quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Passagem do ano, de Carlos Drummond de Andrade

PASSAGEM DO ANO

O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,

Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, subreptícia.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Eu poético: Noite Feliz

NOITE FELIZ

noite feliz, noite de paz – escutava na rua.
o frio cobria-lhe a pele,
o pensamento invadido pela ideia
de solidão,
de festas e aconchegos que não tem;
a recordação de uma família mais numerosa
do que a mera unidade
que compõe o seu lar.
hoje deu-se ao luxo de celebrar o nascimento do menino,
com um pacote de vinho
e uma tablete de chocolate.

fecha os olhos e sente escuridão.

como pode o sol cobrir toda uma infância
e agora o inverno ter-se instalado de vez?
como podem os dias longos
serem cada vez mais curtos?
como pode a noite
ser mais segura que a alvorada?

precisa desesperadamente de morrer.

penteia o cabelo no reflexo do vidro
e não sabe quem é aquele vagabundo.
pensa nos amores que já viveu,
na sorte de ter tido um tecto
e leite quente de manhã.
recorda a sensação de passar mercúrio-cromo
nos joelhos esfolados
e a sineta da avó,
chamando todos para a mesa.

noite feliz.
por um instante, feliz.

Rodrigo Ferrão


Foto: Rodrigo Ferrão

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

rosa


nos dias que correm
uma rosa
encarna a lágrima
suspensa
na face de deus

assim que floresce
uma estrela
morre
na memória de chover
esperança.


Helder Magalhães


Fotografia de Marine Loup

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

É do borogodó: artefato nipónico, de Adélia Prado

A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada.

Adélia Prado

*poema extraído da obra A Faca no Peito - e escolhido por Penélope Martins

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

tão longe

tão longe a quietude das águas
na eternidade das mãos que as adentram
ser o rio debaixo da neblina
que cinge o olhar em remoinhos
tão longe a face dos dias
a saltitar nas memórias polidas pelo tempo
faltaram-nos dedos de fôlego
no balanço de chegar à outra margem
tão longe a brancura da pele
revestida da ondulação do silêncio
nudez da ferrugem agora
à deriva sobre o corpo do passado.

Helder Magalhães

Cristina Coral Photography

domingo, 20 de dezembro de 2015

Aprendizes de Alpinistas na Flanzine


 
Na minha infância roubar chocolates era para meninos, pois o dono da única mercearia da vila, o velho senhor Amorim, surdo, diabético e míope, todavia os predicados, ainda facilitava a ilegalidade ao colocar chocolates, pastilhas, caramelos e rebuçados na esquina de uma prateleira à qual não tinha acesso visual quando sentado ao pequeno balcão atrás da caixa registadora, talvez para se arreliar uma só vez por ano, quando fechava para inventário, porém roubar mangas, da única mangueira da vila e arredores, era uma proeza tal que, entre os pares, miúdos às dúzias, de dez, onze, doze anos, nos ordenava cavaleiros da ordem da bicicleta, veículo de duas rodas com que sonhávamos a cada Natal.
Pois, como se as mangas mouros, igual de audaz a conquista, porque protegidas por um muro monumental, cuja escalada exigia competências de alpinista e destrezas de funambulista para palmilhar o topo ida e volta até à mangueira, e pelo possessivo proprietário, um centenário brasileiro, do qual se dizia que não brasileiro mas alemão em fuga por ter prestado vassalagem ao Führer ou porque chegou à vila de camioneta, penteado risca ao lado a brilhantina, fato de fazenda verde azeitona, botões de metal dourados, calças enfiadas dentro das pretas botas de cano alto, com dois baús forrados a autocolantes, uma mangueira dentro de uma panela de sopa já sem asas e dois cães, um dogue e um pastor alemão com os quais se entendia exclusivamente no que parecia a língua de Goethe, o que, verdade ou invenção, tudo somado, lhe valeu o apelido de Heil Hitler não obstante se chamar Helmut.
E Helmut, para quem a coisa mais difícil do mundo era dormir, apesar de aos canónicos cuidados agrícolas adicionar mimos como, a cada entardecer do curto Verão, colocar a grafonola no quintal a girar discos de bossa só para a menina, a mangueira a menina, quase não colhia mangas, poucas, mirradas e debastadas por passarinhos e passarões, os cavaleiros da ordem da bicicleta os passarões, furioso com as frutíferas expropriações, levou para o quintal metade da mobília da sala, um sofá de pele, uma banqueta para esticar as pernas, uma mesa de apoio onde sempre livros, jornais, uma garrafa de conhaque e passou a fazer guarda à mangueira de escopeta ou, para fazer jus à história, com uma fisga de fabrico próprio e, dono de excelente pontaria, o que ratificava o suposto passado militar, disparava sem pudor sobre os rapazes e as raparigas, que também as havia, que se atreviam na clandestina colheita.
E agora que não existe nem alemão, nem mangueira, nem muro monumental, sobra uma dúzia de velhos que se lembra disto e que quando no supermercado vêem mangas, consta que a fruta fresca mais consumida no mundo, as coisas inúteis que sabemos, não conseguem evitar um sorriso e o pensamento, roubar chocolates é para meninos, agora roubar mangas, só os valentes, e na tentativa de se sentirem outra vez meninos, enfiam sem assobiar uma manga não carrinho das compras mas num bolso da gabardina.
Raquel Serejo Martins
 
