sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A vida normal

Carla Machado deixou, neste mundo, o seguinte texto:

'Todos passamos a vida a desejar a vida que não temos. Queixamo-nos do emprego, dos colegas que são chatos, do chefe que não nos dá valor, do muito que trabalhamos e do ordenado que é fraco. Reclamamos do tempo, que chove e não se pode ir à praia, que não chove e faz mal à agricultura, do sol que é pouco ou demasiado, do suor, do frio e do vento, do calor que nunca mais se vai embora e do Verão que nunca mais chega. A família cansa-nos, mas odiamos quando esta nos ignora; dizemos mal do amigos sem os quais não sabemos passar; suspiramos pelo fim do serão em que as visitas se vão embora, mas despedimo-nos combinando um novo jantar. Estamos fartos dos filhos, mas passamos o tempo a falar deles e a mostrar as suas fotografias aos amigos. O barulho que fazem enlouquece-nos, mas o silêncio da sua ausência é insuportável. Queixamo-nos do marido ou da mulher, que não são como dantes, que nos irritam, que não nos surpreendem, mas suspiramos quando nos faltam e reclamamos quando fazem alguma coisa com a qual não contávamos.Estamos no Algarve a suspirar pela frescura do Minho, no Minho damos por nós desejosos da brisa costeira, na cidade irrita-nos o artificialismo e em Trás-os-Montes formigamos com a ânsia de fugir à ruralidade. E do país, todos nos queixamos do país até ao momento em que "lá fora" concluímos com um orgulho disfarçado que realmente "comer, comer bem, só mesmo em Portugal". De queixume em queixume, passamos pela vida muitas vezes sem deixar verdadeiramente que a vida nos atravesse. E só quando somos roubados ao quotidiano que tanto maldissemos damos conta do tempo que perdemos nos lamentos sobre o tempo que os outros nos fazem perder. Há pouco mais de um mês, numa consulta que era suposto ser de rotina, foi-me diagnosticado um tumor. Felizmente benigno, como soube após 24 horas de espera. E, tal como seria de prever, naquele momento inicial em que o espectro de algo mais grave ainda não tinha sido afastado, o meu pensamento imediato foi: "Mas afinal porque é que eu estou aqui, afundada em Braga a trabalhar, em vez de ter já há muito tempo fugido para Bora-Bora?" Passado contudo tal instante, e nas 23 horas que se seguiram, foi da vida normal que tive saudades antecipadas. A vida normal: trabalhar, ir ao cinema, abraçar quem amo, rir-me das pequenas parvoíces do quotidiano, ver a minha filha a dormir e sentir o seu cheiro. A vida normal está aqui mesmo ao lado. E aposto que Bora-Bora tem imensos mosquitos.'


PUBLICO, 24.8.2006

A Casa de Papel, livro do mês de Fevereiro

A Cristina escolheu, está decidido!

'A casa de Papel', de Carlos María Domínguez, é mais um livro que fala sobre outros livros. Continuamos, então, a ler histórias que narram o prazer de ler.

Por hoje, fica só a sinopse. O resto vamos ter que descobrir! Lendo...


'Os livros mudam o destino das pessoas: Hemingway incutiu em muitos o seu famoso espírito aventureiro; os intrépidos mosqueteiros de Dumas abalaram as vidas emocionais de um sem-número de leitores; Demian, de Hermann Hesse, apresentou o hinduísmo a milhares de jovens; muitos outros foram arrancados às malhas do suicídio por um vulgar livro de cozinha. Bluma Lennon foi uma das vítimas da Literatura.
Na Primavera de 1998, Bluma, uma lindíssima professora de Cambridge, acaba de comprar um livro de poemas de Emily Dickinson quando é atropelada. Após a sua morte, um colega e ex-amante recebe um exemplar de A Linha da Sombra, de Joseph Conrad, em que Bluma escrevera uma misteriosa dedicatória. Intrigado, parte numa busca que o leva a Buenos Aires com o objectivo de procurar pistas sobre a identidade e o destino de um obscuro mas dedicado bibliófilo e a sua intrigante ligação com Bluma. A Casa de Papel é um romance excepcional sobre o amor desmesurado pelas bibliotecas e pela literatura. Uma envolvente intriga policial e metafísica que envolve o leitor numa viagem de descoberta e deslumbramento perante os estranhos vínculos entre a realidade e a ficção.'

Brincar ou colar?

'Brincamos, ou colamos cartazes?'

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Cristina Correia em Fevereiro


'Olá Rodrigo.

