sábado, 29 de novembro de 2014

Life is a Zig-Zag


“Life is not a straight line. Life is a zig-zag.”

Um livro de Maira Kalman's, que abraça a incerteza e a imperfeição, através de uma história ilustrada com o alfabeto. 






                                                  


                                    

                                             
                                               








Artigo de Maria Popova, disponível em:
 http://www.brainpickings.org/2014/11/14/ah-ha-to-zig-zag-maira-kalman/


Snobidando: José Luís Peixoto

José Luís Peixoto in A Criança em Ruínas

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A Língua Morta de - Ruy Cinatti

Ruy Cinatti

Quando a lombada vira arte

*Desconheço autoria! Quem souber, que se acuse


Foto frase do dia: Judy Blume


A Lenda de Nogard - o prólogo

A Lenda de Nogard

Dedicado à todos os meu amigos e familiares.
À minha mãe, por me aturar e me amar sem reclamar,
À meus amigos, por aturarem Dragões e Bulks durante todo o processo criativo.

Prólogo

Houve um tempo, em anos passados, que as Nove Cidades Livres de Andor eram protegidas por Dragões. Cada Dragão possuía um poder e um elemento único, poderes jamais vistos e nunca compreendidos. Poderes da natureza, da vida e da morte. Alguns inclusive achavam que a natureza, a vida e a morte eram representados por eles mesmos. Os Dragões protegiam as cidades e o reino, de um mau antigo e duradouro, a Longa Sombra do Sul, o Falso Reino. O Falso Reino situava-se após a Floresta Escura, onde habitavam animais sombrios e que não ousavam deixar suas sombras, os Campos de Vitendor, onde a vigilância era voltada ao sul e nunca vacilava, e o Deserto Branco, com suas areias fantasmagóricas e inexploradas.

Pouco se sabia sobre os Dragões naqueles dias. Havia aqueles que passavam uma vida estudando seus hábitos, sua língua, sua origem, mas pouco era e foi obtido alem do que já era sabido. Eles eram irmãos e se chamavam dessa maneira nas raras vezes que falavam o idioma comum, o Andorin. Cada Dragão protegia sua cidade e suas províncias adjacentes, com uma fúria sem tamanho e um instinto misterioso. Nenhum Dragão obedecia aos homens, eram animais ferozes e não se deixavam domesticar. Por este motivo alguns os temiam e outros os odiavam, como o rei Arelon, que era conhecido como o Rei dos Homens e não o rei de Andor. Os verdadeiros reis de andor eram os Dragões, e assim o povo os chamava, para o desagrado de Arelon. Alguns diziam que os Dragões eram presos às cidades por uma magia muito antiga e poderosa, de um tempo a muito esquecido, dos primeiros povos de Andor, os Banedúim. Outros que eles permaneciam apenas por suas Torres-de-Dragões, onde recebiam alimento sem necessidade de caça, eram cultuados como Deuses e passavam a maior parte de seus dias descansando. O real motivo era um mistério, desde a construção das cidades pelo Falso Rei, Dorean.

Com Wargs, guerreiros Bulks e criaturas horrendas, controladas pelo Falso Rei, eles atacaram Andor durante anos. A ira de Dorean aumentava em seu coração, em forma de sombras e dor, e ele não buscava nada além de destruir aquilo que um dia criou.

Por mais seguras que fossem as Nove Cidades, suas províncias e toda a Andor, os ataques ocorriam. Fazendeiros perdiam animais para Wargs famintos, e Bulks mortos de fome invadiam cozinhas e despensas de vilas mais afastadas. Eles estavam espalhados desde o Portão de Gelo até Bolkur. Mas as invasões eram raras e quando ocorriam os Dragões protegiam o reino com louvor. Apesar de temerosos os homens de Andor os tratavam com amor e carinho, presentes e glórias, e eram retribuídos com proteção e fidelidade. Os dias eram claros e longos. O inverno era ameno e a primavera era bondosa. Não havia fome, as colheitas eram generosas, os rios repletos de peixes e Andor viveu a Era da Boa Fortuna. Uma era de alegrias e paz. E com os Dragões essa paz duraria por toda a eternidade.