Texto que integrou a Flanzine n.º 9 + 1, sob o tema Muro, com o seguinte elenco de fazedores:

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

É do borogodó: Tamym Maulén

Porque morir es fácil
Aguantarse la vida, el dolor
Amar es lo difícil, hermano
Algún día todos nos vamos a vivir
La muerte no existe no es más
Que una bella y sonora palavra
Pan, Dios, Verdad, Menntira
Todas caretas para mostrar
Aquello que no ven los ojos
Y yo la verdad de las cosas
Sólo te vengo a decir que
Aunque fui el peor hermano
Te amo más que la cresta
Gabriel, cómo podrá decirse eso
Con lindas y sabias palabras
Me pregunto ahora mientras
Miro un dibujo tuyo en la pared
(un arcoiris blanco y negro)
Morirnos es fácil, hermano
Vivir una vida es lo difícil
Reír es lo más complicado
Qué bueno saber que
Aunque no nos vivimos
!Quisimos vivirmos!
Estamos muertos

Yo te sonrío

2015-11-23 10.32.58.png
– fotografia e selecção: Penélope Martins –
  • poema extraído do livro PAF (Puro Amor Familiar), de Tamym Maulén, editora Pornos da Argentina.

ondear


era como se o teu rosto ondeasse
o mar na profundidade a que a água
luz o naufrágio das estrelas à pele

choves-me num remoinho coração.

Helder Magalhães

"november rain" - Ines Rehberger Photography

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

«Todos os tempos verbais», a vez de Guimarães



 

A poesia saiu à rua e eu vesti-me de versos só para a ver passar. Ela desfilava pura, sem grandes truques ou artimanhas. Limpa, ao seu ritmo, carregada de geometria e sentido próprio. 

A poesia sou eu, sem saber muito bem que EU sou. Procura duvidar sobre o mundo particular, de um corpo que pensa e reflecte. Procura enquadrar o espaço da alma que não tem resposta. Procura um sentido, como qualquer homem ou mulher que explore esta forma de ser.

Não há acto mais livre do que o poema. Mesmo que ele nos prenda à fatalidade de um certo ritmo, o poema floresce como uma ideia cristalina e bela. O pensamento encontra a palavra e a emoção. E depois carrega tristeza, saudade, amor, morte. E desagua, por fim, numa forma, sem caminhos certos ou direcções pré-estabelecidas.

Deixei-me apanhar pela escrita, sem saber bem porquê. Acto espontâneo de um leitor experiente, talvez. A verdade é que vivo ainda a surpresa máxima de perceber que a minha palavra é também a expressão de um sentimento de alguém. Isso é o meu super poder, estou certo que é um segredo bem próprio e guardado a sete chaves dentro de mim. 

Nunca percebi bem isso de dar categorias às emoções. O ser humano emociona-se porque sim. Porque precisa, ponto. Porque tem que ser. E dar espaço ao sentimento exprime-se de diversas maneiras. 

Eu encontrei na poesia a minha voz, mesmo que a minha voz não soe bem a muita gente. Não escrevi para ninguém em particular, o poema é um acto egoísta de gritar ao mundo bem alto aquilo que me vai. Mesmo que ficcionado, mesmo que forçado… o que escrevo tem o seu quê de vivido. 

Mas quando leio o que fiz, surpreendo-me. O meu livro é também um acto de descoberta muito própria daquilo que carrego e por vezes desconheço. Tantas vezes me questiono sobre quem é aquele actor que mora em mim? Não tenho resposta para isso!

Passo por este livro e encontro tanta coisa que desconheço. Leio e identifico claramente aquilo que é meu. E leio tudo o que não sou, de todo. No processo de me ler, não sei bem o que pensar. Cada vez que passo os olhos pelo livro que fiz, fico confuso. Tudo isto é uma leitura diferente, cada vez é uma nova aventura.

 foto: André Gomes

Guimarães foi um dos berços da minha infância. Creixomil é o lugar que sempre me pareceu o mundo. Pelo menos o mundo enquanto fui criança. 

Foi bom sentir o campo a espreitar pelo fundo da janela. Foi sempre bom escutar o sino da Igreja, a recordar-nos de hora-a-hora que a vida é um ápice. E nesse ápice, queimamos tempo.

A infância é o lugar mais bonito onde mora o coração. Quando somos crianças, os sonhos moram todos connosco. Lá habitam também as pessoas que nos fazem falta, todos aqueles que construíram o nosso presente. 

