi doado para estudo ao Taub Institute for Research on Alzheimer's Disease and the Aging Brain no Centro Médico da Universidade da Columbia, nos Estados Unidos.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
a-ver-livros: De Poynter a Kipling, passando vagamente pela senhora que está na sala a ler com um gato aos pés
Sir Edward John Poynter (1836–1919) foi um barão e pintor inglês que chegou mesmo a ser presidente da Royal Academy e director da National Gallery. Devido a uma saúde débil na juventude, costumava passar os invernos na ilha da Madeira. Devem ter-lhe feito bem, que o rapaz cresceu com garbo, casou-se com uma beldade famosa à época, que lhe daria três filhos, e só morreu já com 83 anos, num sábado de manhã.
Filho do arquitecto que desenhou o londrino hospital de St. Katherine, neto pelo lado materno do eminente escultor Thomas Banks, Sir Edward continuou toda a vida ligado a gente do mais alto gabarito. Até porque a mulher tinha três irmãs e Georgiana casou-se com outro artista reputado, Edward Burne-Jones; Louisa foi mãe de Stanley Baldwin, três vezes primeiro-ministro do Reino Unido; e a terceira, Alice, imagine-se, deu à luz o poeta e escritor Rudyard Kipling - que receberia um Nobel da Literatura em 1907!
Nada como ligações familiares deste calibre para justificar que junte a este quadro o poema que se segue. Do sobrinho Kipling, pois claro. Sim, o tal que disse 'A mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso uma mulher extremamente sábia para dominar um idiota.' Será que se referia à senhora que está na sala a ler com um gato aos pés?
"A FÊMEA DA ESPÉCIE
Se o camponês do Himalaia encontra um urso feroz,
ele grita para o monstro, de modo a baixar-lhe o facho;
mas a ursa fêmea, acossada, mostra as garras, mostra os dentes,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.
Quando Nag, a cobra, astuto, ouve passos descuidosos,
se arrasta às vezes, de lado, evitando algum empacho;
mas a sua companheira não se arreda do caminho,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.
Quando os Jesuítas pregaram para os Hurons e os Choctaws,
rezavam por não ser presas do feminino penacho,
que elas – e não os guerreiros – é que os faziam tremer,
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.
O peito tímido do Homem explode sem dizer nada,
pois da Mulher por Deus dada não se dispõe com despacho,
mas a história do marido confirma a do caçador –
pois a fêmea de uma espécie é mais mortal do que o macho.
O Homem, urso em muitos casos, verme ou selvagem em outros,
propõe negociações e reconhece o contrato;
só muito raro é que torce a lógica da evidência
até a extrema conclusão, num imperdoável ato.
Medo ou tolice é que o impelem, antes de punir os maus,
a dar julgamento justo ao vilão mais irreflexo.
O júbilo aplaca-lhe a ira; dúvida e pena não raro
pasmam-no em muitas questões – para o escândalo do Sexo!
Mas a Mulher por Deus dada cada fibra de seu corpo
numa questão só aplica, de ânimo aceso em fogacho;
e por concluir a questão, prevendo falhas futuras,
a fêmea da espécie tem de ser mais mortal que o macho.
Quem Morte e tortura enfrenta pelos que tem junto ao seio,
não a detêm pena ou dúvida – não se curva a fato ou piada.
Isso é diversão para homens, de que a honra dela não pende;
Ela, a Outra Lei que nós temos, é aquela Lei e mais nada!
Ela não pode dar vida para além do que a engrandece,
como a Mãe do Infante ou como Companheira do seu Par;
e quando, faltando Infante e Homem, clama o seu direito
de femme (ou barão), é o mesmo o equipamento a empregar.
Com convicções é casada, pois faltam laços maiores;
suas rusgas são seus filhos, e ai de quem disso se esquece!
Não terá frios debates, mas pronta, desperta, instante,
a guerrear por esposo e filho, a fêmea da espécie.
Sem provocações e ameaças, a fêmea do urso assim briga;
e com a fala que envenena e rói, a cobra sem dó;
e vivisseção científica do nervo até que ele seque,
e de dor se estorça a vítima – como com o Jesuíta a squaw!
Assim é que o Homem, covarde, quando se ajunta em concílio
com seus bravos companheiros, para ela um lugar não rende
onde, em guerra com a Consciência e a Vida, levanta as mãos
a um Deus de abstrata justiça – que mulher alguma entende.
O Homem sabe! E sabe mais: que a Mulher que Deus lhe deu
deve ordenar sem impor-se, sem obrigá-lo ao agacho;
e Ela sabe, pois o avisa, e Seus instintos não falham,
que a fêmea da Sua espécie é mais mortal do que o macho!"
domingo, 5 de fevereiro de 2012
As janelas do mundo, em Fevereiro a de Xi Chuan
"Esta é a única janela da sala onde eu moro. Construído sobre as fundações de um antigo mosteiro, transformou-se em residência de artistas, no 10º. bairro de Paris, onde resido. Só olho através desta janela quando estou a fumar." - Dennis Cooper
Quando eu olho para fora, pela janela, vejo carros a passar na ponte. Nada mais." - Xi Chuan
Livros que deram filme: Este País não é para Velhos, Cormac McCarthy
Dirigido pelos irmãos Coen em 2007, foi um dos filmes mais premiados no ano seguinte. Melhor filme, melhor realização, melhor argumento adaptado e o Oscar para Melhor Actor secundário - Javier Bardem (tornou-se no primeiro actor espanhol a conquistar a estatueta).
O filme conta igualmente com as participações de Tommy Lee Jones e Josh Brolin nos principais papeis.
Quanto ao livro, está publicado pela Relógio D'Água.
Em crítica ao jornal Expresso, Ana Cristina Leonardo disse:
«O cenário da acção é, como já o era em todos os títulos da Triologia da Fronteira, a América profunda que havia também fascinado Faulkner. Um caçador de antílopes a contas com o passado, Llewelyn Moss, encontra por acaso, ao lado de um monte de cadáveres, uma mala com dois milhões de dólares. Alguma coisa correu mal no que se percebe ter sido uma transacção de droga e o único sobrevivente é um mexicano moribundo que implora por água. Moss não tem como lhe matar a sede, mas tomará duas decisões morais que lhe irão determinar a vida (e a de outros) para sempre: rouba a mala dos dólares e volta ao lugar do crime para dessedentar o homem.
A partir deste fait-divers tantas vezes glosado, McCarthy produz um romance poderoso, um western moderno e metafísico que nos confronta, num registo slow motion que lembra Rulfo, com a condição humana no que ela tem de mais terrível.»
Para percebermos melhor o filme / livro, fica o convite da sinopse:
"A história desenvolve-se nos dias de hoje, na fronteira do Texas com o México, onde ladrões de gado dão lugar a traficantes de droga e onde pequenas cidades são agora zonas abertas de combate.
Llewellyn Moss encontra uma carrinha cheia de cadáveres, um carregamento de heroína e dois milhões de dólares no banco de trás. Quando pega no dinheiro, dá início a uma cadeia de reacções de violência catastrófica que nem a lei pode controlar.
Com temas tão antigos como a Bíblia e tão sangrentos como os títulos dos jornais actuais, No Country for Old Men é um triunfo."
Boa leitura. Bom filme