Ao Rimar Dor com Pensamento
Ao rimar dor com pensamento
escrevo ternura, afecto,
apenas quem me conceda
um gesto, mínimo gesto
um poeta não se assassina
ia dizer mas disto não entendes
é a superfície que pretendes
da coisa leve, pequenina
Isto é lama, são entranhas, é lixo,
chama, horror, precipício
que consome, enaltece, aflige
em tom maior, menor, e a verdade
capriche. Que em verdade digo:
de aqui em diante - apenas sigo
*Helga Moreira, in Tumulto
sábado, 1 de novembro de 2014
Charlie Brown sente-se só
*Acompanhe a página Book Porn - https://www.facebook.com/pages/Book-Porn/371969449495192
Músicas que são livros: The Police
Artist/Song: The Police – Don’t Stand So Close To Me (from 1980’s Zenyatta Mondatta)
Book: Vladimr Nabokov’s Lolita
Lyric: “Young teacher the subject of schoolgirl fantasy… This girl is half his age… He starts to shake and cough/Just like the old man in that book by Nabokov.”
foto tirada daqui: http://soultrain.com/2014/09/11/80s-polices-synchronicity/
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Poema à noitinha... Judith Teixeira
Mais Beijos
Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!
Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!
Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!
*Judith Teixeira, in Antologia Poética
Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!
Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!
Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!
*Judith Teixeira, in Antologia Poética
a-ver-livros: silêncios
Porque há silêncios
que gritam
e espelhos que não reflectem
há portas
que não se abrem
e mãos que nunca se tocam
Há sonhos que nunca
se agarram
em peitos que nunca
se rasgam
saudades que nunca
se matam
por mais que feches
os olhos
Ana Almeida
que gritam
e espelhos que não reflectem
há portas
que não se abrem
e mãos que nunca se tocam
Há sonhos que nunca
se agarram
em peitos que nunca
se rasgam
saudades que nunca
se matam
por mais que feches
os olhos
Ana Almeida
foto: Ana Almeida
Poesia em matéria fria: Amilcar de Castro
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Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações
Caro
José,
Escrevo-lhe
a estas horas tardias, mornas e líricas, por saber que lerá estas palavras
ainda hoje. O estafeta sabe a luz que vem do seu quarto. Noites de estudo,
certo? Estude muito, o máximo que possa, com certeza que voará sem medo, lá nas
alturas celestes das belezas inexplicáveis. É tarde, e gostaria que publicasse
isto aquando do sono de muitos, para que este texto passe breve, ligeiro e
anónimo, pois é assim que tudo deve ser visto. Tudo, claro está, aquilo que
está nas impressões e na pessoa que as escreve.
Dê-me
novidades suas! Que é feito dos seus (…) para quando o fim dos textos em que
escreve a tarde em que nos conhecemos? Envie-me para a próxima semana algo para
ler. Cheguei esta manhã de Veneza e ainda não dormi nada. Sinto-me num sonho,
meu querido amigo. Volto à pacatez de Coimbra, da nossa Coimbra, e sinto-me
como um perdido, incerto não nas escolhas que devo fazer, antes nas certezas já
aceites por todos. Fumo um charuto como há muitos anos atrás e penso.
Outras
conversas, que agora não interessam. (…)
Apareça
cá por casa quando quiser, sabe onde moro. Efraim manda um apertado abraço.
Outro meu.
Do
seu
Gonçalo
V. de S.
“Noites de Outono”
Chego a este quarto de hotel, em
Nicosia, a tantos de Agosto de 1986. É de madrugada e o Oriente entra por esta
varanda com toques de seda e de cetim fino. No ar paira um aroma quente,
exótico. Efraim arruma as malas e os acessórios. A garrafa de Whisky, velhaco!,
e um copo!, e gelo! E vem tu também beber desta noite!, peço ao formidável judeu
em tom amigável e que carrega anos e anos de confidência.
Que me espera, para lá desta noite e das
estrelas que existem depois do nosso olhar sobre elas? Um suave vento sopra do
Sul, do Sul onde existem caravanas imaginárias, onde os dromedários tropeçam em
séculos de areia e civilizações que passam, como uma chuva.
Este país é um navio.
Este país é um navio.
Este país é um navio.
