sábado, 28 de abril de 2012

Nova velha Feira, sem convidados nem culturas e condições que deixam muito a desejar


Não sei se toda a gente se lembra, mas as mudanças na Feira do Livro de Lisboa não foram meramente estéticas. Os pavilhões mudaram e sobre eles há certamente muito a dizer.

Começamos pelas prateleiras laterais pensadas para um máximo de 10 kg. Quem trabalha com livros e quem sabe quanto custa cada pavilhão percebe facilmente que a estupidez do projecto começa logo aqui. Eu sei de muitos livros que quase sozinhos tem esse peso. Ficamos então com uma prateleira para um livro. Não satisfeitos estas prateleiras laterais não tem nenhuma pala de protecção quer para sol ou chuva e uma delas apanhamos de certeza! Depois a segurança dos próprios pavilhões, madeira fraca, que com a sucessão de montagens e desmontagens, sol e chuva, transportes e armazenamento, ao fim de dois ou três anos demonstra já marca irrecuperáveis. Tectos que deixam a chuva entrar e muitos outros problemas tem afectado o trabalho aos editores e livreiros presentes.

Não vos maço com mais problemas... pelo menos destes problemas.



Saltamos então para uma outra coisa que desapareceu, talvez mais grave ainda. Era hábito existir um país convidado da Feira. Para além de um pavilhão que lhe era dedicado com livros, publicações várias e conferências agregadas havia um cuidado de divulgação da língua, cultura e hábitos desse mesmo país, contribuindo para o enriquecimento de ambas as culturas e das pessoas presentes.

O que aconteceu a esta iniciativa? Desapareceu porquê?
As taxas pagas aumentaram, os associados continuam a pagar quotas, os institutos públicos e embaixadas continuam a existir.

Já agora fica o repto... se voltasse esta iniciativa que país gostavam de ver convidado? Se tiverem paciência o porquê dessa escolha.

Para já fica por aqui, mas não sem antes deixar um outro desafio ao nossos leitores e às nossas leitoras. Passem pela Feira e passem com olhos de ver. Reparem no que está para além da primeira visão. O que mudariam por ali?

Acho que numa Feira que completa este ano 82 anos já era tempo de se pensar e repensar o modelo, tendo em conta as mudanças no sector, os problemas financeiros e a incapacidade de a APEL ser monitorizador do mercado na área. Onde fica o espaço para editoras de outros países, onde negociamos os direitos e vendas de traduções... são tantas as questões e tão pouca massa critica no sector cada vez mais tomado pelos gigantes da finança que tratam os livros como outro "produto" qualquer.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O que é que a saga dos livros de George R. R. Martin tem a ver com os Simpsons?

As Crónicas de Gelo e de Fogo, saga que em Portugal já vai no décimo livro, foi motivo de inspiração para a abertura de um episódio dos Simpsons.

Obviamente que a loucura em torno da adaptação destes livros ao grande ecrã, com a série A Game of Thrones, também aumenta a popularidade do fenómeno!


Donos de Portugal, o livro que deu documentário

 
O livro "Donos de Portugal" que tem como autores vários elementos do Bloco de Esquerda, como Francisco Louçã, Jorge Costa e Fernando Rosas entre outros continua agora o seu percurso mas em forma de documentário. Depois de ser um sucesso nas livrarias e ter esgotado duas edições em quase dois meses, continua a ser um sucesso de vendas e com dois anos de existência vai já na sua sétima edição. 

Este livro apresenta os donos de Portugal e faz a história política da acumulação de capital ao longo dos anos que vão de 1910 a 2010. Descobre-se a fortuna nascida da protecção: pelas pautas alfandegárias contra a concorrência, pela ditadura contra as classes populares, pela liberalização contra a democracia na economia. Esta burguesia é uma teia de relações próximas: os Champalimaud, Mello, Ulrich, entre outros, unem-se numa mesma família. Os principais interesses económicos conjugam-se na finança. Esta burguesia é estatista e autoritária: o seu mercado é o Estado e depende por isso da promiscuidade entre política e negócios. 

