sábado, 16 de outubro de 2010

Os funcionários, Honoré de Balzac


Jocoso:
1. que provoca riso, particularmente através da troça
2. divertido, engraçado
3. trocista, chistoso

Balzac é assim. Diz-nos algumas coisas na cara. E, nos tempos antigos de 1830, fala-nos dos funcionários. Desde o mais baixo nível até ao chefe. Uma certeza vos dou: nada mudou. Tudo na mesma. Tanto no século XIX como no século XXI.

E, brilhantemente, escreve-se assim:

Demonstração da utilidade dos funcionários

"Porque se os funcionários apenas servem para escrevinhar e remexer em papéis não devem ser grande coisa como homens. Conclusão fácil e intuitiva.

Oh, caros inimigos da burocracia! Até quando continuareis a proferir estas frases tão frívolas como os próprios funcionários? Pensem comigo: uma porca, um prego, uma tacha, um arame, uma anilha, uma vareta; não têm para nós qualquer valor e todavia perante elas o mecânico pensa: 'sem estas bugigangas, a máquina não funcionava'.

Esta parábola, que fui buscar à Indústria, parece-me estar bem adequada aos nossos tempos, e explica de forma evidente, para que servem os funcionários.

Sabemos nos dias de hoje, que a estatística é o brinquedo mais recente dos modernos homens do Estado, e julgam que os números são o cálculo e naturalmente devemos servir-nos dos números para calcular.

E que nada é mais convincente, para as massas inteligentes do que um punhado de números. Em suma, para os nossos homens de Estado tudo se resume aos números"

('Os funcionários' é uma publicação de Padrões Culturais Editora. Tropecei neste livro em 2009)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares

Ora aqui fica um bom presságio: prefácio de Eduardo Lourenço. Um dos maiores pensadores portugueses abre o livro de um grande talento da escrita portuguesa. Que belo convite a nós, fiéis leitores.

“Uma Viagem à Índia, com consciência aguda da sua ficcionalidade, navega e vive entre os ecos de mil textos-objectos do nosso imaginário de leitores. Como todos os grandes livros, e este é um deles.” - palavras do mestre.

Espero vir a discutir este livro convosco. Para já, pouco sei dele. Apenas que chega dia 20 às bancas e que promete.

"Uma arrojadíssima obra literária a que é impossível ser indiferente. Gonçalo M. Tavares, um dos mais conceituados escritores portugueses da actualidade, propõe uma Epopeia portuguesa para o séc. XXI. Com o melhor da argúcia, lucidez e ironia a que Gonçalo M. Tavares já nos habituou, Uma Viagem à Índia relata-nos a viagem existencial de um homem - um herói, Bloom -, um português que «procurará o impossível: encontrar a sabedoria enquanto foge; fugir enquanto aprende.» Ou uma mulher…" - assim anuncia o site wook.

Curiosamente, o livro foi apresentado em Frankfurt. A este se juntará um outro do mesmo autor, mas pela Porto Editora. É caso para dizer, então e nós?

(Este livro fez parte do Clube de Leitores, mês de Março:

http://discussaoemtornodeumlivro.blogspot.com/2011/04/minha-viagem-india.html

http://discussaoemtornodeumlivro.blogspot.com/2011/04/analise-de-uma-viagem-india-goncalo-m.html)

O rapaz de pijama às riscas, John Boyne

John Boyne pegou num tema já muito explorado. Arriscou passar despercebido, mas alguém deu-lhe importância - ainda bem, o mundo conheceu-o. Ganhou múltiplos prémios por este livro e uma história que os jovens seguem com entusiasmo. Hoje faz parte dos livros do Plano Nacional de Leitura e não será por acaso.

O segredo do sucesso? A amizade entre dois pólos que não se podem cruzar. 'O rapaz de pijama às riscas' é a história de Bruno - filho de um oficial director de um campo de concentração Nazi - e do seu amigo - um rapaz da mesma idade, Judeu e que está separado por uma rede com arame farpado - no campo dos horrores.


Só que as duas crianças não entendem este mundo cruel dos adultos. Vão cultivando a amizade com diálogos longos e com a comida que o menino rico traz ao seu amigo pobre. Uma história para jovens e adultos. Num cenário de guerra, o que se destaca é esta amizade.

No fim, uma tragédia. A tragédia do Holocausto e da solução final. Algo que o mundo, por mais que queira apagar, nunca conseguirá.

Ai Rodrigo...

O convite está feito. E como não se diz não aos amigos, principalmente se são dos bons, vou com todo o gosto aportar um pouco de inepcia/ignorância a este blogue. Não prometo ser assíduo mas pontualmente responsável. Sim, parece contraditório, mas como convidado (para já) não tenho de ser coerente.

Cumprimentos a todos.

Vemo-nos por aí...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Carteiro de Pablo Neruda, Antonio Skármeta


Ler um livro sobre parte da vida de Pablo Neruda. A história de Mario Jiménez, simples carteiro que entrega cartas ao grande poeta. Um cenário de assombro, num refúgio em Itália.

Mário tem um grande desejo: que Neruda lhe dedique um dos seus livros. Missão cumprida, anos mais tarde. A história que deu origem ao filme, um dos meus favoritos.

Pelo meio, diálogos desconcertantes entre Pablo e Mário. Um desses diálogos recordo bem - Pablo a explicar o que são metáforas. Há uns anos fiz de Pablo Neruda num teatro amador. Foi aí que li este livro de Skármeta.