A eternidade acabou há dez anos.

*Por Marco Antonio Febrini Júnior

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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Snobidando: Mário Cesariny

Em Todas as Ruas te Encontro, Mário Cesariny in "Pena Capital"

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo...
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
 

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Foto frase do dia: Cecília Meireles

Poesia em matéria fria: Eugénio de Andrade

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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Gonçalo Viana de Sousa - o Flâneur das Sensações

Meu querido José,

Chegou a chuva e o frio, com o entardecer dos breves e apressados raios de Sol deste Novembro de um ano que parece de brincar. O país lá continua, coitado, de pantanas! Mas isso não interessa muito, tivéssemos cá Fradique Mendes e teríamos aí os leitores batendo com a mão no joelho dizendo, «co’a breca, que maganão este!»
Mas deixemos lá as fradiquices e as crónicas, perdidas, deste, diria Almada, “país-centavos”.
Que é feito de si, jovem sonoro? Por onde anda? Que tem feito? Tem escrito? E essas investigações? Fale-me, pelo amor dos deuses! Não recebo nem uma linha sua! Nem um breve «estou vivo, a ler compulsivamente», nada! Já nem lhe peço a nossa tarde primeira, sinto-me como uma árvore a quem prometeram a Primavera e  só trouxeram vento e frio…
Pois bem, escrevo-lhe eu, pastor de silêncios, não de rebanhos, mas de sonhos.
Mande-me novas suas pelo estafeta da meia-noite. Um punhado de linhas, basta-me para sabê-lo benzinho.
Enquanto isso, deixo-lhe mais linhas, impublicáveis, horríveis!, sobre Nicosia e o mundo, ou talvez sobre nada disso, na verdade. Escute novamente a ópera de Berlioz que lhe recomendei. Nem Paganini gostou dela quando a viu, escutou, cheirou, pela primeira vez, sabia? Parecia ter sido uma encomenda falhada! Depois, após uma segunda experiência escreveu ao excelente compositor romântico francês dizendo que era das melhores coisas que tinha ouvido para violino, e não só! Imagine quanta não deve ter sido a alegria do formidável francês ao ler a missiva do inolvidável italiano. Partilhe-a com os leitores, se os houver! Se não houver leitores, partilhe com o silêncio, pois também não é mau.
Despeço-me que a missiva já vai longa e o estafeta hoje chegou mais cedo. Parto domingo para a Croácia, jovem literariamente malandro.
Abraços de Efraim e do
Seu

Gonçalo V. de Sousa.



“Romantismo (Haroldo em Itália - Marcha dos peregrinos)"

  De que me servem as longas descrições das indescritíveis paisagens verdes, infinitas e líquidas da Baviera? De que me vale ler escorridíssimos parágrafos, tísicos de naturalismo, sobre os belos bosques ingleses, sobre as magníficas florestas francesas? Que me adianta ouvir falar do nevoeiro da serra de Sintra e do Palácio da Pena, ou da chuva que pinga e pinga, constante e magistral pela Regaleira?
Precisamos sim de realidade que se veja, cheire, oiça e sinta.
Não passará essa realidade pelo papel, perguntas-me tu, Efraim bondoso e firme. Já não sei se passará, prezado. Já não sei, Efraim. Cada vez acredito mais que a realidade está na paisagem vista, assim como a beleza Absoluta, do Futuro, estará na Ópera. Mas se digo isto sinto Wagner apertando-me os calcanhares e não posso permitir um agrilhoamento tão fácil e gratuito. Wagner não foi nenhum deus. Quando muito uma besta, e, mesmo assim, devagar.
Como viemos parar, novamente, a Wagner e aos castelos e às verdades de papel e mentiras de realidade? Não sei. Não interessa.
Nesta varanda deste cosmopolita quarto de hotel, a noite é quente e sabe a sede de algo fresco com limão. Traz-me whisky com ginger e pedras, Efraim, e algum limão. Esta noite, assim tão calma e quente e seca é como uma antecâmara do que estará para vir quando a noite for profunda e condenada à luz da manhã e das coisas mundiais. O vento levanta-se com pequenos arrufos de um hálito que parece lavanda.
Lembro-me das altas montanhas italianas. Gran Sasso e os seus tímidos lagos soprando como flautistas de Hamelin. A música inebria, apaixona e faz viver. Tal como o Romantismo. Mas no Romantismo tudo é silêncio e efusão. Ordem e Caos. Novidade e Tradição, ainda que tudo pareça ser contra a velha tecedeira do tempo e dos costumes. O Silêncio importa, acima de todas as coisas. Só o silêncio é capaz de nos revelar os segredos mais íntimos da Natureza. O sentido das coisas.
Ser romântico é ser silencioso. Somos românticos desde o momento em que entendemos a importância do silêncio.
Somos todos românticos, Efraim, quer o aceitemos, quer o neguemos com todas as nossas forças. Não adianta. O Romantismo é condição sine qua non de qualquer existência, breve ou longa, preenchida ou vazia. E no final o silêncio de um violino gemendo, enquanto Haroldo se perde pelas montanhas de uma Itália que só existe nos olhos daqueles que sabem ver o outro lado das tempestades, mesmo quando o nevoeiro é espesso. Mesmo quando as dúvidas nos esmagam com as suas certezas.
Sim, meu butler, somos românticos. O resto não interessa.