 "Os Donos de Portugal" retrata também um fracasso monumental: o de uma oligarquia financeira incapaz de se modernizar com democracia, beneficiária do atraso, atraída pela especulação e pelas rendas do Estado e que se afasta da produção e da modernização. Ameaçada pelo 25 de Abril, esta oligarquia restabeleceu-se através de um gigantesco processo de concentração de capital organizado pelas privatizações. Os escândalos do BCP, do BPN e do BPP revelaram as faces da ganância. Este livro demonstra como os donos de Portugal se instalam sobre o privilégio e favorecimento. 

Em tempo de Feira que continua a não ser uma maravilha em vendas, muito também por causa das condições atmosféricas, este livro tem sido dos mais procurados e comprados. Na noite de 24 para 25 de Abril, o documentário fez parte da programação de documentários passados na RTP2. Agora está online no site dedicado aos "Donos de Portugal" .

Pode vê-lo também aqui:

   

Um documentário de Jorge Costa sobre cem anos de poder económico. O filme retrata a protecção do Estado às famílias que dominaram a economia do país, as suas estratégias de conservação de poder e acumulação de riqueza. Produzido para a RTP 2 no âmbito do Instituto de História Contemporânea, o filme tem montagem de Edgar Feldman e locução de Fernando Alves. 
Também no Facebook em: facebook.com/donosdeportugal 