Só se dá valor à saudade de ser criança quando se cresce. Tenho a certeza que não há saudade mais profunda do que essa de ter o mundo à nossa frente, pelo canto da janela. E o mundo pode ser o caminho que nos leva aos campos do milho e à ribeira. Ou aquela rã que encontramos no charco. Ou a promessa tão simples do pôr-do-sol.

Fui tão feliz aqui em Guimarães. A cidade cresceu em mim como uma promessa de regresso. E não há nada mais bom do que voltar aos sítios onde mora a felicidade, onde os sorrisos dos encontros se desfazem em abraços sentidos. Acredito puramente na filosofia do abraço. E quando o dou, acho sempre que a energia dessa pessoa me está a ser transferida. 

Lembro-me desses verões onde descia a rampa da casa a correr. Ou quando me esfarrapava todo ao cair da bicicleta. O almoço e o jantar eram os pontos altos das minhas preocupações, e os únicos horários a cumprir. Tudo o resto era apenas a liberdade de ser, de existir só porque fui feito para viver neste mundo. 

Tenho tantas saudades das pessoas da minha infância. Daquelas que partiram, daquelas que estão ainda comigo. Crescer é talvez o pior crime da existência. Devia existir uma cláusula contra tudo isso, crescer podia perfeitamente ser uma escolha. Se pudesse lá voltar, não hesitava um segundo. Não sendo possível, encontro e refugio-me na palavra. Só a palavra me salva dessa ideia macabra de um dia virar pó, lançado ao vento.

A memória vive comigo, como uma recordação dos sítios por onde passo. E por mais que a vida passe, os lugares nunca deixam de viver em mim. Assim como as pessoas, todos os momentos tristes e alegres.

Guimarães é também o berço de grandes amizades. E esta livraria condensou sempre as pessoas mais importantes desta minha cidade. O meu livro também são estes amigos, também são estes momentos, também é este espaço. E hoje celebro-o, sem qualquer medo da emoção de dizer a toda esta gente que amo verdadeiramente cada um em si, com todas as pequenas singularidades que compõem um corpo. Um corpo onde gasto e deixo morar os abraços, sentindo o peso de cada amigo, de cada momento, de cada sorriso rasgado... na certeza do encontro.

Agradeço genuinamente a todos os que construíram o livro comigo. Sem eles, eu não acharia possível criar o objecto. É profundamente uma honra contar com pessoas como a Ana Paula Oliveira no processo de criação. Escrever pode ser um acto solitário, mas construir um livro nunca o é. E a Ana Paula sabe bem o valor do que é publicar. Essa, por si só, seria a razão mais válida para a convidar a estar hoje comigo. Mas não é a principal razão. A verdade, é que eu precisava de mais uma amiga a quem abraçar, pura e simplesmente. E para estar aqui presente na discussão pública da minha felicidade. Obrigado por estares comigo, pelo teu apoio. 

Não posso deixar de homenagear o meu avô, a quem dedico este livro. Senti sempre que a força de o fazer vem dele e da felicidade de o ter comigo na infância e adolescência. Se pudesse resgatar pessoas à morte, convidava-o a voltar. De qualquer forma, ele viverá sempre em mim. Eu também sou ele, de múltiplas e variadas formas.

A minha família, meu rumo e prioridade máxima, ajudou-me sempre a ser genuíno. Não podia ter mais sorte em ter os pais que tenho, as irmãs que tenho, avó, os tios e primos que vivem comigo. Eles são a força que me inspirou a escrever, o meu livro é o espelho de muitas memórias passadas com todos eles.

Por último, quero agradecer a todos vós por este instante. Acreditem que bastaria uma pessoa apenas para me fazer sentir bem, mas fico muito contente por contar com muitos amigos na plateia.

Aventurem-se a descobrir este livro, terei todo o prazer de o discutir convosco. Muito obrigado a todos.

  foto: André Gomes

*Rodrigo Ferrão, no dia da apresentação de «Todos os tempos verbais», na Livraria Snob, Guimarães 

Agradecimentos: David Pintor | Ana Almeida | Ana Paula Oliveira | Helder Magalhães | Clara Amorim | Sara Costa Leite | Daniel Gonçalves | Emília Araújo | Duarte Pereira | Eduardo Fernandes | Livraria Snob | RealBase

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Tour «Todos os tempos verbais», na livraria Snob, Guimarães - vinho, poesia, chá

Todo o mundo fica convidado para a 2.ª apresentação do meu primeiro livro, «Todos os tempos verbais».

Vamos a Guimarães?

É na livraria Snob, não há que enganar.