Snobidando: Maria Teresa Horta

Segredo, Maria Teresa Horta, in “Poesia Completa”

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça ...

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

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A Língua Morta de - Herberto Helder

Foto frase do dia: David Gerrold

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Zombieland de Andrey Tarkovsky

A mulher que venceu Don Juan - Teresa Martins Marques vista por Julieta Monginho

A mulher que venceu Don Juan

 Teresa Martins Marques sabe contar a história, e sabe recontá-la a partir de um ponto de vista vigorosamente novo.

*Por Julieta Monginho, na Revista Visão


Escolha o leitor uma larga tarde, como aquelas em que deixávamos um filme por ver para ir ao facebook à procura do capítulo semanal do folhetim. Venha o leitor masculino com o desconforto de quem entra em terreno movediço. Sabendo de antemão que há-de ser uma mulher a vencedora do confronto, o triunfo que lhe resta consiste em não se identificar com o vencido Don Juan, o predador, aquele que destrói o outro para sobreviver ao combate que trava consigo próprio e com a sua imagem, personificação de vários tipos que, no seu grau mais virulento, se torna um "serial killer dos afectos", nas palavras da narradora.

 Nesta viagem de rigor e aventura, não tenha o leitor medo de se marear, mesmo quando subir para uma embarcação ao sul. Há-de saltar da beleza para o horror no mesmo parágrafo, tal como na vida. Há-de encontrar nas paisagens deslumbrantes o palco dos actos mais atrozes. Contrastes, dicotomias: entre força e fraqueza, entre realidade e aparência, entre liberdade e escravidão. A autora sabe ao que vem, trata de definir os campos em confronto. De um lado as personagens que sabem amar: Sara, a quem ao nascer todas as graças foram dadas. Bela, rica, bondosa, culta e ingénua, caindo na rede de um sedutor. Luís, o professor brilhante e ingénuo, também ele vítima de uma Doña Juana. Lúcia, a psicóloga de passado misterioso, anjo da guarda das mulheres em fuga. Manuela, a jovem que escapa à condição de vítima e se entrega ao estudo do Diário do Sedutor, de Kierkegaard, defendendo uma tese, intitulada "Retórica Amorosa de Don Juan. Sombras da Sedução", destinada a entender a origem profunda do donjuanismo. Da qual, apesar da persistência da dúvida filosófica, emerge uma ideia-força principal: Don Juan não ama as mulheres que conquista em série, através da arte da palavra: Amaro, cirurgião plástico, o mais odioso biltre; Joana, também ela fazendo vida da aparência, o correspondente feminino de Don Juan, no que constitui uma das especificidades mais interessantes do romance; Manaças, um  falhado, através de quem se  descrevem os métodos de sedução, num diálogo que evoca a conversa entre Don Juan Tenorio e Don Luís,  em  Don Juan Tenorio, de Zorrilla (1844).   