Um romance sobre a vida deste vulto da literatura mundial, sobre a década de 70, sobre amizade, amor, o exílio de Neruda (fugido do Chile) e muito, mas muito mais.

Um excerto vos deixo, em filme...

Reunião Poética

Num anterior texto lancei o repto para falarmos de poesia. Deixo aqui um resumo do que se publicou no blogue e no grupo de facebook.

De entre muitos, 'esquilo azul' deixou este de Matsuo Basho:

"O velho tanque
um sapo salta
barulho de água"

Flora preferiu, de Herberto Helder:

O Amor em vista

"Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Elsa Martins Esteves quis José Régio com Cântico Negro:

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"

Por fim, Isabel sugeriu Pablo Neruda:

Se tu me esqueces

"Quero que saibas
uma coisa.

Tu sabes como é:
se contemplo
a lua de cristal, os ramos rubros
do outono lento da minha janela,
se toco
ao pé do lume
a impalpável cinza
ou o corpo enrugado da lenha,
tudo a ti me conduz,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
em direcção às tuas ilhas que me esperam.

Ora bem,
se a pouco e pouco deixas de amar-me,
deixarei de amar-te a pouco e pouco.

Se de repente me esqueceres,
não me procures,
que já te haverei esquecido.

Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que percorre a minha vida
e decidires
deixar-me à margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
nessa hora,
levantarei os braços
e as minhas raízes irão
procurar outra terra.

Mas se em cada dia,
em cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
Se em cada dia em teus lábios
nasce uma flor que me procura,
ai, meu amor, ai, minha,
todo esse fogo em mim se renova,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor do teu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres continuará nos teus braços
sem abandonar os meus."

Uma nota apenas: A Sara Coutinho Varino deixou-me um belíssimo poema de W.H.Auden. Esse já o publiquei (texto anterior).

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

W.H.Auden

" Parem todos os relógios,
Cortem o telefone
Impeçam que o cão ladre
Com um osso delicioso.
Calem os pianos e, com um
tambor abafado, tragam o caixão,
Deixem os aviões sobrevoarem
gemendo lá em cima,
Escrevinhando no céu
a mensagem: ele morreu.

Coloquem laços à volta
dos pescoços das pombas,
Deixem os polícias de trânsito
usar luvas pretas de algodão.

Ele era o meu Norte, o meu Sul,
o meu Este e o meu Oeste.
A minha semana de trabalho
e o meu Domingo de descanso,
o meu meio-dia,
a minha meia-noite,
a minha conversa, a minha canção.


Pensava que aquele amor
duraria para sempre.
Estava enganado.
As estrelas já não são desejadas,
apaguem-nas.
Embrulhem a Lua
e desmanchem o Sol.
Despejem o oceano
e varram a floresta,
porque agora não servem para nada. "

(Obrigado Sara, há muito que não lia este poema...)

Mundo do Fim do Mundo, Luis Sepúlveda

Talvez alguém pensasse que a estreia de Luis Sepúlveda neste blogue fosse dada ao seu livro 'O velho que lia romances de amor'. E, realmente, é o mais importante. Hoje resolvi pegar noutro - menos óbvio, mas com qualidade - e deixar a sua obra mais famosa para daqui a uns tempos. Acho que é bom, de vez em quando, não alinharmos pelo que todos falam.


'Mundo do fim do mundo' é a história de um rapaz que se interessa pela grande obra de Melville, Moby Dick. O seu entusiasmo leva-o a embarcar num baleeiro para onde o mundo termina, nos confins da América do Sul. A descrição desta zona do globo é extraordinária - aparentemente inóspita, mas cheia de vida animal.

Anos mais tarde torna-se um ecologista e regressa àquela parte da Terra para denunciar os crimes contra a fauna marítima. Os japoneses pescavam ilegalmente baleias, em navios piratas.

A viagem começa no Chile em direcção a Sul - por mares. De um rapaz que embarca como ajudante de cozinha e responsável por limpezas, conhece velhos marinheiros e muitas histórias marítimas. Muito tempo depois, como jornalista, o regresso a um mundo em extinção. 'Mundo do fim do Mundo' é uma história de aventuras, denuncia a natureza dominadora do Homem, na dicotomia - Homem/Homem, Homem/Mundo animal.

domingo, 10 de outubro de 2010

Os poemas...


Ler poesia. Dizer poesia. Cantar poesia.

Qual o encanto desta forma de escrita? A métrica, a rima, o pensamento? Questiono-me vezes sem conta o porquê de gostar ler poesia. Normalmente leio-a nos intervalos dos grandes romances. Ou quando algum livro me está a custar desatar.

Não consigo ler de uma meada um livro de poemas. Comigo não funciona. Tenho que fazê-lo pausadamente para absorver cada palavra, apanhar o sentido. Acredito piamente que a orgânica de um poema se prende com a escolha deliberada das palavras. Rimar é apenas um pormenor. O sentimento é criado por cada peça, num puzzle de sensações.

Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa (nas diversas formas) e Vinícius... Não me canso de voltar a eles. Sei que há muitos mais e vou estando atento. Mas é a estes que regresso... Vezes sem fim. Completam o meu estado de espírito - seja ele qual for no momento.

Deixo-vos o poema que mais gosto. A razão: é cantado pelo poeta! E pergunto, qual o vosso?

Soneto da Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes e com tal zelo e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vive-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor que tive
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas, que seja infinito enquanto dure.