sábado, 19 de março de 2011

Man Booker Prize 2010

Chama-se «A Questão Finkler» e promete agitar o mercado nos próximos tempos. Chega a Portugal pela mão da Porto Editora.

«Julian Treslove está em plena crise de identidade. Ele não tem uma opinião muito concreta sobre a circuncisão, o conflito entre Israel e a Palestina, ou os monumentos ao Holocausto - na verdade, sobre todo e qualquer aspeto da cultura judaica dos nossos dias. Mas o verdadeiro problema com a identidade de Julian é não ser judeu - não que esse pequeno pormenor o impeça de viver obcecado com o judaísmo.
No início do livro Julian, de 49 anos, acaba de sair de um jantar com o seu colega dos tempos de escola Sam Finkler e do antigo professor de ambos, Libor Sevcik. Sam e Libor, ambos judeus, perderam recentemente as suas esposas. O passado de Julian com as mulheres é um pouco diferente: nunca se casou e tem dois filhos adultos que sempre ignorou. No meio dos seus devaneios, enquanto regressa a casa, acaba por ser assaltado por uma mulher que, ao partir, lhe chama Judeu - ou pelo menos foi isso que lhe pareceu ouvir. A partir desse momento, o seu sentido de identidade começará a transformar-se radicalmente»


De Howard Jacobson sabe-se pouco. É um escritor britânico de ascendência judaica, e graduado em Cambridge, informa a Wikipedia.

O Apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe

'Maria da Graça - mulher-a-dias em Bragança esquecida do mundo - tem a ambição, não tão secreta como isso, de morrer de amor; e por isso sonha recorrentemente com a entrada no Paraíso, onde vai à procura do senhor Ferreira, seu antigo patrão, que, apesar de sovina e abusador, lhe falou de Goya, Rilke, Bergman ou Mozart como homens que impressionaram o próprio Deus. Mas às portas do céu acotovelam-se mercadores de souvenirs em brigas constantes e S. Pedro não faz mais do que a enxotar dali a cada visita. Tal como Maria da Graça, todas as personagens deste livro buscam o seu paraíso; e, aflitas com a esperança, ou esperança nenhuma, de um dia serem felizes, acham que a felicidade vale qualquer risco, nem que seja para as lançar alegremente no abismo. o apocalipse dos trabalhadores é um retrato do nosso tempo, feito da precariedade e dessa esperança difícil. Um retrato desenhado através de duas mulheres-a-dias, um reformado e um jovem ucraniano que reflectem sobre os caminhos sinuosos do engenho e da vontade humana num Portugal com cada vez mais imigrantes e sobre como isso parece perturbar a sociedade.'


Este livro retrata uma importante realidade, a imigração. E como nós nos portamos com quem cá chega.

É um livro muito puro. Com o estilo de escrita assinalável e único do escritor. Deixo registada uma frase:

"É mais fácil admitir as dores do corpo que as da cabeça ou do coração"

sexta-feira, 18 de março de 2011

O que damos a ler aos nossos filhos?

É importante educar os nossos filhos / crianças na leitura. Plenamente de acordo. Aliás, sempre que confrontado a aconselhar, tenho por princípio questionar exaustivamente o cliente.

As idades são importantes. O sexo pode ser importante em determinados escalões. O facto de ter ou não ter hábitos de leitura. Procurar saber quais os últimos livros que leu. E, por fim, os gostos pessoais.

O pior é quando um livreiro é confrontado não pelos gostos dos miúdos, mas dos pais. Fiquei chocado há uns dias. Pelas preferências literárias da mãe em relação à filha de 14 anos.

Primeiro confrontou-me com a leitura que a filha estava a fazer: 'O nome da Rosa' de Umberto Eco. Pensei com os meus botões: um livro com mais de 500 páginas? A Sra. dizia-me que a rapariga não estava a achar tanta piada a este. Pudera...

Na verdade, a filha precisava de um livro que chocasse - dizia-me. Qual foi a alternativa da Sra? Pois bem, 'Mein Kampf' de Adolf Hitler. Tentei chamar a Sra. à terra e disse-lhe logo de caras que não havia tradução em português e que o livro é proibido. Existe noutras línguas, pode encomendar-se.