 O amor romântico não se opõe ao amor erótico, antes o integra como bênção fruída. O confronto dá-se com o amor assimétrico, baseado em relações de poder, o que redunda na negação do próprio amor. Afirma-se, isso sim, a crença na durabilidade da relação baseada no respeito, na liberdade, na doação. Nas palavras da narradora "amar é um verbo transitivo". Um verbo que pede um complemento, um alguém que é outro em si, prolongando a alteridade no novo ente relacional. Uma nova entidade que, não sendo simbiótica, transcende a mera soma aritmética. O amado integra-se neste novo ser, proposto e esculpido pelo amor.

No ensinamento que a autora nos deixa, um dos ingredientes do amor assimétrico, ou seja da negação do amor, é a ausência de liberdade, por oposição à sua presença no amor verdadeiro. Este preceito - só há amor em liberdade - é repetido ao longo do texto como um refrão, uma ideia que Sara repete para não claudicar, que todas as Saras devem pôr em prática para não perecerem. A liberdade e, acima de tudo, a lucidez da liberdade, não pode sucumbir perante a ilusão do amor idealizado. Esta afirmação de liberdade, contra as relações baseadas no domínio de um sobre o outro, estende-se ao laço filial, o que liga Lúcia à sua filha Joana. A autora aborda este laço por um ângulo pouco visitado na literatura, o da inversão dos papéis tradicionais de autoridade e tirania, como se desta feita fossem os filhos a engolir Cronos. De certo modo prolonga o questionar do instinto maternal, na senda, por exemplo, de Elisabete Badinter, na sua obra significativamente intitulada L'Amour en Plus, traduzido e publicado em português com o título O Amor Incerto. Este romance assume o propósito do que costuma chamar-se o empowerment da mulher, por oposição à sua nulificação. A começar pelas companheiras da Casa Abrigo, cada uma delas com o seu dote próprio, especialmente o de Maria para a cozinha, não importando a sua origem, aliás heterogénea. Ao ler as passagens em que convivem, numa leveza recém-adquirida, apetece-nos aplaudi-las, a elas e a quem, através das associações que as apoiam, no caso deste livro a APAV. A diversidade de origens das mulheres que habitam a Casa Abrigo serve à autora de pretexto, como tantos outros, para viajar através da riqueza cultural do país, de Trás-os-Montes ao Algarve, demonstrando que este território construído está inscrito num mapa inapagável, que a crise morde, mas não vence.

  Neste romance-ensaio muito terá a aprender sobre o amor, mas também sobre história, arquitectura, criminologia, sexo, música, gastronomia, língua dinamarquesa, pintura, cinema, automóveis, psicoterapias e organização doméstica. O folhetim e o livro são duas obras distintas, na estrutura, na consistência, no pacto narrativo. Ficou também um romance cuja ligação a quem lê não se esgota no acto da leitura. Não é Sara quem vence Amaro ou Luís quem vence Joana. No dia em que perdem o medo, deixam, simplesmente, de os alimentar, libertando-se do jogo em que, pelo temor e pela aceitação do sofrimento, tinham participado. Don Juan é vencido pela sua própria incapacidade de escolher. A autora será uma das raras mulheres, que ousaram abordar directamente a figura de Don Juan, aparecida em El Burlador de Sevilla (1630), depois de Zorrilla, Cervantes, Goldoni, Lorenzo da Ponte - o autor do libreto de Don Giovanni, a célebre ópera de Mozart - Balzac, Byron, Pushkin, Dumas, Baudelaire, António Patrício, Saramago, Almeida Faria. E todo o resto da vasta bibliografia oferecida pelo texto. "Vês, vês, eu também sei contar a história", diz Sara à criada/ama, no doce tempo da infância. Sim, Teresa Martins Marques sabe contar a história, e sabe recontá-la a partir de um ponto de vista vigorosamente novo.      