Um abraço, Rodrigo


Agradecimentos: David Pintor | Ana Almeida | Ana Paula Oliveira | Helder Magalhães | Clara Amorim | Sara Costa Leite | Daniel Gonçalves | Emília Araújo | Duarte Pereira | Eduardo Fernandes | Livraria Snob | RealBase

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Sob o tempo

Às vezes as noites ganham asas e nunca acabam mas não faz mal porque entendi finalmente que o tempo é a única coisa que acontece a todos, desmorona-se sobre nós e dissolvemo-nos nele, revolve-nos as fundações como se fôssemos uma casa de madeira seca e não é que afinal de contas somos mesmo uma casa de madeira seca, apodrecemos-lhe aos pés e apesar de não consentirmos e procurarmos evitar o tempo entretem-se connosco e faz-nos pedinchar e suplicar e implorar e depois tanto se lhe dá como se lhe deu, dissipa-nos e desvanece-nos e oblitera-nos e então nós em sabe-se lá que lugar, o tempo é as orquídeas e os plátanos e as buganvílias mas é também o colchão demasiado bolorento e um buraquinho no estore pelo qual mil aragens e um bocado nosso abandonado para sempre.

Gonçalo Naves



Foto retirada de: https://br.pinterest.com/pin/369224869423300069/

É do borogodó: GUARDA-CHUVAS, DE ROSANA RIOS

Tenho quatro guarda-chuvas
todos os quatro com defeito:
um emperra quando abre,
outro não fecha direito.
Um deles vira ao contrário
se eu abro sem ter cuidado.
Outro, então, solta as varetas
e fica todo amassado.
O quarto é bem pequenino,
pra carregar por aí;
porém, toda vez que chove,
eu descubro que esqueci…
Por isso, não falha nunca:
se começa a trovejar,
nenhum dos quatro me vale –
Eu sei que vou me molhar.
Quem me dera um guarda-chuva
pequeno como uma luva
que abrisse sem emperrar
ao ver a chuva chegar!
Tenho quatro guarda-chuvas
que não me servem de nada;
quando chove de repente,
acabo toda encharcada.
E que fria cai a água
sobre a pele ressecada!
Aí….
* poema publicado no livro “Cheiro de Chuva”, poemas para crianças,  Ed. Studio Nobel.
Seleccionado pela Penélope Martins, nossa conexão com o Brasil

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

abalo


dizem que um abalo trespassou a terra
as árvores tombaram as casas ruíram
entre a órbita dos teus olhos florescia.

Helder Magalhães


Katja Kemnitz - Fotografie

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Chico-Chorão, Maurice Sendak

«Quando Chico-Chorão fez um ano, não houve festa. (A família riu-se e franziu a testa.) O segundo ano, o terceiro e o quarto foram propositadamente esquecidos. E o quinto, sexto e sétimo, nem sequer referidos. Mas eis que Chico-Chorão completou os oito…» Desde a publicação de "O que está lá fora", em 1981, Maurice Sendak não fez mais nenhum outro livro de sua completa autoria até 2011, ano em que surgiu "Chico-Chorão", que seria a sua última obra ainda em vida. Este álbum irreverente retrata as peripécias de um porquinho que, já com nove anos, vai celebrar pela primeira vez o seu aniversário. 

A sua tia surpreende-o com um bolo e oferece-lhe um disfarce mas, por sua iniciativa, Chico-Chorão decide organizar uma grande festa sem o conhecimento dela. O concorrido evento transforma-se pouco a pouco numa desmedida e caótica festança, que será prematuramente interrompida pela tia furiosa. Mantendo a rima do texto original, a deliciosa tradução de Carla Maia de Almeida envolve-nos numa trepidante narrativa, tão ágil como por vezes propositadamente disparatada.



Li este livro da Kalandraka e, ao jeito dos livros de Sendak, caiu-me a sensação de ser uma história para um adulto contar cuidadosamente às crianças, com algum acompanhamento e interpretação. Com figuras grosseiras e vários símbolos, a história tem um fundo triste. Mas que termina num final feliz. 

A tradução é muito bem conseguida, uma vez que o texto vem em rima. É mais um grande trabalho da Carla Maia de Almeida, nesta área dos livros infantis.

Fiquem atentos às livrarias, vão querer ter este livro nas bibliotecas dos vossos filhos.

*Rodrigo Ferrão

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O Rodrigo em mim, Maria José Ferrão

foto: Clara Amorim

Obrigado Rodrigo pela honra de dar a conhecer a magia do seu livro.
Obrigado a todos e todas pela presença aqui, para juntos festejarmos este nascimento, que se torna público e que vem pedir também a todos e a cada um, que vão folhear esta preciosidade, para que o façam com a sensibilidade e a inteligência que a mesma merece.

Escrevi três tópicos que vou de uma forma leve deixar “transpirar”:  O Rodrigo, o livro e a poesia.