Comecei a conviver com livros muito cedo.... O meu pai era editor e tinha uma gráfica gigante, para onde eu ia brincar juntamente com os meus irmãos. Mas só mais tarde é que me dei à leitura.

Estou desempregada, mas estou a fazer um trabalho em casa numa plataforma informática, que me ocupa algum tempo e me dá algum dinheiro.

Tenho uma filha com 14 anos, cuja paixão é a leitura, livros, bibliotecas e livrarias e um marido que também foi editor e que hoje é tradutor a tempo inteiro.

Gosto de música, acho que sou ecléctica, adoro cinema, adoro museus e de plantas e flores. Muitas.

Achas que chega, para me apresentares ao mundo?'

Chega Cristina... Mais que apresentada! Fevereiro está bem entregue com a tua escolha. Bem vinda a este grupo...

Vamos procurar definições... Hoje a minha palavra é: SAUDADE.

Uma pergunta. Algumas respostas.

Porque todos podemos ser escritores sem livro...


Manel Guedes De Oliveira: 'hoje cito-me: "tenho saudades de uma bela francesinha".'

Rodrigo Ferrão: 'Impossível enviar por correio... Aprende a fazer uma!'

Joana Liberal-Carvalho: 'Presenciar uma ausência que dói...'

‎Rodrigo Ferrão: "O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
(Mário Quintana)

Rita Pimenta: 'essa encaixa comigo hoje... tenho muita.'

Mariana Jones: ‎"Saudade, palavra triste quando se perde um grande amor", cantado por Maria Bethania

Rodrigo Ferrão: 'Ou Gal Costa:'



Chantelle Lopes: ‎"As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade..."

Zé Alberto Ortigão: 'Saudade? Muita....'

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ao fechar o livro o sonho começa


LIBRARY from singsfish on Vimeo.

"Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles (...) que passamos na companhia de um livro preferido. Depois que a última página era lida, o livro tinha acabado. Era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem ruído, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo." - Marcel Proust

Todos nós, leitores apaixonados, temos algumas dessas lembranças especiais. Quando vasculhamos a nossa memória em busca de nossas lembranças de leitura, descobrimos que várias delas estão associadas ao prazer e à felicidade de ouvir uma história. À medida que crescemos e continuamos a ter experiências positivas de leitura, aprendemos que o universo ficcional pode ser não só um refúgio importante para as adversidades da vida, mas principalmente um espaço de reflexão e de descoberta, no qual aprendemos a lidar com essas adversidades. O resultado da leitura, permanece associado a sentimentos “positivos” como a alegria, a esperança ou o alívio trazidos pela ficção. Essa evocação de muitas emoções tende a ser mais imediata se nos tornamos leitores assíduos de poesia, onde a palavra ganha uma dimensão emocional maior.

Quando, enquanto leitores nos voltamos para a fruição dos textos estamos a usar o livro como um alimento para a imaginação. Quando, porém, procuramos ou lemos um texto para recolha de informações sobre o contexto estético, cultural, social e político em que foi escrito, estamos a fazer valer o seu poder de expandir a nossa memória, a abertura de portas para o passado, que nos põe em contacto com outros seres humanos, que registaram para a posteridade os seus sentimentos e convicções, a sua visão do mundo.

Enquanto guardo e mexo os livros de um lado para o outro, apertando aqui e ali nas prateleiras onde acaba sempre por haver espaço para mais um, faço milhares de associações, a lugares, a pessoas. Livro a livro, livro a livro, livro a livro. Passaria assim dias e noites. Desligado do mundo.

O livro de Janeiro, um dos livros desta vida...

É curioso como existe uma teia entre os amantes de livros.

Antes do Pedro Ferreira escolher 'Bibliotecas Cheias de Fantasmas', já o tinha comprado aconselhado pelo amigo Duarte. Antes de o ler, já estava a convidar o meu chefe a lê-lo.

Estava na estante à espera de ver casamento consumado. Passava por ele e namorava-o com estes olhos. O dia dele chegou. Assim como chega o dia de ler cada um dos que faltam ou aquele que põe um pouco das suas histórias neste espaço.

Sempre vivi numa biblioteca carregada de fantasmas. O meu pai transmitiu uma doença incurável.

O que mais me apaixonou neste livro foi saber que não sou louco. Nenhuma daquelas histórias me pareceu invulgar ou esquisita. Não!... o meu mundo sempre foi parecido com alguns relatos que são narrados por Jacques Bonnet.

... Da escuridão de um escritório onde as janelas já não se abrem porque o meu pai as transformou em estantes. Esta minha casa... que tem livros na sala de jantar, no hall de entrada, nos quartos, dentro de alçapões e fechados em gavetas - um mundo carregado de fantasia, de histórias, gravuras, do peso dos anos ou do cheiro do pó. Na literatura, arte, agricultura, natureza, museus - na minha imaginação, na história da minha vida, nos meus sonhos...