Necessário é escrever durante esta
temporada neste país mitológico. Talvez só viva de noite todas estas experiências
de vento e calor e estrelas num céu manso e ondulado, que nos chega através do
sussurro dos búzios que ficaram lá, longe, na costa.
O vento a soprar, as palmeiras agitam-se
num frufru botânico exuberante. Negras e líquidas colunas de folhas respigam
num sussurro diletante.
Este país é um navio.
Este país é um navio.
Este país é um navio.
Talvez uma noite de sono fosse o ideal
para a alma. Mas que é feito da alma a estas horas da madrugada? Traz o whisky,
Efraim!
Tenho impressões estranhas, que me
parecem surgir entre o estar adormecendo e o estar sonhando. Uma forma de
desdormir bastante soaresiana. Hoje tudo é viagem. Portos, aeroportos,
estações, terminais, gares, tudo isso são os pontos de encontro deste final de
século. Encontramo-nos todos no ponto de viagem, sempre entre esquinas de
perguntas casuais e carregadíssimas de uma hipocrisia social maneirista. O
estável de hoje é o movimento e a incerteza. Ah! Como é bom ser incerto, não
ter certezas de nada ou de sistemas e Ideias!
Deito-me não cansado, mas farto de uma
supercivilização. Lembro-me de Jacinto e rio-me como um Cristo milagreiro! Ah!
Leituras imbecis de um falso regresso à pureza ufana das serras.
Traz o raio do whisky, Efraim, seu
velhaco! Efraim demora, não sei se propositadamente ou se por conta das fotos
que trago, sempre, comigo, como companhias feitas de sépia e de tempo. A
vontade que tenho, por vezes, de um pouco de passado e de uma vaga
possibilidade de te conhecer, Maria Adelaide.
Tenho a certeza da certeza do amor, nos
teus lábios quase diáfanos, quase.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
a-ver-livros: o voo
Vivo na cidade dos livros
e quero fugir
farta das esquinas
onde se endeusa o medo
e dos becos fétidos
em que se refugiam os mortais
Vivo na cidade dos livros
e quero um milhafre que me voe
sílaba a sílaba
na direcção do fim
Ana Almeida
e quero fugir
farta das esquinas
onde se endeusa o medo
e dos becos fétidos
em que se refugiam os mortais
Vivo na cidade dos livros
e quero um milhafre que me voe
sílaba a sílaba
na direcção do fim
Ana Almeida
![]() |
* para saber mais sobre o artista alemão Hartmut R. Berlinicke siga o link http://www.soesten-galerie.de/Hartmut_R_Berlinicke |
O Javali de Vladivostok: SMS histórica
O que fui descobrir!
Na madrugada do famoso discurso de Washington, Martin Luther King Jr. enviou uma SMS a Sigmund Freud:
"I have a dream"
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2014/10/smss-historica.html
Na madrugada do famoso discurso de Washington, Martin Luther King Jr. enviou uma SMS a Sigmund Freud:
"I have a dream"
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2014/10/smss-historica.html
Eu Poético: «Reciclagem»
Reciclagem
deixei a tristeza no caixote verde,
no azul a raiva,
no amarelo resta-me a emoção
da saudade de não te ver mais.
largo tudo e vou ao mar,
onde imagino os castelos
que um dia fiz
com aquele balde
e aquela pá.
ai se eu pudesse voltar aos dias em que brincava sem fim
e imaginava morrer velho
(como as estrelas lá longe)
e pensava ser um super herói
(como o Indiana Jones)
e julgava que amar era abraçar a minha mãe
e...
e...
e
tanto
futuro
não
medido.
se eu então pudesse...
retomaria o passado de que sinto falta,
coleccionaria todos os teus sorrisos
e guardava o teu cheiro num baú a sete chaves.
no meu ouvido a tua voz,
na minha pele a aspereza da tua mão,
no meu coração o aperto das tuas angústias
e na retina a imagem dos dias felizes.
já que a memória não se recicla,
já que a memória não se transforma em presente,
já que o tempo não se repete,
já que o tempo não volta para trás,
deixa-me apenas
e tão só
escrever.
escrever é a solução final.