Desde menino que conheço o Rodrigo. Loiro, bonito, de sorriso fácil e de coração imenso.
Tenho bem presente na minha memória afectiva, as visitas que ele fazia a casa da minha mãe, ou quando, em festas de família, ele parecia já flutuar nos seus pensamentos muito próprios, mas a leitura que a minha mãe fazia dele, resumia-se a um olhar de deslumbramento que verbalizava assim: - este pequeno parece um príncipe!
Pois, depois e de uma forma subtil, foi crescendo rei das letras, dos livros e do sentir, tornando-os companheiros inseparáveis da sua vida.
Deixou que príncipes e princesas preenchessem o seu imaginário literário. Deixou que lágrimas e pequenos monstros ensombrassem o que a sua vida lhe sussurrava, mas também deixou entrar risos e sorrisos muito mais que cristalinos. E viajou, trazendo as viagens dentro de si.
E, com a poesia lado a lado, o poema fez-se livro como uma música ou um grito.

Queria dizer-lhes que este, não é um qualquer livro de poesia. A poesia não tem regras, e por isso tem esse nome, mas está essencialmente na alma que pomos em cada letra que escrevemos e que saboreamos na lentidão do tempo e na ausência do espaço.
Este livro, que hoje e aqui na nossa cidade é apresentado, é a vida no seu pulsar de memórias, do Avô Vitorino como figura inspiradora e que tão bem ilustra a capa, numa essência e existência  muito presentes. É a saudade das ausências, é a alegria que só o amor nos traz, mas também a dor que lhe é subjacente. É a eterna dicotomia entre a vida e a morte. É a vida concreta do hospital, dos olhares, da solidão pesada mas também da  partilha, das casas, do tempo, esse Khronos que nos domina, das esperas “bordadas” de esperança e das surpresas que nos dão a magia e a luz única das crianças, dos abraços e dos gestos de que a afectividade é feita e se deixa perdurar, e também do pensamento e das interrogações que subjazem ao filósofo que continuamente se questiona perante a realidade e que o faz interpelar o mundo.

Gostei desta página e cito o que o Rodrigo escreve: aprendi com a vida que o amor não é mais do que geometria, prisma de várias e múltiplas pessoas idênticas e raramente paralelas entre si - fim de citação.

E que mais nos traz este livro?
Leva-nos aos esconderijos do nosso eu, mas também às certezas e ao concreto da vida: as árvores, ao longe e o perto, aos pontos sem retorno, às separações e aos encontros, aos dias claros e escuros, ao tempo, e ao TUDO. Mesmo TUDO.
É sobre este tudo que também é feito de pormenores que parecem pequenos nadas, e que fazem a vida e as pessoas, que o Rodrigo nos brinda através do seu livro. Eu diria, uma pérola, para quem a quiser descobrir e depois voar.

Convém deixar um espaço para o silêncio, de preferência com doçura e ternura, para deixar-se levar pelas emoções que vivem no nosso eu mais profundo, onde somos inteiros, plenos, verdadeiros, sensíveis quanto baste. E é também nesta certeza acalentada de sermos capazes de deixar que os nossos olhos se encham de brilho. É o que lhes vai acontecer à medida que vão folheando e percorrendo este itinerário literário que sendo do Rodrigo é também nosso.


Obrigado Rodrigo. Até sempre num aqui e num agora.

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*O Rodrigo em mim, texto de Maria José Ferrão lido na apresentação do livro «Todos os tempos verbais», nas Galerias Lumière, Porto, no passado sábado, dia 28 de Novembro

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

É do borogodó: existe o segredo e existe o mistério

Na mesa do café, dois pires vazios de xícaras ou resquícios de açúcar.
A mão separa um pires do outro.
– Tá vendo esse pires? Esse pires é o segredo que podemos dividir.
–  E esse outro o que é?
– Calma, menina, que eu já vou dizer desse outro o que é.
E ela dá uma risadinha com um quarto de nervoso, um quarto de assombro e metade de sem saber porque ri.
– Esse outro, não saberemos dele mais do que ele revelaria se a nós pudesse se revelar. Esse é o mistério.
Diria a menina que o rapaz é incomum. Ela diria e diz porque, afinal de contas, é tagarela e fala muito pela boca e pelos cotovelos. Ela conta histórias e ele também conta e ouve histórias boas de se contar e ouvir.
A conversa deles é uma parede branca. Eles sentam ao pé da parede branca e esperam que as palavras venham. É nessa hora que ele olha de cá, e a menina olha de lá.
Uma família conhecida dele também se senta todos os dias para apreciar a sua parede branca.
Há histórias que pedem para a gente se sentar.
Acontece que um dia, no meio da história da parede branca daquela família, todos avistaram um risquinho.
Há histórias de riscos e rabiscos.
Observaram o risquinho. A família e os curiosos.
Um homem de roupa de ginástica que passava pelo corredor e uma moça a cavalo, um apresentador de concursos de televisão e o manobrista de carros… Deitaram a fazer perguntas: “de onde veio, para o que, quem fez e o que é este risquinho?”
Eram apressados tagarelas como a menina que queria saber do que era feito o pires no começo da nossa conversa. Pessoas que não dão ao tempo o tempo necessário de dizer as coisas.
E o risquinho na parede, visto de perto, era perfeito. Não estaria ali por acaso, um risquinho tão perfeito.
O risquinho podia ser um fio de cabelo, podia ser um corpo a dormir, até criação de um artista podia ser. Mas o fato é que ninguém o sabia. O risquinho era um mistério.
O escritor Alexandre Honrado convida para mais uma de suas fantásticas histórias em TODOS POR UM RISQUINHO, na companhia da ilustradora Joana Rita, com selo da Bertrand Editora de Portugal.
Aqui no Brasil, as editoras que fiquem de olho nesse autor de miúdas delicadezas. Com sua poética singular, Alexandre convida seus leitores ao olhar além das coisas, transcendendo as primeiras impressões carregadas de julgamentos para alcançar uma exploração essencial na narrativa.
Quem for perspicaz em comprar livros portugueses pela internet, aproveite a dica. TODOS POR UM RISQUINHO é uma pérola (ou melhor, um risco) que não deve faltar para nosso baú de mistérios.