É humanamente impossível pedirem para eu ser o que quer que seja fora deste universo. Não consigo deixar esta paixão. Está-me no sangue, herdei-a. Nunca foi imposta, foi crescendo - como a minha biblioteca.

Identifico-me totalmente com a mensagem deste livro. Também já trago livros repetidos para casa, como o autor... Qual é o mal? Servem de prenda. E comprar livros com medo de não os ler todos? Quando morrer, vão parar a alguém. Digam, qual é o mal?

Agradeço-te Pedro. Este livro ajudou-me a compreender ainda mais aquilo de que sou feito. E a não desistir de perpetuar o ideal da memória dos livros. Do objecto e do seu conteúdo...

Amigos, por Miguel Esteves Cardoso



(basta clicar na imagem para ler)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

mulher sempre MULHER

M-1
Dentro dos seus braços sentia-me como um pássaro.
Voava. Voava.
Os pássaros parecem bichos felizes quando embalados pelo vento.
Aconteceram-me tantas coisas boas dentro daqueles braços.

M-2
Vi-a uma vez.
Uma única vez.
Tinha a elegância de uma princesa etíope.

M-1
Voava. Voava.

M-2
Fizeram o óbvio. Encontraram-se à porta de um hotel.
Não suporto pessoas óbvias.
Ele deu-lhe um beijo à porta do hotel.
O beijo que não me deu quando saiu de casa.
Eu segui-o.
Não é uma coisa bonita de se fazer.
É como pôr os cotovelos na mesa, não é uma coisa bonita de se fazer.
M-3
Um dia enchi-me de coragem e perguntei-lhe:
Porque é que não suportas o silêncio.
Respondeu-me que tinha lido num livro que para seduzir uma mulher era preciso falar mil horas.

M-5
Por vezes olhamos para alguém em vez de lhe tocar.
O amor não precisa de mãos, não precisa de pés, não precisa de corações.
O amor também não precisa de olhos.
A minha avó dizia: Quem o feio ama, bonito lhe parece.
Pelos vistos o amor tem que ser bonito?

M-4
Num casamento dizem-se coisas até que o fogo queima as mãos.
Eu disse tantas coisas.
Eu disse todas as coisas banais.
Só para dar um exemplo da minha banalidade, eu disse-lhe que era o amor da minha vida.
E disse-o vezes sem conta.
Ainda bem que ninguém se põe a contar as coisas que diz.

M-1
Um dia ofereceu-me um anel.
O anel era redondo.
Redondo, como todos os anéis.
Redondo, como devem ser todos anéis.

M-2
Não suporto pessoas óbvias.

M-4
Eu disse todas as coisas banais.

M-3
Nunca disse a palavra certa.
Talvez porque não há palavras certas ou palavras erradas.
A minha mãe dizia a palavra adequada. O que é incontrariável, a palavra adequada é sempre adequada.
M-2
Não suporto pessoas óbvias.
M-4
Eu acreditava no que dizia.
E somos felizes enquanto acreditamos no que dizemos.
Depois as discussões vão ficando mais amargas e as reconciliações deixam de ser doces.

M-3
A palavra adequada é sempre adequada.

M-4
Eu disse todas as coisas banais.

M-1
Voava. Voava.

M-2
Sim, segui-o.
Podem dizer que fiz o óbvio.
Não suporto pessoas óbvias.

M-1
As pessoas normais não casam com o amor das suas vidas.
As pessoas normais casam com pessoas normais e ficam casadas para o resto da vida.

M-2
Não suporto pessoas óbvias.

M-3
Quando a minha mãe o conheceu foi amor à primeira vista.
Os dois pediram um chá de camomila. Não há coincidências.
Eu pedi um café.
O café estava fraco.
Queimado. Amargo. Morno.
Não gosto do café morno.
Não gosto de chá de camomila.

M-1
Voava. Voava

M-5
Primeiro reparei na beleza dos seus pés.
Talvez o meu amor precise de pés.
Para mim tinha os pés mais bonitos do mundo.
Uns pés 42, talvez 43, sei lá eu que digo, até parece que sou sapateira.
Acho que aconteceu porque estávamos na praia.
Os pés normalmente andam calçados.
Pelo que não é fácil apaixonarmo-nos pelos pés das pessoas.
Eu sentada a um metro de distância dos seus pés, talvez menos, não tenho qualquer sentido para medidas.
Primeiro vi os pés, depois o perfil, talvez o nariz.