Rodrigo Ferrão
deixei a tristeza no caixote verde,
no azul a raiva,
no amarelo resta-me a emoção
da saudade de não te ver mais.
largo tudo e vou ao mar,
onde imagino os castelos
que um dia fiz
com aquele balde
e aquela pá.
ai se eu pudesse voltar aos dias em que brincava sem fim
e imaginava morrer velho
(como as estrelas lá longe)
e pensava ser um super herói
(como o Indiana Jones)
e julgava que amar era abraçar a minha mãe
e...
e...
e
tanto
futuro
não
medido.
se eu então pudesse...
retomaria o passado de que sinto falta,
coleccionaria todos os teus sorrisos
e guardava o teu cheiro num baú a sete chaves.
no meu ouvido a tua voz,
na minha pele a aspereza da tua mão,
no meu coração o aperto das tuas angústias
e na retina a imagem dos dias felizes.
já que a memória não se recicla,
já que a memória não se transforma em presente,
já que o tempo não se repete,
já que o tempo não volta para trás,
deixa-me apenas
e tão só
escrever.
escrever é a solução final.
Rodrigo Ferrão
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
O regresso do imprevisível
Sobre João César Monteiro foi dito muitas vezes que, como cineasta, "era uma merda". Mas, recordou certa vez o próprio, "diziam que o que eu devia fazer era escrever, porque para escrever tinha imenso jeito".
A prova dos nove pode ser tirada a partir de dia 3 de Novembro, altura em que começa a ser editada a obra escrita deste polémico, irreverente e imprevisível português, como revela a notícia.
A seu tempo, esta aventura editorial em que "não entra o deve e o haver", como explica Vítor Silva Tavares, espécie de coordenador-geral da iniciativa, incluirá a edição do único livro de poemas de João César Monteiro, "Corpo Submerso".
Esta edição de autor recheada de poemas surrealistas terá sido condenada à destruição pelo próprio autor. Mas "a amiga [e poeta] Luiza Neto Jorge pôde ainda, não sei como, sacar meia dúzia de exemplares e à socapa ofereceu a alguns amigos, entre eles eu, com a promessa de ficarmos com o bico calado”, revelou o editor e amigo do cineasta ao Público.
Conheciam esta faceta de João César Monteiro? Descubram-na.
Ana Almeida
A prova dos nove pode ser tirada a partir de dia 3 de Novembro, altura em que começa a ser editada a obra escrita deste polémico, irreverente e imprevisível português, como revela a notícia.
A seu tempo, esta aventura editorial em que "não entra o deve e o haver", como explica Vítor Silva Tavares, espécie de coordenador-geral da iniciativa, incluirá a edição do único livro de poemas de João César Monteiro, "Corpo Submerso".
Esta edição de autor recheada de poemas surrealistas terá sido condenada à destruição pelo próprio autor. Mas "a amiga [e poeta] Luiza Neto Jorge pôde ainda, não sei como, sacar meia dúzia de exemplares e à socapa ofereceu a alguns amigos, entre eles eu, com a promessa de ficarmos com o bico calado”, revelou o editor e amigo do cineasta ao Público.
Conheciam esta faceta de João César Monteiro? Descubram-na.
Ana Almeida
Acompanha o livro Arte de Amar com...
Se há coisas que odeio, mais até do que a austeridade, são aqueles prefaciadores que contam o livro todo antes de termos oportunidade de o ler. Bois!
Por isso, aconselho vivamente a A arte de amar de Ovídio e sugiro que acompanhem a sua leitura com as seguintes ementas gastronómica e musical.
Sopa
Do que quiseres, baby!
Prato principal
Pode ser vegetariano, baby! Hoje escolhes tu.
Sobremesa
Se quiseres tenho um docinho em casa para ti, baby.
Bebida
Vinho rosé
Música de acompanhamento
Por isso, aconselho vivamente a A arte de amar de Ovídio e sugiro que acompanhem a sua leitura com as seguintes ementas gastronómica e musical.
Sopa
Do que quiseres, baby!
Prato principal
Pode ser vegetariano, baby! Hoje escolhes tu.
Sobremesa
Se quiseres tenho um docinho em casa para ti, baby.