*escolhido por Penélope Martins, nossa ponte para o Brasil

flores


calhava de a noite desabotoar
os teus cabelos sobre o peito
era como se as constelações
te ungissem a pele de rútilo

as flores do jardim abrem-se na sede
em que os dedos tacteiam a memória.

Helder Magalhães

"Just find me" by Aitor Frías & Cecilia Jiménez Photography

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A minha apresentação no Porto


Andei a tentar organizar as ideias para dizer alguma coisa neste dia importante. A vida põe-nos neste corre-corre e parece que só conseguimos parar, por breves momentos, quando estamos de véspera. Somos confrontados com mil e um desafios. A cada dia que passa fica mais complicado quebrar o ritmo.

Não sei como conseguem os poetas sobreviver nos tempos de hoje. Digo-o, porque é um desafio constante arranjar espaços de silêncio, recolhas solitárias, locais onde não os descubram.
Talvez a poesia procure dar significado aos silêncios da alma. O poema seria então o derradeiro acto de coragem, daqueles que gritam bem alto os sentimentos, dentro de um túnel de vento. Um escape às rotinas, que não necessariamente um projecto sincero. Uma montagem de legos, talvez, onde as palavras são pequenas peças que vamos compondo até ter uma figura.

Estou num processo de saída de casa dos meus pais. É a terceira vez que parto, contínuo sem saber se será para sempre. Para mim é certo que nunca devemos excluir ou esquecer os locais onde mora a felicidade. O facto mais simples e básico do amor é precisamente reconhecer que o núcleo principal que o compõe não nasce connosco, mas começa bem antes, com quem nos gera.
Eu não resolvi de um dia para o outro começar a escrever. Vivi e cresci com a doce loucura de um pai coleccionador de livros. Ainda hoje acredito que os alicerces daquela casa não são os tijolos que a compõem, mas os milhares de livros que lá habitam.

A vontade (que só quem vive percebe) de estar rodeado de livros, de saber que uma casa sem estantes é despida de alma e sentimento; explica muita da paixão que tenho por ler. Mas não só. Na família há alguns casos de pessoas que se meteram pela escrita. E isso parece ser transversal a todas as últimas gerações. Explicado, quem sabe, pelo simples acto espontâneo de querer dizer alguma coisa ao mundo.
Talvez seja este o meu ponto de partida na escrita – uma vida que me foi dada já com a existência dos objectos, das paixões dos coleccionadores, dos que precisam de mostrar aos outros aquilo que lhes vai na estratosfera da consciência.

Ter sido livreiro também ajudou a escrever, ler grandes livros potenciou a aventura e descoberta. Nos últimos anos, estive sempre à beira de passar esta barreira que nos separa do desconhecido ao exposto. Escrever é um acto de coragem, repito. E eu tive que me sentir preparado para a ter.
Antes da poesia, houve a crónica. Antes da crónica, houve um blog. Antes de um blog, já eu deixara várias pistas de que um dia me ia atirar de parapente. Mas tinha que perceber o que estava do outro lado do espelho, nem que fosse pelo desafio de me situar.

Tenho uma relação inconstante com aquilo que escrevo. Consigo perceber a arquitectura, o ritmo, a procura geométrica das palavras, a sua colocação pensada. Sei todos os segredos por detrás dos hífens, reticências, pausas e parêntesis, repetições. Só eu sei que parte é a minha vida, que percentagem tem as minhas memórias, o que são respostas que não tenho, o que é absolutamente fingido e não é sequer meu… Porque eu não sou o eu poético, o ser poético é que vive dentro de mim e me vai usando. Como diria Mário de Sá Carneiro, “Eu não sou eu, nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio. Pilar da ponte de tédio, que vai de mim, para o outro.”