Texto de Julieta Monginho, para a Visão

Poesia em matéria fria: Leminski sempre

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

É do borogodó: fruta madura

a lua é fruta madura
no pálato negro de quem
por doce gosto teima
decifrar os passos
de suculenta criatura

Penélope Martins

imagem cinematográfica Georges Mèliés

Dom Quixote, por Ivan Junqueira

DOM QUIXOTE

Vai a passo Dom Quixote
em seu magro Rocinante....
Sancho Pança o segue a trote
pela Mancha calcinante.
Tudo é pedra, arbusto seco,
erva má, ermas masetas.
Não se escuta nem o eco
do vento a ranger nas gretas.
O que buscam o fidalgo
e o seu álacre escudeiro?
Peripécias, duelos, algo
que lhes recorde o cordeiro
quando abriu os sete selos
e fez soar as trombetas?
Buscam o quê? O que fê-los
ir tão longe em suas bestas?
Pois esse Alonso Quijano,
ao deixar a sua aldeia,
só buscava – áspero engano –
exumar o que, na teia
de suas tontas leituras,
eram duendes, hierofantes,
castelos, leões, armaduras,
dulcineias, nigromantes
e uma Espanha onde a justiça,
há tanto um tíbio sol posto,
fosse um bem que só na liça
pudesse ser recomposto.
Mas do triste cavaleiro
era tanto o desatino
que na cuia de um barbeiro
vira o elmo de Mambrino,
nas ovelhas ao relento,
uma tropa de meliantes,
e nos moinhos de vento,
uns desgrenhados gigantes.
Dom Quixote nunca via
o que aos seus pares narrava,
pois que só lia e mais lia,
e ao ler é que se encantava.
E assim do texto as imagens
saltavam – bruscas centelhas –
no amarelo das paisagens,
no ocre encardido das telhas.
Foi quando então, claro e fundo,
percebeu que o que ia vendo
nada tinha com o mundo
sobre o qual andara lendo.

Ilusão e realidade,
heroísmo e covardia,
sensualismo e castidade,
prosa pedestre e poesia
– eis os pólos do conflito
que somente se harmoniza
no humor de um cáustico dito
que nos fustiga e eletriza.
E o que redime o manchego
não é tanto aquilo que ama,
e sim o dom de si mesmo
no amor que doa a uma dama,
sem nenhuma recompensa
que não seja a do fracasso
ou da estrita indiferença
de quem sequer viu-lhe um traço.
De fala mansa e discreta,
que ao calar é que se escuta,
seu percurso é a linha reta
entre o que tomba e o que luta.
Vai a passo Dom Quixote,
ya el pie en el estribo.
A morte agora é seu mote.
Vai a sós. Vai só consigo.
 
*Ivan Junqueira
 

Antônio Fagundes lê excerto de "Galveias", de José Luís Peixoto


 
 


A Língua Morta de - João César Monteiro

NOCTURNO

hora de cães urinando
na dignidade dos candeeiros
hora suspensa...
de revólveres indecisos
hora vegetal de
poetas bêbedos
hora em que comigo
se cruzam os olhos bons
do Gomes Ferreira e eu
farejos com cio
a mulher nua que ele
leva nos braços
porque eu tive sempre
a certeza que ele levava
uma mulher nua nos braços
nesta hora terrível
de luas amarelas
nesta hora proposta
pela angústia dos relógios
nesta mesma hora aniquiladora
de consciencias burguesas
não pensem que me vou
lançar no Tejo
ou uivar até à lua
na estátua
do Marquês
ou apodrecer eternamente
nos bancos da Avenida
ouvindo o apito dos comboios
que partem para Paris
não
depois de passear pela cidade
a minha jovem experiência
digo jovem para não complicar
vou quando nascer o dia
a casa da Natália
preparar-lhe o pequeno almoço
Romeu pondo torrões de açúcar
no café de Julieta
ressuscitar o mito dos seus làbios
dançar a rumba vestido
de profeta bíblico
e ouvir a cantata da Paz
de Sergei Prokofieff
pedir-lhe-ei então
para me fazer um poema
ATENÇÃO NÃO SE MEXA
em que eu esteja
num tapete persa
com os braços erguidos
ordenando ao sol
que vá pelos subterrâneos
e pelos caixotes de lixo
inundar de luz e de amor
o homem escravizado
dizer-lhe que as horas
passadas e presentes
partiram dum mal entendido
que o futuro destruirá
ordenando ao sol
que golpeie os bárbaros
de raios e labaredas
para poupar aos homens
a experiência do ódio