Bebida
Vinho rosé
Música de acompanhamento
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2014/10/acompanha-o-livro-arte-de-amar-com.html
O Clube dos Poetas Mortos
Acompanhe os Trocadilhos do Tone: https://www.facebook.com/OsTrocadilhosDoTone
Poesia em matéria fria: Alice Ruiz
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terça-feira, 28 de outubro de 2014
a-ver-livros: felicidades
A minha felicidade passa pela leitura do dicionário.
E a vossa?
Ana Almeida
E a vossa?
Ana Almeida
![]() |
* ilustração do projecto Felicidário https://www.facebook.com/felicidario365ideiasparamaioresde65/photos_stream |
É do borogodó: o mundo num segundo
demorou. a vontade era tanta que chegasse a hora e aquele relógio,
com imperativos de dizer o tempo, teimava andar lento, quase parando.
demorou demais. um segundo arrastado na força de hora inteira.
e eu tamborilei com os dedos mil vezes sobre a mesa do café. e eu fechei e tornei abrir o mesmo livro, na mesma página, para tornar a ver o mesmo parágrafo que continuava lá: intacto.
o relógio de parede tinha a hora exata da demora.
demorou demais chegar.
chegou, e veio sorrindo, vestida de branco, vestido de azul. o abraço demorou. as palavras se "demoraram. o relógio nem ligou continuar lentinho, devagarinho, sem pressa.
passou um homem apressado. passou uma mulher apressada. passaram dois velhos apressados. o homem olhava o relógio que, pelo adiantado da hora, fazia apressar.
a gente se demora em conversa boa que não quer ter fim.
tem tempo que a gente não percebe que “cada vez que um segundo atravessa o mundo (sempre correndo, sempre apressado), milhões de coisas acontecem, aqui, ali, em todo lado…”…
é que o tempo é cheio de artimanhas: passa depressa, passa demorado e continua a dizer que é sempre igual, quando não é.
toda gente sabe como pode ser ruim a ESPERA. toda gente sabe que é culpa do tempo – que passa ligeiro – quando chegamos ATRASADOS.
mas também se sabe que em um segundo, ‘alguém buzina numa cidade mexicana’, ‘uma bola voa em direção de uma janela’, ‘uma menina acelera o passo a caminho da escola’, e duas pessoas ignoram o tempo que passa a correr no mundo enquanto a conversa é boa.
tempo e lugar são duas coisas que dificilmente compreendemos ou compreenderemos. o tempo porque não se vê, nem se conta, apenas o sabemos pela noite e dia – que pode se reverter nos bate-papos entre Tokyo e São Paulo. o lugar, sujeito não menos traquinas, pela ilusão da facilidade que nos causa quando observamos de longe o que não conhecemos de perto.
conversa confusa essa. pensamento confuso custa tempo. demora.
as vezes a gente se demora com quem a gente gosta e quando se dá conta: foi tempo!
o mundo passa num segundo e, quando a gente pisca já é tempo de dizer adeus."
* EM TEMPO, para leitores interessados em brincar com narrativas poético-ilustradas sobre tempo e espaço, corram apanhar um exemplar de "O MUNDO NUM SEGUNDO", de Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, publicado no Brasil pela Editora Peirópolis, de São Paulo.
Penélope Martins
e eu tamborilei com os dedos mil vezes sobre a mesa do café. e eu fechei e tornei abrir o mesmo livro, na mesma página, para tornar a ver o mesmo parágrafo que continuava lá: intacto.
o relógio de parede tinha a hora exata da demora.
demorou demais chegar.
chegou, e veio sorrindo, vestida de branco, vestido de azul. o abraço demorou. as palavras se "demoraram. o relógio nem ligou continuar lentinho, devagarinho, sem pressa.
passou um homem apressado. passou uma mulher apressada. passaram dois velhos apressados. o homem olhava o relógio que, pelo adiantado da hora, fazia apressar.
a gente se demora em conversa boa que não quer ter fim.
tem tempo que a gente não percebe que “cada vez que um segundo atravessa o mundo (sempre correndo, sempre apressado), milhões de coisas acontecem, aqui, ali, em todo lado…”…
é que o tempo é cheio de artimanhas: passa depressa, passa demorado e continua a dizer que é sempre igual, quando não é.
toda gente sabe como pode ser ruim a ESPERA. toda gente sabe que é culpa do tempo – que passa ligeiro – quando chegamos ATRASADOS.