M-3
Bebiam o chá e falavam.
Bebiam o chá e sorriam.
Falam, sorriam, falavam, sorriam, falavam, sorriam…
Deixei de os ouvir.
Acho que deixaram de me ver.
Não me lembro bem.

M-1
Voava. Voava.

M-4
O Vinícius para escrever o soneto da Fidelidade casou sete vezes.
Que é como quem diz, reconciliou-se sete vezes com o amor. Inquestionavelmente um homem de fé.
Acho que há qualquer coisa na Bíblia que é setenta vezes sete, mas não me lembro o quê.

M-1
Não sei como é que aqui vim parar.
Então perguntaram-me:
A última coisa de que me lembro?
Fiz um esforço e consegui lembrar-me.
Lembrei-me das casas lá em baixo pequeninas, dos telhados vermelhos, das copas das árvores que pareciam bolinhas verdes, talvez berlindes.
...quase me apeteceu brincar.

M-3
Falavam. Sorriam. Falavam. Sorriam. Falavam. Sorriam.

M-1
Voava. Voava.

M-2
Ela era bonita.
Estava com um vestido lilás, talvez de seda.
Imagino-a no quarto do hotel.
Imagino-a na cama do quarto do hotel.
Consigo vê-la de vestido lilás na cama do quarto do hotel.
Qualquer pessoa dentro de um vestido lilás ficaria ridícula.
Ela ficava simplesmente irresistível.
Confesso que me apeteceu beijá-la também.

M-5
A praia estava cheia.
Mas, de repente ficou vazia.
Um céu cinzento, escuro e cinzento, prometia chuva.
Pelo que apenas os incautos se deixaram ficar na praia.
Eu e ele lado a lado.

M-1
Voava. Voava.

M-3
Há dias passei à frente do café.
Atravessei a rua e vi-os para lá do vidro, estavam na mesma mesa como peixinhos num aquário.
Peixinhos a beber um chá de camomila.
Há pessoas que têm tanto para dizer!
Não entrei. Acho que já disse que não gosto de café morno.
Não quero ser uma pessoa repetitiva.

M-4
“De tudo ao meu amor serei atento”
Num casamento também se dizem frases de poemas.
É só escolher, há tantos poemas de amor.
E quando o amor acaba?
Como é que ficam os poemas?
Continuam a ser ridículos?
Ou deixam de ser poemas de amor?

M-2
Não suporto pessoas óbvias.

M-5
Não choveu.
Já nem o céu cumpre o que promete.
O vento levou as nuvens e as pessoas.
E foi assim que vimos o nosso primeiro pôr-do-sol.
Como vêem os incautos também se apaixonam.
 
Raquel Serejo Martins



Depois do prazer de possuir livros, não há outro que seja mais doce do que falar sobre eles


“Depois do prazer de possuir livros, não há outro que seja mais doce do que falar sobre eles.” - Charles Nodier

No fim do livro fica a vontade de ler. Fica essa sede que também é citada. Para além do prazer de possuir e ler um livro nada funciona melhor para o completar como falar de livros. Junte-se a isso a interiorização de que os autores, mesmo aqueles que morrem, ficam por cá nem que seja pela vontade e pela busca que as suas obras continuam a motivar. Ficam muitas citações e muitos títulos para procurar. Ficam outros títulos como “A Casa de Papel” de Carlos María Domínguez ou “A Biblioteca” de Zoran Zivković, livros de estilos diferentes mas sempre em torno desta paixão pelos livros.

Fechar o livro “Bibliotecas Cheias de Fantasmas” é abrir uns tantos livros. A forma como o autor descreve os espaços, a sua biblioteca traz-nos à memória a imponência de uma criança numa biblioteca pública histórica. Tudo é tão grande e tão vasto. O cheiro dos livros, as suas página amarelecidas ou as capas que rangem suavemente com a abertura. Mil segredos por revelar. Enquanto existirem livros não serão suficientes para matar esta sede.

'A solidão dos Inconstantes', RSM - 2.ª parte ('As personagens')

Segunda parte.
As personagens:

Havia em mim uma vontade louca de fazer com que a Rita fosse mãe! Aliás, que fosse feliz.

Mãe acaba por ser. Feliz é que não sei.

Adorei o Nacho. Não gostei do Jacinto. Dou crédito ao 'mais inconstante', não ao cordeirinho que foge com medo da aventura.

O teu livro está carregado de personagens inconstantes. Ninguém é totalmente feliz - uns mais do que outros, mas à custa de sacrifícios.