- João César Monteiro
in Corpo Submerso, edição de autor
 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Snobidando: na cama com Flanzine e na lente de Mar Babo

Foi assim um dia Snob. Na lente de Mar Babo e na apresentação de Cama, a Flanzine #5. Estivemos todos lá, num dia feliz em Guimarães.
 

 
 
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a-ver-livros: o passeio

De passeio 
pelo olhar de outro
que não este
que recusa a fome
da palavra fértil 
De passeio 
pela respiração
que se altera na vírgula
inesperada
e pela tábua rasa
onde se erguem
castelos de tinta
De passeio, 
apenas

Ana Almeida

* para conhecer mais sobre o pintor holandês Gerard Boersma
siga o link www.gerardboersma.nl

«A mulher que venceu Don Juan», um livro de Teresa Martins Marques

"A Mulher que Venceu Don Juan" inclui no entrecho ficcional três personagens de fundo donjuanesco. Amaro Fróis, cirurgião plástico, procura nas mulheres a vingança de um passado tenebroso; Manaças, serial lover, recalca uma pulsão proibida; Joana colecciona os namorados das amigas. Os três serão vencidos: o primeiro por uma mulher que subestimou; o segundo pelo verdadeiro objecto do desejo recalcado; a terceira por uma presidiária, cujo companheiro seduziu. A protagonista, Sara Dornelas, escapa à morte e encontra o amor, realizando, pelo estudo, um sonho antigo. Dois seres de eleição, a psicóloga Lúcia e Paulo, comissário da polícia, assumem um papel decisivo no desmantelamento de uma rede tentacular e no castigo dos criminosos, unidos por ignorados laços de sangue. Travejada por diálogos vivos, ora dramáticos ora humorísticos, a acção decorre em múltiplos lugares, potenciando o efeito de real pela intrusão de figuras verídicas que interagem com as personagens ficcionais. Entretanto, Manuela, jovem doutoranda, prima de Doña Juana, prepara em Copenhaga, e defende com sucesso, uma tese sobre o Diário do Sedutor, de Kierkegaard, duplicando, no plano teórico, os meandros do desejo, no plano da acção, e gerando uma atmosfera de suspense até ao último fio da intriga romanesca.


*Por Teresa Martins Marques, Âncora Editora

Poesia em matéria fria: Chacal

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domingo, 23 de novembro de 2014