mas também se sabe que em um segundo, ‘alguém buzina numa cidade mexicana’, ‘uma bola voa em direção de uma janela’, ‘uma menina acelera o passo a caminho da escola’, e duas pessoas ignoram o tempo que passa a correr no mundo enquanto a conversa é boa.
tempo e lugar são duas coisas que dificilmente compreendemos ou compreenderemos. o tempo porque não se vê, nem se conta, apenas o sabemos pela noite e dia – que pode se reverter nos bate-papos entre Tokyo e São Paulo. o lugar, sujeito não menos traquinas, pela ilusão da facilidade que nos causa quando observamos de longe o que não conhecemos de perto.
conversa confusa essa. pensamento confuso custa tempo. demora.
as vezes a gente se demora com quem a gente gosta e quando se dá conta: foi tempo!
o mundo passa num segundo e, quando a gente pisca já é tempo de dizer adeus."
* EM TEMPO, para leitores interessados em brincar com narrativas poético-ilustradas sobre tempo e espaço, corram apanhar um exemplar de "O MUNDO NUM SEGUNDO", de Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, publicado no Brasil pela Editora Peirópolis, de São Paulo.
Penélope Martins
O Javali de Vladivostok: O escritor de policiais que matou o protagonista à segunda página
Ideia para colecção de 10 livros tipo Poirot.
Enredo:
Toriop, ex-agente secreto - percepção Sherlock, voz de barítono Nero Wolfe, paladar Pepe Carvalho e pantufas Maigret -, é chamado para investigar o assassinato dos sonhos das pessoas que têm filhos, em Paramos.
Acontece que tropeça numa vírgula mal posta pelo narrador e parte o pescoço no primeiro hífen da palavra 'fim-de-semana'. O escritor é Adventista dos Assassinos do 7º dia do Acordo Ortográfico.
Tudo isto ocorre à segunda página e o assassino termina o livro incólume, pois o escritor está devastado pela morte do herói por um erro gramatical.
Toriop não mais entra nos livros seguintes, onde assistimos ao crescimento da onda de crime até aos limites do apocalipse, sendo que o décimo livro termina com um capítulo em branco, uma vez que o escritor se suicida por obesidade da consciência.
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2013/04/o-escritor-de-policiais-que-matou-o.html
Enredo:
Toriop, ex-agente secreto - percepção Sherlock, voz de barítono Nero Wolfe, paladar Pepe Carvalho e pantufas Maigret -, é chamado para investigar o assassinato dos sonhos das pessoas que têm filhos, em Paramos.
Acontece que tropeça numa vírgula mal posta pelo narrador e parte o pescoço no primeiro hífen da palavra 'fim-de-semana'. O escritor é Adventista dos Assassinos do 7º dia do Acordo Ortográfico.
Tudo isto ocorre à segunda página e o assassino termina o livro incólume, pois o escritor está devastado pela morte do herói por um erro gramatical.
Toriop não mais entra nos livros seguintes, onde assistimos ao crescimento da onda de crime até aos limites do apocalipse, sendo que o décimo livro termina com um capítulo em branco, uma vez que o escritor se suicida por obesidade da consciência.
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2013/04/o-escritor-de-policiais-que-matou-o.html
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
O Javali de Vladivostok: A peça de teatro Job
O Javali de Vladivostok propôs-se adaptar a bonita história de Job, presente no Antigo Testamento, de modo a que as companhias de teatro desse mundo possam representar esta peça. Vejamos:
Uma dramatização
Seis personagens fictícias:
Job
Elifaz
Bildad
Zofar
Eliu
Deus
Satã
No alto do céu, Satã visita Deus para o piquenique semanal.
Deus - Então Satã, como vai isso?
Satã - Vai mal, meu Deus... vai mal.
Deus - Quer dizer isso que vai bem?
Satã - Sempre nas interpretações, seu maroto! Até os pensamentos se movimentam por caminhos misteriosos.
Deus - Ah! Ah! Ah! Ice tea para acompanhar os jesuítas?
Satã - Pode ser. Estás de bom humor! Que se passa?
Deus - Estás a ver ali, junto ao riacho? Ali vive o meu maior fã.
Satã - Como assim?
Deus - Vive ali o mais recto dos homens. Tem uma família, propriedades e gado abundantes e adora a eu.