Alguns foram totalmente infelizes. Uma mata-se com Valium e Vodka... Outros são frustrados. Mas sobrevivem.

Gosto das personagens mais velhas. Transmitem a sabedoria certa. Muita gente do campo. Dá um toque especial...


O que admiro na personagem principal: não cede. Tem uma natureza e justifica-se com ela. Segue o caminho. Acaba na Argentina.

Na verdade há coisas que gostei muito no teu romance. Primeiro, a frontalidade e nudez com que descreves as personagens. Ao pormenor, mas sem ser demasiado exaustiva. Na medida certa.

Todas as personagens se ligam à principal. Nem todas se cruzam fisicamente, mas tu fazes cruza-las em conversas paralelas.

De quem gostei mais? Da Júlia!

Aqui entre nós: és um bocadinho de todas, não és? Em certa dose, digamos...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sophia em exposição e livro

A exposição...

'Tivemos o gosto de comissariar, a convite de Maria Sousa Tavares e da Biblioteca Nacional de Portugal, a exposição apresentada por ocasião da entrega do espólio de Sophia ao Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea.

Seleccionámos as peças que a compõem, a partir de uma pré-selecção feita por Maria Sousa Tavares. Trata-se de manuscritos de correspondência entre Sophia e família ou amigos, de poesia e de prosa, em cadernos e em folhas soltas, onde há textos rescritos, versões acabadas e outras de trabalho em curso ou simplesmente começadas; há também impressos, vários dos quais com emendas autógrafas, e fotografias.

Além destes documentos, indicativos da diversidade e da qualidade do espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen, a exposição contém outros conjuntos de objectos que os complementam. Por um lado, primeiras edições e uma escolha de edições ilustradas. Por outro, peças de artistas plásticos e de fotógrafos oferecidas a Sophia pelos seus autores e que em muitos casos ilustraram edições de livros seus. E, finalmente, insígnias recebidas por Sophia em sinal do reconhecimento público que por diversas vezes lhe foi testemunhado e que fica a fazer parte da sua história.

O princípio geral de ordenação das peças expostas e do catálogo que lhes corresponde é o da cronologia; mas este critério dominante não foi aplicado de maneira rígida, porque entendemos fazer associações sugeridas por considerações de outra ordem entre peças e documentos diversos: por exemplo, aproximámos versões de um mesmo texto escritas em diversos suportes e em momentos distantes entre si, ou estabelecemos nexos entre fotografias e escritos.

Esta exposição, tal como o catálogo que agora se edita, pretenderam ser uma aproximação à vida e à obra de Sophia, construída a partir do seu espólio. Esperamos ter, de algum modo, atingido esse objectivo.'

Paula Morão e Teresa Amado


O livro...

'A exposição de textos, fotografias e outros objectos com que aqui se evoca a vida e a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) surgiu como um prolongamento natural da doação do espólio, pela sua família, à Biblioteca Nacional de Portugal, primeiro passo para a abertura do acesso de um público amplo a uma parte importante, de quase todos desconhecida, dessa vida e obra. A colecção mais volumosa do espólio é constituída por manuscritos de textos publicados e inéditos, de poesia e de prosa, inacabados ou em mais de uma versão, e por reflexões sobre poética ou sobre a experiência de escrever. Vale ainda a pena notar a relativa escassez de poemas inéditos, dos quais muitos não são mais do que esboços, inícios de qualquer coisa que não surgiu, ou até simples apontamentos de ideias. Sophia guardou muitas versões de trabalho, mas, para ela, o destino natural do poema acabado era a publicação. Se a poesia foi a sua maneira de viver, não a tratava como coisa sua. Escrevia para si e para o mundo.'

(sinopse do livro, Editorial Caminho - Paula Morão e Teresa Amado, 2011)

Poemas de Chiang Sing

Poema da frágil eternidade

Sou uma grande lágrima
nos olhos do Tempo.
Na noite forrada de silêncios
meu corpo tropeça nas horas e
segue pelos caminhos do Nada
sem nenhum destino...


Canção da brisa que passa

Que tristeza é esta,
trepadeira?
Que pássaro morreu
entre os teus ramos?


Canção quase-poema

Como atrever-me a pensar que
o brilho do orvalho sobre as rosas
é efémero, se eu mesma, ficarei
tão pouco tempo neste mundo?


Poema de jade-cinza

É a chuva da primavera que tomba
ou são as minhas lágrimas?
Não sei. Choro porque não existe
quem não lamente as pétalas
mortas do pessegueiro...


(Chiang Sing é mestre brasileira de Arte Floral Ikebana)
(Obrigado Isa pela partilha)