quinta-feira, 26 de abril de 2012

OS infelizes NÃO CANTAM

Não sou escritor, ele disse.
Não. Ele não disse. Pensou apenas, não sabia o que dizer.
Sentia-se cansado, esgotado, 16 anos demorou a escrever o livro… 16 anos e um casamento, dois filhos, um divórcio, três empregos, três casas, duas cidades, a morte do pai…. a morte do cão…
Já não era a mesma pessoa, lia as primeiras páginas e não se reconhecia, faziam-lhe perguntas e não sabia o que responder, faltavam-lhe pedaços, detalhes, personagens… palavras…
O tempo a diluir a memória… 16 anos a escrever a contra-tempo, a escrever sem tempo… é preciso tempo para escrever, para escolher as palavras, as palavras não são todas iguais… e mesmo assim, mal fermentado, tosco, pareceu-lhe que tinha um livro, ou isso, ou já não lhe suportava a convivência, como acontece mesmo aos amores.
Mais do que o tempo gasto a escrever, lembra-se do outro tempo, dos intervalos intermináveis em que não conseguia escrever, os dias, 24 horas, as 7 horas imprescindíveis de sono e depois a fábrica, a mulher, e a fábrica, o primeiro filho, e a fábrica, o segundo filho, e a fábrica, o cargo de director, e a fábrica, a segunda mulher, e a fábrica, a morte do pai, e a fábrica, a morte do cão, e a fábrica, o curso de alemão, e a fábrica, a viagem à Polónia, e a fábrica, a viagem à República Checa, e a fábrica, a viagem à Alemanha, e a fábrica… e todas as fábricas iguais, e não iguais mas iguais, as cores, os cheiros, as galochas, os óculos, as luvas.
E apesar da fábrica, era feliz na fábrica, gostava principalmente das pessoas, simples, sérias, trabalhadoras.
E apesar da fábrica a constante necessidade de escrever… necessidade, sim, é essa a palavra, estranha assenta-lhe bem como adjectivo, prazer não lhe serve como complemento.
Imprimiu o livro e não conseguia chamar-lhe livro, chamar-lhe seu, sempre demonstrou dificuldade na aplicação de pronomes possessivos.
Quando foi buscar os exemplares, 26 exemplares, 26 trabalhos, como disse o senhor das fotocópias, encadernados, faziam lembrar livros, e não livros, sebentas… por instantes lembrou-se da faculdade, do entediante curso de engenharia, e em consequência sorriu.
26 trabalhos encadernados a €3,80/cada são… Mas espere! Antes tem que me dizer uma coisa, tem que me dizer “o que foi feito de nós”?
Olhou para o senhor, quase comovido, reprimiu a vontade de lhe dar um abraço, ou isso ou o tamanho da caixa registadora em cima do balcão não lhe permitiu o gesto.
Imaginou-o, enquanto encadernava os 26 exemplares, confrontado com o título e a pensar no que foi feito de si, onde se perdeu para agora passar as horas dos dias a tirar fotocópias e a fazer encadernações, prefere térmica, de calha ou em espiral, sim, em espiral parece-me mais prática e resistente, e a capa, quer de cor, em preto ou transparente, de cor temos verde, azul, vermelho e amarelo, não, não temos branco, mas, se quiser, podemos pôr transparente com uma folha branca a fingir.
A petulância dos seus pensamentos, por pensar que o senhor das fotocópias não era feliz no seu trabalho, parecia-lhe feliz, constantemente a cantar, e não a cantar, a trautear melodias que punham as pessoas do outro lado do balcão a abanar a cabeça ou a bater o pé em sincronia.
Os infelizes não cantam.
“O que foi feito de nós”, ele vaidoso com o título, a concluir timidamente que podia ser um bom título, consciente da importância do título na estante de uma livraria, pagou e saiu, quase confiante, a trautear a mesma canção que encontrou no assobio do senhor das fotocópias.
A confiança é um balão que esvazia lentamente.
Lembra-se do dia em que foi ao correio, levava a mochila e o guarda-chuva, chovia, coisa que o incomodava e a que nesse dia achou graça, estava feliz, a chuva é incapaz de interferir nos dias felizes, já nos dias normais… a felicidade é anormal… a chuva incomoda principalmente sob a influência da proximidade de portas, fixas, do trabalho, do emprego, do supermercado, ou móveis, do carro, do autocarro, do comboio, e dentro de elevadores.
A confiança é um balão que esvazia imperceptivelmente.
6 meses e nenhuma resposta.
8 meses e nada.
10 meses.
11 meses e a primeira carta, lamentavam, o livro não tinha cabimento no seu projecto editorial… e depois mais cartas… todas iguais… até que, quase três anos depois, uma carta a marcar uma reunião, a revelar interesse, a questionar da sua vontade.
Não há amor como o primeiro.
E não foi o seu primeiro amor, foi a única editora que quis publicar o seu livro.
Lembra-se quando o editor o convidou para um café e lhe entregou um exemplar do seu livro, dizia apenas livro, continuava inábil na utilização de pronomes possessivos.
Depois o lançamento, as palavras bonitas de outro escritor da mesma editora, chamou-lhe colega, quase chorou, e não lágrimas, apenas cansaço, devia sentir-se mais feliz e sentia-se apenas cansado… talvez porque tudo aconteceu depois de muito sonhado, os sonhos também se gastam, envelhecem, oxidam, enferrujam, mirram, esvaziam-se…
Os filhos, a mãe, os colegas da fábrica com evidente orgulho, que segredo bem guardado, ó engenheiro!
Até que um prémio, chamavam-lhe autor revelação e, para revelação tiravam-lhe fotografias. A mãe fez um álbum só com recortes, que é como quem diz fotografias, de jornais e revistas.
E agora estava ali, na televisão, com um microfone na lapela e o único Nobel português da literatura sentado ao seu lado esquerdo.
Se era escritor?
Pensava… e não sabia o que dizer… como dizer… talvez porque sempre teve dificuldade em conjugar pronomes possessivos… mas não lhe parece resposta que se entenda ou, como diria a mãe, que se apresente.

A chuva da liberdade a regar o dia de Feira

O 25 de Abril trouxe-nos chuva, muita chuva miudinha como a ânsia que começa a incomodar as pessoas tempo antes de começarem a reagir e a coçar, a incomodar. Hoje pelo país festejou-se essa libertação de 1974, no Porto honrou-se a data da melhor forma, marcando-o de novo pela vontade popular. Este 25 de Abril fica também marcado por ser o 25, o primeiro dos 25, em que um homem forte, que dizia nunca ter desistido, já não festejou. 

Porque a chuva foi mesmo a marca, serve de desculpa para recordar um livro que também é filme. "Uma Abelha na Chuva" de Carlos Oliveira, adaptado em 1972 por Fernando Lopes ao 
cinema.

  

Na imensidão das dunas e da atmosfera mística da Gândara, terra primordial da obra de Carlos de Oliveira, as pessoas são como as abelhas. Em colmeias podres ou em comunidades obreiras à espera da ferroada, decorre esta narrativa de forte carga simbólica. 