Satã - A mim?
Deus - Querias!
Satã - Não era isso que queria dizer mas... Deixa lá! E não achas que, correndo tudo de feição, ele tem alguma razão para não te adorar?
Deus - Como assim?
Satã - Se lhe tirássemos coisas, creio que a adoração não seria assim tanta.
Deus - Será que me está a cheirar a aposta?
Satã - Ó meu Deus, podemos apostar quando vamos jogar bowling, agora com pessoas, não!
Deus - Agora viraste mariquinhas?
Satã - Não digas isso!
Deus - Mariquinhas!
Satã - Retira o que disseste!
Deus - MA-RI-QUI-NHAS!
Satã - Ai é? Então vou tirar-lhe a mulher, os filhos e as propriedades. Se ele continuar a adorar-te, podes ir buscar quem quiseres ao Inferno. Se o sentimento dele decrescer, posso eu escolher alguém do Céu para levar lá para baixo.
Deus - Por mim, até podes chagar-lhe o corpo todo.
Satã - Mas, mas, mas... Ok, tu é que mandas.
Na Terra, Job levava uma vida abastada, num quotidiano bucólico, quando algo o fez ficar sem filhos, propriedades e o respeito da comunidade. Foi 'algo' porque foi inventado por Deus e o homem que está a escrever este texto ainda não teve o discernimento (quanto mais, a inteligência) para descortinar o divino acto.
Job - Ai, ai! Mas que é isto? Ainda agora estava a ordenhar uma vaca e ela evaporou-se! Fiquei com as mãos sem tetinhas, a fazer movimentos como se estivesse a conduzir um tractor. Obrigado, meu Deus, por me evaporares a vaca, que a mulher já andava a desconfiar.
Satã (a pensar) - Continua a adorar, mesmo tendo perdido as riquezas... Esquisito! Pronto, vou chagá-lo.
Job - Ai, ai! Que dores! Oh, que feridas são estas? Não te apoquentais, Job! Recebeste o bem do Senhor, também deverás tomar o seu mal. E assim experimentas sensações novas, de dor intensa. Obrigado, meu Deus!
Chegam três amigos mais um.
Elifaz - Olá Job, velho amigo. Então, és iníquo, heim?
Job - Estais equivocado. Sou todo bom. Deus ter-se-á equivocado nas pústulas. O Schlomo, aquele pastor que passa mais tempo com as ovelhas do que com a mulher, vive aqui na quinta ao lado. Isto devia ser para ele.
Bildad - Olha que não, velho amigo. Deus não se engana. Deves ser mesmo um grande ímpio.
Job - Nada disso. Sempre fui bom. Deveras.
Zofar - Não me parece, velho amigo. Cá para mim sempre foste um estulto.
Job - Como podes dizer isso? Mesmo com o corpo em decomposição, eu continuo a adorar a Deus. Não fosse ter-me caído um braço há cinco minutos e abraçar-te-ia, apesar dos insultos.
Eliu - Basta! Cambada de ignóbeis. Nem os três senhores com nome de detergente de roupa têm razão, nem tu, mártirzinho de pacotilha! Deus é que julga, Deus é que sabe. A interpretação dos seus actos não cabe aos homens, pois os homens não podem interpretar actos de alguém superior. Deus só responde a si mesmo.
Entra Deus (peço desculpa pelo pleonasmo, tendo em conta a omnipresença).
Deus - É isso!
Job - Isso o quê?
Deus - Estais a interrogar-me?
Job - Não é isso. Só não percebi...
Deus - E como poderias tu perceber?
Job - Adoro-te!
Deus - Eu sei.
Na semana seguinte, Satã volta a encontrar-se com Deus no céu.
Satã - Trouxe aqui uns miminhos conventuais.
Deus - Se não és tu a trazer, nunca como nada disso.
Deus - Mas não foi só isso que trouxeste, pois não?
Satã - Olha que nunca pensei que ganhasses esta aposta. O que aconteceu ao pobre diabo?
Deus - Pobre deusinho, se faz favor. Restituí-lhe tudo: gado, mulher, filhos, propriedades...
Satã - Como assim? Ainda te lembravas de tudo?
Deus - Na verdade, não me lembrava muito bem da quantidade. Pelo sim, pelo não, mandei-lhe tudo à grande, incluindo uma mulher com um par de mamas divinais.