O poema normalmente apresenta-se a qualquer hora do dia. O banho costuma ser um lugar onde se geram ideias. A rua (e o simples acto de caminhar) também. Tropeçar numa frase que surge do nada, é normalmente o princípio. E muitas vezes ela vai dar início à montagem.

De baixo para cima esquematizei muitos poemas. De uns textos fiz alguns segundos, numa espécie de acto criativo contínuo. Há coisas que escrevo num impulso rápido e repentino. Outras vezes não, são monstros que crescem comigo cá dentro e que eu preciso de tempo para os expulsar.
Nunca julguei ou senti pensar que o que escrevo pudesse dizer algo ao leitor. Esse é um dos super poderes de quem escreve, que eu só vivi quando começaram a comentar, a citar ou a enviar mensagens acerca do que tinha acabado de produzir e partilhar. Que boa é a sensação de alguém dizer que determinado poema exprime, de alguma forma, o que essa pessoa gostaria de ter dito, mas não o soube ou conseguiu dizer.

Ao mesmo tempo, é estranhíssimo ter um livro publicado. Conto algumas vezes o episódio de estar este ano na feira do livro do Porto e, de repente, aparecer uma pessoa que me diz: “vamos ali à banca onde está o teu livro à venda, quero que me assines um”. Foi uma descida à realidade, o objecto existe e eu sou autor. A verdade é que não me lembro disso todos os dias, por vezes não sei bem se isto é real ou uma ficção que alguém escolheu por mim.


«Todos os tempos verbais» é, assim, aquilo que tenho apelidado de meu livro zero. Não sei bem o que sou enquanto escritor, não sei bem para onde me dirigir a seguir, não faço ideia de onde me situar. E isso é mesmo bom, acreditem. Estou muito longe da fama que se faz em torno dos escritores serem sofredores profissionais, carregarem consigo o peso das suas obras.

Cada vez que leio este meu livro, descubro coisas novas. E há ali pensamentos e frases onde me apetece acrescentar qualquer coisa ou pedaços que me inspiram para futuros poemas.

Uma das outras grandes descobertas que fiz foi talvez perceber algumas ligações entre os poemas que compõem o livro. É extraordinário, porque a ideia nunca foi fazê-lo (o livro nasce com quase todos os poemas escritos). Sentir um fio condutor, uma ténue continuidade entre eles, foi talvez o que mais me surpreendeu neste processo.

Fui sendo empurrado para publicar, sempre que partilhava mais um poema e me liam. Mas ainda hoje questiono como se deu o click?… A ideia do objecto foi toda pensada rapidamente, sem grandes consultas. A partir do momento em que escrevi o poema mais pessoal deste livro, com o título “Avô”, uma voz interior fortíssima atirou-me para o sonho de publicar, podendo, ao mesmo tempo, num acto de amor, dedicá-lo a uma figura fortíssima que me influenciou muito.

A capa não é a figura animada popular das nossas infâncias, como alguém disse, do Inspector Gadget. Apesar das parecenças, o trabalho fantástico do David Pintor é, na realidade, a interpretação do poema dedicado ao meu avô. Para quem o conheceu, fica fácil reconhecê-lo.

O David Pintor, conhecido ilustrador galego, foi a minha primeira escolha para a capa. Conheci o David numa exposição, ali no edifício Axa, em plenos Aliados. Mas ele apresentou-se-me sob a forma de vários quadros de escritores ilustrados, não enquanto pessoa. Rapidamente apareceu-me na internet e comecei de imediato a divulgar o seu trabalho. Mais tarde, tive a sorte de o ver numa livraria infantil aqui no Porto, e foi fantástico ter um livro assinado por ele. O David ilustra as suas dedicatórias – é esta a extensão das suas palavras, do seu nome.

O prefácio da Ana Paula Oliveira e o posfácio da Ana Almeida também foram dois processos rápidos. Eu queria dar espaço a duas pessoas que sempre me impulsionaram na escrita, pelas críticas que me fizeram àquilo que liam. Mas isso até não é o mais importante. O facto é que o amor pelos livros, a descoberta do mundo em que habitam, o encanto pelas palavras… fez crescer uma amizade natural e muito bem vivida. E isso bastaria apenas e só para participarem desta aventura.

A Clara Amorim, aqui presente, foi a pessoa que mais plantou em mim a ideia de um livro. Talvez achasse essa ideia louca quando a ouvi pela primeira vez, cheguei a pensar que pastilhas andava ela a tomar para dizer aquilo, e que farmácia as vendia?

Creio que a Clara também se move e viaja pelas pessoas que lê. Ler livros é uma coisa, mas ler pessoas e livros é outra. E assim, com grande benefício para os escritores e para a Clara, nascem obras, chovem críticas, dão-se uns retoques, organizam-se ideias, crescem amizades improváveis, que não teriam começado caso não vivêssemos neste mundo em rede.