O foco da história incide no amargurado casamento de Dona Maria dos Prazeres com Álvaro Silvestre. Sem filhos e sem amor que os una, sobrevivem entre discussões acaloradas (pelo álcool e pelo desprezo) e a farsa que representam para os habitantes da localidade. Numa narrativa que arranca do presente (anos 50, em pleno Portugal do Estado Novo) e que se enleia nos momentos passados, adensando a tragédia, descobrimos um Álvaro penitente. Na redacção do jornal da vila, o comerciante quer publicar um acto público de contrição, assumindo as culpas por burlas e outros dolos. Mas surge a sua orgulhosa esposa para o amedrontar e nada acaba por ser publicado. 


O ódio que este casal nutre entre si, ou o fel que destila das suas almas, acaba por verter sobre os criados e outros personagens secundários que esvoaçam ao seu redor. Jacinto e Clara, o jovem par de namorados que concebia um futuro, é atingido por esse mal e perde a vida num clímax trágico que anuncia a tempestade. Ele é assassinado, vítima do ciúme doentio de um pretendente, da repulsa de um pai com aspirações sociais e de um Álvaro bêbado que fala sem pensar nas consequências. Ela escolhe a água, no fundo de um poço, para finar a sua vida e a da esperança que transportava na barriga. 

Ficam os outros. Fica uma colmeia putrefacta.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Abre a Feira, a Caravana passa e os Cães ladram


Pois então mais um ano, mais uma volta. O mesmo desfilar de vaidades pelo Parque abaixo. Miguel Relvas e Francisco José Viegas, anteriormente um homem do sector, ontem emproaram-se para a festa. Ainda sou do tempo em que estas pessoas se davam ao trabalho de aqui e ali cumprimentar um livreiro ou um editor, falar com as pessoas que estavam pela Feira quer fosse a trabalhar ou a visitar. Agora é só galanteio e fuga. Por volta das 17 horas estava feita então a abertura oficial da Feira do Livro de Lisboa, como alguém disse: está abençoada!

Ao fundo do Parque eram esperados por uma mini manifestação. Trabalhadores da Bulhosa com salários em atraso e numa situação laboral extrema e funcionários da Europa-América ainda sem saberem muito bem dos seus destinos. Vítimas das desregulação do sector, da acumulação de poder pelos grandes grupos editoriais e pelas sucessivas falências fraudulentas.

Os resistentes resistem. Resistem enquanto podem, aos aumentos do IVA, à falta de incentivos à leitura e à falta de formação. Ao facto das pessoas não terem dinheiro para quase nada. Às concentrações económicas, ao desnorte de quem não tem politicas mas sim medidas desgarradas. Na terceira feira inaugurada por Paulo Teixeira Pinto, enquanto presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) que será a última. No seu discurso, o editor, banqueiro especulador, disse terminará o seu mandato e não se recandidatará.

Assobiaram para o lado todos os assuntos, Acordo Ortográfico, ebooks de costas largas para carregar a crise e pirataria, quando bem se sabe de onde vem os assaltos em pleno mar. Um Ministério transformado em Secretaria de Estado e um editor transformado em papagaio politico são bem os sinais de desgoverno na área da cultura em Portugal que continua a ser o único país do espaço da UE com o orçamento para esta área abaixo do 1%.

Mas como escreveu Alexander Pope: "Um pouco de cultura é uma coisa perigosa".

Agora é só esperar e ver o que se segue nesta Feira. Os livros estão por lá e o que resta de livreiros também. Até lá muitos livros e muitas leituras.

Às tuas portas

No momento da sua última viagem, recorde-se o lado literário de Miguel Portas, político, jornalista, curiosamente economista de formação. "Não exerci para não prejudicar o país", brincou, na última entrevista que deu ao jornal "Expresso", em Julho do ano passado.