Aves de Rapina


Acordo, levanto-me, os pulmões, as mãos, o tronco, as pernas, os pés, tantas vezes trocados nos chinelos, o corpo cego pelo quarto, e vou abrir a janela.
No quarto o ar abafado, turvo, pesado, ranço, velho, malsão.
O ar da manhã a entrar no quarto, depressa no Inverno, devagar no Verão.
Levanto-me e fico, deixo-me ficar ou o corpo que não me obedece, depende, quase uma lotaria.
Fico à janela por minutos, horas, há dias em que os minutos parecem horas, a respirar o ar novo da manhã nova.
Fico, como uma personagem de Hopper, de olhos perdidos no vazio dos meus dias, de olhos cegos para lá da miopia e das cataratas, de olhos remelentos e aguados.
O mundo turvo. Sem perímetro definido. Cheio de vincos e rugas, como se velho também.
As árvores manchas verdes, os pássaros invisíveis, feitos de sons somente, ou quando em bando, uma vaga ideia de Primavera, e se aviões, raros, poucos, dependem dos ventos, esses sim lembram pássaros, e as nuvens visíveis dependendo do tamanho, no mínimo, para as perceber, têm de ter o tamanho de vacas, e se uma manada no céu, é bem provável que chova.
Fico, os velhos passam muito tempo à janela, como que hipnotizados pela vida.
Fico, pendente, pendurado, nas pequenas coisas, nas rotinas, nas minudências, às 9:00 o padeiro, às 11:00 o carteiro que às Terças-feiras coincide com a carrinha do peixe, às 14:00 aparece o gato para dar cumprimento à sesta no telhado em frente, mesmo prédio onde às 15:00, se Sexta-feira, entra um sujeito bem apessoado, fato escuro, chapéu em desuso, talvez óculos, imagino-o com óculos porque me lembra o Pessoa, um sujeito que não conheço nem sei ao que vai, o que sei é que naquela casa mora, sozinha e solteira, a moça mais jovem da freguesia, a Deolinda, ainda bonita nas suas 45 primaveras, às 16:00 a vizinha que leva o cão a alívio e passeio, e pouco mais.
Fico, como se a sossegar o corpo.
Preciso descansar dos trabalhos da noite.
A noite não é só sossego.
Um sono ave de rapina, o corpo desassossegado, despojado, roubado.
Corre que é ladrão e à noite todos os sons são pardos.
Ser velho talvez seja isto, passar as noites na companhia de fantasmas, porque ladrão nenhum, a mesma pobreza quando abro os olhos.
E eu sou o mais velho do mundo, um mundo pequeno feito de uma aldeia, uma dúzia de ruas com nomes de Revoluções e de defuntos que terminam na rua do cemitério.
Já ouvi dizer muitas vezes que o mundo é uma aldeia, filhos e netos que aparecem no café vindos de França, das Américas e até das Chinas, tenho as minhas dúvidas, mas não digo nada porque pouco viajei, não precisei de muito chão para viver.
O sono desassossegado (dizem que velho dorme pouco), mesmo se todas as noites, uma rotina, um capricho, antes de apagar a luz, confirmo se estou sozinho no quarto.
Corpo dobrado, joelhos no chão, olhos no pó debaixo da cama, das mesinhas de cabeceira, atrás dos móveis e, se é verdade que nunca encontro ninguém, também é verdade que nunca durmo desacompanhado, e não estou a falar do caruncho nos rodapés, que apesar de não o ver nem o ouvir bem vejo o mau resultado da sua existência.
Assim as noites, em alvoroço, sonhos maus, aves de rapina, nunca andorinhas e o seu trinado, ou rouxinóis, razoáveis tenores e pássaros tão do agrado de poetas ingleses, apenas sonhos sem encanto, quase pesadelos a encher as horas destinadas ao sono, intermináveis apesar de poucas, pois que aprendi com a idade, alguma coisa se aprende, a recolher-me ao quarto, não como uma galinha ao poleiro mas de madrugada, antes da hora baça da alvorada, para de pupilas dilatadas cumprir o resto da noite, até o medo ceder lugar ao cansaço, pois que mesmo o medo precisa de descanso.
E o meu único consolo: Luzia. Luz dos meus dias, ao meu lado na cama, de pés sempre frios. – Não consigo evitar o pensamento.
O desconsolo de um abraço vazio, um abraço sem braços, sem corpo, no escuro, porque Luzia nenhuma. Frios agora os meus pés, problemas de circulação disse o médico, atendendo à idade nada com que me deva preocupar, acrescentou, como se eu me fosse preocupar.
Luzia pálida como um pãozinho bento, deixou-me tão cedo. Luzia apenas dentro de mim ou dentro da gaveta da cómoda cheia de meias, meias de lã tricotadas pelas suas mãos.
Duram tanto as meias. Mesmo com buracos duram tanto.