Satã - Uau! Isso é mesmo à minha medida: diabólico.
Deus - Agora mostra, mostra! Trouxeste-me o Homero?
Satã - Sim, está aqui. Mas não percebo para que precisas dele? Sabes que ele é um esquizofrénico religioso: acha que há vários deuses.
Deus - Eu sei. Mas estou mesmo a precisar de um grande escritor para contar a maior história de todos os tempos.
Uma dramatização
Seis personagens fictícias:
Job
Elifaz
Bildad
Zofar
Eliu
Deus
Satã
No alto do céu, Satã visita Deus para o piquenique semanal.
Deus - Então Satã, como vai isso?
Satã - Vai mal, meu Deus... vai mal.
Deus - Quer dizer isso que vai bem?
Satã - Sempre nas interpretações, seu maroto! Até os pensamentos se movimentam por caminhos misteriosos.
Deus - Ah! Ah! Ah! Ice tea para acompanhar os jesuítas?
Satã - Pode ser. Estás de bom humor! Que se passa?
Deus - Estás a ver ali, junto ao riacho? Ali vive o meu maior fã.
Satã - Como assim?
Deus - Vive ali o mais recto dos homens. Tem uma família, propriedades e gado abundantes e adora a eu.
Satã - A mim?
Deus - Querias!
Satã - Não era isso que queria dizer mas... Deixa lá! E não achas que, correndo tudo de feição, ele tem alguma razão para não te adorar?
Deus - Como assim?
Satã - Se lhe tirássemos coisas, creio que a adoração não seria assim tanta.
Deus - Será que me está a cheirar a aposta?
Satã - Ó meu Deus, podemos apostar quando vamos jogar bowling, agora com pessoas, não!
Deus - Agora viraste mariquinhas?
Satã - Não digas isso!
Deus - Mariquinhas!
Satã - Retira o que disseste!
Deus - MA-RI-QUI-NHAS!
Satã - Ai é? Então vou tirar-lhe a mulher, os filhos e as propriedades. Se ele continuar a adorar-te, podes ir buscar quem quiseres ao Inferno. Se o sentimento dele decrescer, posso eu escolher alguém do Céu para levar lá para baixo.
Deus - Por mim, até podes chagar-lhe o corpo todo.
Satã - Mas, mas, mas... Ok, tu é que mandas.
Na Terra, Job levava uma vida abastada, num quotidiano bucólico, quando algo o fez ficar sem filhos, propriedades e o respeito da comunidade. Foi 'algo' porque foi inventado por Deus e o homem que está a escrever este texto ainda não teve o discernimento (quanto mais, a inteligência) para descortinar o divino acto.
Job - Ai, ai! Mas que é isto? Ainda agora estava a ordenhar uma vaca e ela evaporou-se! Fiquei com as mãos sem tetinhas, a fazer movimentos como se estivesse a conduzir um tractor. Obrigado, meu Deus, por me evaporares a vaca, que a mulher já andava a desconfiar.
Satã (a pensar) - Continua a adorar, mesmo tendo perdido as riquezas... Esquisito! Pronto, vou chagá-lo.
Job - Ai, ai! Que dores! Oh, que feridas são estas? Não te apoquentais, Job! Recebeste o bem do Senhor, também deverás tomar o seu mal. E assim experimentas sensações novas, de dor intensa. Obrigado, meu Deus!
Chegam três amigos mais um.
Elifaz - Olá Job, velho amigo. Então, és iníquo, heim?
Job - Estais equivocado. Sou todo bom. Deus ter-se-á equivocado nas pústulas. O Schlomo, aquele pastor que passa mais tempo com as ovelhas do que com a mulher, vive aqui na quinta ao lado. Isto devia ser para ele.
Bildad - Olha que não, velho amigo. Deus não se engana. Deves ser mesmo um grande ímpio.
Job - Nada disso. Sempre fui bom. Deveras.
Zofar - Não me parece, velho amigo. Cá para mim sempre foste um estulto.
Job - Como podes dizer isso? Mesmo com o corpo em decomposição, eu continuo a adorar a Deus. Não fosse ter-me caído um braço há cinco minutos e abraçar-te-ia, apesar dos insultos.