Autor de
"E o Resto é Paisagem" - Dom Quixote, 2002
"No Labirinto - O Líbano entre guerras, política e religião" - Almedina, 2006
e "Périplo" - Almedina, 2009
- este último um livro de viagens que não se esgotavam nos documentários feitos a meias com o realizador Camilo Azevedo para a RTP em 2005 -,
Miguel Portas revelava-se "um viajante eternamente jovem e obstinado, que gosta de encontrar realidades diferentes, surpreendentes e contrastantes; que, apesar de uma lucidez feroz e muitas vezes mortífera, mantém uma atitude de romantismo assumido, quer na escola dos temas, quer da defesa corajosa daquilo que ele poderá definir como as suas 'causas'; alguém que não somente tem prazer em escrever como revela a partir do manifesto prazer da escrita uma sensibilidade estética que o protege de anquilosamentos ou fossilizações", como escreveu Eduardo Prado Coelho no prefácio. 

Para a memória do futuro, eis um trecho de "Périplo": 
"Se em Santa Sofia o visitante ainda hoje se sente um grão de areia na casa do Senhor, na mesquita andaluz, pelo contrário, devia perder-se. Claro que o incomoda a enxertia da catedral católica no seu interior. O incruste é como uma cruz cravada em terra de infiéis. No entanto, é esta estranheza arrogante que acaba por revelar a altura da construção islâmica, até aí oculta na harmoniosa monotonia da floresta de arcos em
que assenta. O mesmo Deus era, portanto, diferente, consoante se adorava em Istambul ou em Córdoba."



E outro, este de reflexão sobre o que é "Périplo",
in Sem Muros, o blog do próprio Miguel Portas:
"Os povos do grande lago são mestiços sem excepção. Não acreditem quando vos disserem que houve quem preservasse o sangue e apurasse a raça. Com nenhum povo foi assim porque o Mediterrâneo é o lugar onde a vida se fez Tempo e este livro é sobre esse casamento feito de festas e amores, zangas e equívocos."


À tal entrevista do "Expresso", Miguel Portas explicava-se: "A razão pela qual tenho de escrever livros é exactamente para evitar a carga de droga dura que a política traz." E, a dado momento, 53 anos, consciente do cancro de pulmão que o consumia, rematava: "Ao chegar ao fim da vida, quero poder olhar para trás e dizer: terei feito algumas asneiras, mas no conjunto posso partir, lá para onde for, com tranquilidade."


Que a nova viagem seja tranquila, Miguel Portas.

(Obrigada pela ajuda para este post, José Carlos Rodrigues)


terça-feira, 24 de abril de 2012

O Homem que via com o pensamento

São 18 h de um dia frio, chuvoso!

Quero chegar a casa!

Só penso naquele banho quente, aconchegante.

Estou exausto... o meu corpo não anda... arrasta-se!

Aperto o fecho do blusão, cruzo os braços, encolho os ombros, aconchego-me e caminho lentamente pelos túneis do metro. Quero chegar rapidamente a casa, mas não consigo andar mais depressa... pensei... "que bom seria a telepatia!" Estou aqui...  l segundo... já estou lá...

Vou assim embrulhado nesta letargia consciente e totalmente desprendido do que me rodeia. Não vejo rostos, vejo sombras; não oiço sons, oiço ruídos. Quero manter-me neste estado para que não tenha que perceber e enfrentar a vidas dos outros, mundos que correm ao meu lado. Quero este meu casulo, apenas isso! Nele, posso viver em qualquer estação do ano, posso colorir as emoções de todas as cores e posso escolher os acordes musicais para me embalarem.

- Cuidado! Não vê? - Sou literalmente sacudido por esta voz .

Olho em frente e, ali mesmo, está uma homem encostado à parede. Tem um ar elegante, altivo. O cão, a bengala e os óculos escuros rotulam a sua condição: invisual!

Apercebo-me da ironia da sua frase: "Cuidado, não vê?". Ele invisual, pergunta-me a mim, que nem óculos para ler preciso, se não vejo?

Paro junto a ele... o meu cansaço foi-se... o meu corpo aqueceu de repente e a pressa de chegar a casa, tornou-se uma quimera.

Como por magia, à minha volta há vida, há rostos... identifico a solidão, a falta de fé, o abandono... vejo também rostos plenos de desejo, expectativas, possibilidades...

- Sabe já fui como o Senhor! - (diz-me) -  ... já tive olhos, mas nada via. Hoje, os meus sentidos estão cegos, mas a minha alma vê tudo.

Levo um soco no estômago! A rudeza daquela verdade corta-me, fere-me!