Outras vezes o meu pai a dar-me as boas noites, a minha mãe a aconchegar-me os cobertores ao corpo, os meus irmãos cheios de dúvidas, talvez porque eu o mais velho, ou porque encandeado por Luzia desde os tempos de escola. Perguntas e confidências sobre medos e amores, que o amor quando não cabe dentro do peito mete medo, parece um monstro que nos quer comer. E não filhos, nem sonhados, porque eu e Luzia filhos nenhuns.
E mais os amigos, tantos, tão bons, tão queridos, tão vivos, tão mortos, tantas flores, tantos funerais.
Não é para me gabar mas nesta vida fiz uns quantos amigos, e o que eu gostava de fazer amigos, agora perdi-lhe o gosto, ou a paciência, é que nem com as pessoas tenho vontade de falar, principalmente com as que me tratam como se eu tivesse cinco anos e não soubesse ler, nem escrever e muito menos contar… se eu contasse tudo o que sei, não contava nada, no fim sabe-se tão pouco… pessoas que me tratam como se eu, o mais velho do mundo, fosse um menino de escola, quando dos meninos da minha escola não ficou um para semente. Ficou a escola, que já não é escola, as portas a cadeado, os vidros sujos ou partidos, o recreio vazio de meninos e cheio de ervas daninhas.
Assim as noites, como festas de São João em noites de Verão, como recreios de escola cheios de meninos sem vida, meninos memórias, meninos sombras, assombrados por aves de rapina.
Assim as noites, vazias de sono e descanso porque cheias de solidão, uma solidão hora de ponta, uma solidão demasiado ruidosa.
Assim, até de manhã, o ar novo da manhã e a alegria de um dia de chuva porque não me obriga a sair de casa, para manter o corpo a funcionar, diz-me convicta de que está a fazer um bom trabalho, leva-me a passeio como um cão pela trela, obriga-me, a rapariga, posso chamar-lhe rapariga, tem idade para ser minha neta, apesar de eu e Luzia filhos nenhuns.
Pois é, já tinha dito, velho repete-se muito.
Repete-se como menino de escola a papaguear a tabuada.
Será que na escola ainda se aprende a tabuada?
Enfim, como dizia, a rapariga que a Segurança Social (o Estado a pôr-me em estado de sítio), afectou ao meu processo, fui processado, identificado, seleccionado e classificado, parece letra de mau fado, como velho (não dizem velho, não me lembro do que dizem) sem família barra sem ninguém (também não dizem ninguém, porém querem dizer ninguém), para manter a casa em ordem, apoio domiciliário, e a ordem dos meus dias.
A rapariga que depois de bater-me à porta do quarto, três pancadinhas todos os dias, um não sei quê de Molière, um princípio de valsa, entra para verificar se respiro, se estou vivo, diz bom dia, diz em que dia da semana estou, repete as previsões meteorológicas que ouviu na rádio de manhã e vai buscar-me à janela, como quem vai ao guiché dos correios levantar uma encomenda,
Hoje disse que é Terça-feira, dia da carrinha do peixe, não consigo evitar pensamento, a terceira Terça-feira de Novembro, Novembro quase no fim, os meus pensamentos inúteis, ou não, pois o que sobra dos meus joelhos, sim sobra, o corpo encolhe, não tem especial apreço pelo novo Inverno que se aproxima, antes pelo contrário, gastam o tempo a protestar, felizmente ou apenas porque estou cada vez mais surdo, não lhes dou ouvidos.
 
Raquel Serejo Martins



A poesia dos filmes

Billy Elliot



"- Como se sente quando está a dançar?
- Não sei... Começo a sentir-me bem. No começo é difícil, mas depois de começar, eu esqueço-me de tudo. E... Eu desapareço. Parece que desapareço. Sinto uma mudança pelo corpo todo. Como se houvesse um fogo no meu corpo. E fico ali. A voar. Como um pássaro. Como a electricidade. É... Electricidade."


Excerto do filme: Billy Elliot, 2000

Os meus dias Snob

Foram dias muitos especiais. Numa semana incrível, fui 3 vezes à Snob. Vi Daniel Gonçalves e Pepe Brix, viajei com Tiago Salazar e a malta da Flanzine / Poemanifesto. Dei um abraço aos mentores do projecto - o Duarte, a Emília, o Eduardo. Convivi com grandes amigos - dos livros e dos tempos que vivi em Guimarães.

E tirei fotos! (perdoem o meu telemóvel)

Este espaço espera a vossa visita. Está aí o Natal, não se esqueçam de lá ir.


 
 
 






 
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Apanhei-te a ler... dia 28

Cary Grant
 
Encontrado no Pinterest.