Eliu - Basta! Cambada de ignóbeis. Nem os três senhores com nome de detergente de roupa têm razão, nem tu, mártirzinho de pacotilha! Deus é que julga, Deus é que sabe. A interpretação dos seus actos não cabe aos homens, pois os homens não podem interpretar actos de alguém superior. Deus só responde a si mesmo.
Entra Deus (peço desculpa pelo pleonasmo, tendo em conta a omnipresença).
Deus - É isso!
Job - Isso o quê?
Deus - Estais a interrogar-me?
Job - Não é isso. Só não percebi...
Deus - E como poderias tu perceber?
Job - Adoro-te!
Deus - Eu sei.
Na semana seguinte, Satã volta a encontrar-se com Deus no céu.
Satã - Trouxe aqui uns miminhos conventuais.
Deus - Se não és tu a trazer, nunca como nada disso.
Deus - Mas não foi só isso que trouxeste, pois não?
Satã - Olha que nunca pensei que ganhasses esta aposta. O que aconteceu ao pobre diabo?
Deus - Pobre deusinho, se faz favor. Restituí-lhe tudo: gado, mulher, filhos, propriedades...
Satã - Como assim? Ainda te lembravas de tudo?
Deus - Na verdade, não me lembrava muito bem da quantidade. Pelo sim, pelo não, mandei-lhe tudo à grande, incluindo uma mulher com um par de mamas divinais.
Satã - Uau! Isso é mesmo à minha medida: diabólico.
Deus - Agora mostra, mostra! Trouxeste-me o Homero?
Satã - Sim, está aqui. Mas não percebo para que precisas dele? Sabes que ele é um esquizofrénico religioso: acha que há vários deuses.
Deus - Eu sei. Mas estou mesmo a precisar de um grande escritor para contar a maior história de todos os tempos.
*texto original do blog O Javali de Vladivostok - http://ojavalidevladivostok.blogspot.pt/2014/10/a-peca-de-teatro-job.html
a-ver-livros: só por hoje
Não quero saber. Só por hoje
não quero saber
não digas
esconde entre os papéis
em que não voltarás
a mexer
não quero sequer sonhar
sentir supôr
Cola a beijos os lábios
e cala
não quero saber
Só por hoje
quero a ignorância clemente
dos simples
e a cegueira de quem não
quer ver
Não digas
Ana Almeida
não quero saber
não digas
esconde entre os papéis
em que não voltarás
a mexer
não quero sequer sonhar
sentir supôr
Cola a beijos os lábios
e cala
não quero saber
Só por hoje
quero a ignorância clemente
dos simples
e a cegueira de quem não
quer ver
Não digas
Ana Almeida
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* escultura do artista senegalês Issa Diop |
Poesia em matéria fria: Cecília
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domingo, 26 de outubro de 2014
My hands are my heart
Dá-me as tuas mãos
As mãos foram feitas
para trazer o futuro,
encurtar a tristeza, encher
o que fica das mãos
de ontem - intervalos
(duros, fiéis) das palavras,
vocação urgente
da ternura, pensamento
entreaberto até
aos dedos longos
pelas coisas fora
pelos anos dentro.
Vítor Matos e Sá, in Companhia Violenta
Gabriel Orozco, My hands are my heart
Alfredo transforma poema de Tolentino
Os justos, de José Tolentino Mendonça
Começam o dia louvando o imperfeito:
O tempo que se inclina para o lado partido
as escassas laranjas que se tornam
amarelas no meio da palha
as talhas sem vinho
Olham por dentro a brancura da manhã
e em tudo quanto auxilia um homem no seu ofício
louvam o vulnerável e o inacabado
Estão sentados à soleira dos espaços
trabalhados devagar pelo silêncio
Quando Deus voltar
não terá de arrombar todas as portas
O tempo que se inclina para o lado partido
as escassas laranjas que se tornam
amarelas no meio da palha
as talhas sem vinho
Olham por dentro a brancura da manhã
e em tudo quanto auxilia um homem no seu ofício
louvam o vulnerável e o inacabado
Estão sentados à soleira dos espaços
trabalhados devagar pelo silêncio
Quando Deus voltar
não terá de arrombar todas as portas
(in Estação Central; ed. Assírio & Alvim, 20120)
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