Encosto-me ao lado dele e fico assim, em silêncio, longos minutos... no chão um amplificador toca "Unforgettable". Perfeito!



Foto by Simão Carvalho - INSTAGRAM 2 - "O pior cego é aquele que não quer ver"

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma História da Leitura no Dia Mundial do Livro


Pois é, hoje é Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. Acho que prefiro a primeira parte da efemeridade, já que a segunda é toda uma discussão à parte e que dá bem pano para mangas.

Pois a Feira do Livro em Lisboa apanha dois feriados, 25 de Abril e 1 de Maio, curiosamente festejando ou reclamando direitos essenciais à nossa condição de vivência em sociedade. Liberdade, direito aos direitos, ao trabalho, festa de lutas passadas e ganhas ou nem sempre. Algumas já perdidas outras a perderem-se.

E o direito à cultura, mais especificamente aos livros e à leitura. Como estão as nossas escolas, como está o trabalho da aprendizagem ao longo da vida?

O livro escolhido para este dia não passa muito por aí, mas fala de fragmentos de experiências de todo tipo de leitor: o encantamento com o apreender e aprender da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédios), o prazer de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Ao narrar as conformações da leitura em diferentes épocas - com histórias como a do grão-vizir da Pérsia que carregava a sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética - Alberto Manguel ensina nos que a leitura é a mais civilizada das paixões e que sua história é uma celebração da alegria e da liberdade. Para este livro é a segunda vez que serve de "desculpa" para falar sobre livros, se não me falha a memória aproximadamente um ano depois da primeira vez que o fiz.

Foi com livros sobre livros e sobre leituras e leitores que me iniciei neste blogue e é dos meus assuntos preferidos, de tal forma que nas prateleiras lá de casa já começa a ser uma secção da biblioteca. Uma história da leitura. Uma, porque cada leitor constrói a sua própria história da leitura e, por isso, um livro que contasse "A História" da leitura seria, inevitavelmente, imenso... imenso e eternamente inacabado.

"Todos são leitores, e os seus gestos, a sua actividade, o prazer, responsabilidade e poder que obtêm na leitura partilho-os com eles." - Alberto Manguel, Uma História da Leitura, Editorial Presença, 1999

“Eu não sei que tenho em Évora, que de Évora me estou lembrando. Ao passar o rio Tejo as ondas me vão levando”.


A caminho de Évora, sem passar o rio Tejo pois foi Portalegre que deixei para trás. Não tive tempo de visitar um espaço mas não é por isso que não deixo a referência. Estava no roteiro mas as paredes de José Régio revelaram-se tão densas que a minha vontade foi voar directa para Vila do Conde e prolongar-me noutra sua casa museu. Fica para o roteiro do norte, o assunto será retomado. O tal espaço, ainda em Portalegre, é uma livraria/cafetaria de sua graça Ponto Final. Parágrafo. Compram-se livros, bebem-se sessões culturais, saboreia-se café. Infelizmente não lhe medi a cor nem a dinâmica mas é bom saber que existe.

Inevitavelmente a Évora que me espera tem sabor a Vergílio Ferreira e às reflexões existencialistas de uma Aparição. E também por ele tem comparação a Coimbra e, por isso, o acto de geminação é tentador. Porém, mais do que deambular pela pele da vivência, das comparações e das inspirações, esta passagem por Évora terá que isso mesmo, uma passagem. A tentação de prolongar a estadia é muita porque esta cidade, entre muralhas, dá vontade de ficar.

Évora recebeu, em Fevereiro, pela Sociedade Portuguesa de Autores, o prémio de melhor programação cultural autárquica, em áreas como cinema, literatura e música. Da janela onde estou aguardo pelo nascer do dia para ir recolher mais informações, parar nas esplanadas das arcadas da Praça do Giraldo, para continuar esta partilha. As mãos vão estar geladas mas valerá a pena. Quando o Verão entra no seu tempo, o calor sufoca a respiração. O extremo, aqui, é compensado com o céu enorme o ano inteiro, com a luz que esta cidade emana, que faz nascer um sentimento de conforto, que entra na pele. Muito haveria para destacar neste recanto alentejano, bem como de todos os sítios já visitados. Mas temos que nos cingir ao encanto literário, esse é o mote!