Transpor o virtual para o real é também um acto de coragem, voltámos à mesma ideia. Num planeta onde há cada vez mais actores e menos realizadores, passar a barreira da rede para o abraço, é, em si, atirarmo-nos sem medo para a frente. Ninguém poderia dizer isto há 30 anos atrás, mas assim é.
A Maria José Ferrão (por quase toda a gente conhecida por Mizeca), minha prima e amiga de outra geração (apesar de ter tanta coisa comigo na mesmíssima idade e proporção), foi também a minha primeira escolha para estar ao meu lado no Porto.

Sempre gostei de pessoas invulgares. E por invulgar entendo alguém que tem palavras e olhares que a grande maioria não tem ou não pratica. A Mizeca usa os seus olhares todos, quase como uma prece religiosa. Tem também uma necessidade constante de alimentar a alma, para levar consigo tudo aquilo em que acredita e dar a mão àqueles que ama. Vive no seu mundo próprio e, tal como eu, parece não viver obcecada com aprovações. Num mundo carregado de pessoas tóxicas e de uma certa tendência para ordenarmos os dever-ser, mesmo nos sentimentos que convém organizar; ser invulgar também começa a ser um acto de coragem. Felizmente para a Mizeca nunca foi preciso mudar o disco, a coragem nem é um conceito que ela precise de agarrar com particular força, porque já nasceu misturada entre tantas outras significâncias.

O meu livro procura dar sentidos. Ao contrário do que vulgarmente se diz, acho que nunca chegámos a sair verdadeiramente da idade dos porquês – não, isso não pode ser apenas uma fase da infância. E a poesia é isso: um sentido, um caminho. Onde estou, para onde vou, o que é verdadeiro, o que é ficção, o que é estilo e o que é palha para encher versos?

Vivo o momento mágico de estar aqui. Nunca pensei ter uma plateia para me ouvir, nem nos meus maiores sonhos. Ter a sorte de ter aqui a família presente a dar-me apoio, de ter amigos que fui guardando em todas as idades, de ter pessoas que não conheço muito bem, mas que estão cá; é verdadeiramente um acontecimento na minha história. Sinto e guardo a certeza de que hoje algo muda em mim, num misto de alívio e de certezas para um caminho. Tudo o que vier depois só pode ser mais e melhor.

Nós vamos fazer esta viagem juntos, com a coragem necessária. E sem pressas, sem ligar muito a convenções. Procuremos não ceder à banalidade dos dias, à aceitação dos actos repetitivos. Que haja espaço para mais poesia, livros e conversas sobre eles – isso é o que vos peço.

Em breve vou sair de casa. Não sei bem o que sentir ou como exprimir a partida em palavras. Nesta viagem que é viver, espero ter sempre a força para que os lugares me inspirem. Ou porque tenho saudades deles ou porque simplesmente são o meu aqui e agora, o meu presente.

Não é fácil encontrar o caminho dos sentimentos pela escrita. Por vezes podemos ser vítimas naturais daquilo que já lemos, daquilo que alguém já disse. Mas eu continuo a pensar que os poetas arranjarão sempre forma de sobreviver e de trazer ao mundo um caminho alternativo.

A poesia faz todo o sentido nesta era de sentimentos descartáveis, convencionalismos globais, rebanhos megalómanos. É uma pausa nesta concepção de humanidade que quer à força os seus minutos de fama. É uma solução para quebrar rotinas, ir de encontro aos caminhos mais simples, que tantas vezes fazemos de conta não existirem, apenas e só para parecer bem.

Quem quiser, por favor pegue no meu livro. Tenho todo o prazer em discuti-lo e revelar muitos dos seus segredos, com a intersubjectividade de eu próprio ainda não o conhecer totalmente.

Agradeço novamente aos apresentadores que estiveram aqui comigo, às Galerias Lumière, ao Filipe Soares, à Teresa Castro (uma amiga que trago do meu primeiro emprego, numa livraria, e que hoje é dona da fantástica loja que temos aqui, a AguAgu), ao Helder Magalhães e ao Daniel Gonçalves, por me terem dado luzes sobre como montar uma edição de autor e tudo o que é preciso. Agradeço também toda a ajuda da gráfica, a RealBase, e ainda à minha amiga Sara Costa Leite, que abrilhantou os flyers que circularam nas redes sociais e nos emails.


A todos, muito obrigado por terem vindo. Acreditem que estão a celebrar um dos dias mais felizes que vivi até aqui. 

*Rodrigo Ferrão, no dia da apresentação de «Todos os tempos verbais», nas Galerias Lumière


Agradecimentos: David Pintor | Ana Almeida | Ana Paula Oliveira | Helder Magalhães | Clara Amorim | Maria José Ferrão | Sara Costa Leite | Daniel Gonçalves | Teresa Castro | Filipe Soares | Galerias Lumière | RealBase