Já na praça enunciada, e munida de informação, tenho que falar de três autores. Apenas três, a lista é grande. Tão grande quanto a vontade de adicionar Vila Viçosa ao roteiro e dar um abraço à Florbela Espanca. Mas não será necessário passar por lá para, oportunamente, falar nela. André de Resende é o primeiro a “sentar-se comigo à mesa”. Nascido em Évora no século XVI, um dos nossos Humanistas, cujo acervo literário é extenso, em latim e português, e tido como um dos homens pioneiros da arqueologia em Portugal. Muito sobre ele se escreveu também, do seu papel da obra deixada, das referências. Conversei com a cadeira vazia que lhe destinei. Falamos de António Gancho, falecido nem há dez anos, conhecido como o “poeta nocturno”, cuja obra poética é única, destacando-se O Ar da Manhã, que aconselho a leitura. António dizia-se Pessoa e também Bocage assumindo-se como Luís de Camões. A sua história é conhecida para sociedade como a de um louco, não é leve o enredo que o rodeia. Há um sentimento de injustiça no que toca ao reconhecimento da sua genialidade. O terceiro é Álvaro Lapa, pintor e escritor, também já desaparecido e amigo de António Gancho, um homem que conjugou a arte, pode dizer-se, na tela escrita, tal é o mundo abstracto que explana. O sentimento que me assalta é a vontade de ter duas vidas mais para conseguir ler tudo de tanto que há, que temos e que tivemos nestes homens que, não sendo desconhecidos, deixaram tanto por conhecer.

A passagem pela biblioteca encerra a informação que daqui vos transmito. A comemoração do  Dia Mundial do Livro, 23 de Abril, data da publicação deste roteiro, terá em Évora Conversas Informais entre autores, livreiros, bibliotecários e leitores. Também no espaço da Biblioteca e no mesmo âmbito, tendo como mote Os Dias do Livro terá lugar a iniciativa Sete Dias, Sete Livros Sete Tesouros, a decorrer até ao dia 29 de Abril. O intuito é dar a conhecer sete obras raras, uma por dia, proporcionando o acesso a um acervo raro e único que a Biblioteca de Évora contempla na sua colecção.

Na próxima quinta-feira vamos mudar a mão. Sair do Sul, onde voltaremos, e pernoitar no centro. Na bela Coimbra.

Bom dia Mundial do Livro!
*foto - Praça do Giraldo
*Titulo: extrato do poema popular "Meu Alentejo"
.

domingo, 22 de abril de 2012

Está quase, quase a chegar... 82ª Feira do Livro de Lisboa


No Parque Eduardo VII já há editores e livreiros. Os pavilhões começam a ser montados, equipados e recheados. É a Feira do Livro da crise, será marcada naturalmente pelo período que vivemos e para já também afectada pelas previsões meteorológicas. 

A 82.ª Feira do Livro de Lisboa, que começa no dia 24 de Abril e fica até 13 de Maio, regista um menor número de participantes e pavilhões. Algumas editoras reduziram o número de pavilhões, enquanto outras se apresentam em associação, confirmando que este ano se contam 206 pavilhões, menos 12 que o ano passado, e menos seis participantes», totalizando 112 entidades. 

Esta Feira será marcada também pela continuidade da absorção dos grandes grupos. Olhando para a planta da Feira nota-se que as editoras com mais tempo e que se mantêm "desagrupadas" são um nicho que ocupam quase só um sector da Feira. Algumas emergentes como a Tinta da China e a Objectiva reforçam a sua aposta neste tipo de eventos. 

Quanto aos horários, de segunda a quinta-feira, a Feira abre às 12h30 e encerra às 23h; à sexta-feira, o encerramento é às 24h; ao sábado e na véspera do 25 de Abril e do 1 de Maio, a Feira abre às 11h, encerrando às 24h; no domingo haverá feira das 11h às 23h. 

Este ano já sabem, aqui no blogue voltamos a repetir a cobertura do evento. Descubram quantos de nós andam pela Feira. Livreiros, editores, visitantes e amantes dos livros... Descubram-nos no mundo dos livros.