Tentei apelar ao seu bom senso. Comecei a sugerir o 'Diário de Anne Frank'. Detesto quando me respondem: 'Ah, esse... Leu-o com 10 anos'... Por favor!

Prossegui para os livros do Sepúlveda, passei pelo livro do Primo Levi sobre o Holocausto... A Sra. queria livros que chocassem.

Desisti do meu papel.

Fui ter com uma colega e os dois começamos a dar-lhe mais possibilidades. Desde testemunhos de mulheres muçulmanas, livros biográficos de Hitler. Por fim, levou 'O Fim da Inocência' de Francisco Salgueiro.

Já com a filha a seu lado, ainda perguntou se havia o livro 'A Bíblia de Hitler'...

Obviamente que este é um caso extremo. No entanto, deixo a pergunta: são estes livros que queremos que os nossos filhos adolescentes leiam?

Canto I / Canto II

'Uma viagem à Índia' tem tudo para ser o livro mais discutido neste blogue. Uma obra universal de um escritor que está a (/ vai) dar cartas.

A Luma 'roubou-me' um trecho que ia deixar - Canto I, n.º 25. Nada mais simples, procurem-no por aí abaixo. Descarrego outros. A ver se vos contagio...

Canto 1:

65

'Cada homem pensa-se portador da melodia exacta,
mas uma melodia não é o resultado de um problema
de quantidades
mas de um bem mais perturbante problema de alma.
Cada música responde assim
à indecisão de uma existência carrega:
desisto de viver ou mato? Luto ou esqueço
o que pode ser inundado?'


Canto 2:

23

'Mas nesta oportunidade falemos ainda dos Deuses
ou do Destino.
É evidente que as formigas trabalham mais
que os Deuses:
senão qual a utilidade de ser coisa divina?
Quem acreditaria em milagres, se um Deus,
mesmo que mal colocado na hierarquia,
trabalhasse das nove às cinco?
Decididamente, os Deuses já começam a vida
inertes e preguiçosos.'


38

'Mas eis ainda uma questão: situando-se os órgãos da
[alegria exactamente
no mesmo local dos órgãos da tristeza, como conceber
que o mesmo espaço seja duas vezes ocupado
num único momento? Como ser feliz
e triste num único tempo? Será cada instante de um
ser vivo matéria assim tão larga
que nele caibam, bem juntinhas,
duas sensações de dimensão significativa e
temperamento oposto?'

quinta-feira, 17 de março de 2011

Lyn-Kopo

De seu verdadeiro nome Jorge Costa, este boémio estudante da Coimbra dos anos 50, inspirou gerações e gerações de pessoas que viveram ou simplesmente passaram pela Real República Boa-Bay-Ela.

Como antigo habitante, não posso deixar de fazer uma pequena homenagem. Não o conheci pessoalmente, morreu no dia do meu oitavo aniversário, a 10 de Janeiro. Foi um homem extraordinário dentro do género 'malandro'.


Ser sempre criança

Fiquei criança em coisas de emoção,
Embora pese em mim já certa idade!...
O sonho, esse ideal de mocidade,
É que me faz bater o coração!...

Embora já não seja casto e são,
Nem mesmo tenha mais simplicidade,
Sou infantil, sou jovem de vontade,
Tenho caprichos, com ou sem razão!...

Podem de mim dizer ou mal ou bem,
Que a tal não vou quebrar a minha lança!...
Sou como sou e aceito o que me vem,

Agradecendo o sonho que se alcança!...
Se é bom ser jovem, não será, também,
Envelhecer, morrer, sempre criança?!...


Ser artista

Eu sei que ser artista em nossos dias
Não é tarefa fácil, nem rendosa.
Mas quando a vida em nós é talentosa
Até do pó se fazem abadias!...

Se corre em nossas veias sinfonias
Se jorra em nossas mentes boa prosa
Se pulsa em nossos peitos cor formosa,
Também das ilusões se faz poesias!...

Tudo é pretexto!... É tudo inspiração
Quando elevado vibra o nosso ser!...
Tudo é romance, é luz, é construção.

De belas catedrais, de arte a valer,
Quando a ferramenta é o coração
E o próprio sangue a tinta de escrever!...


Fama

Subi!... Tão alto andei, que a fama e a glória
Me cobriram com seu manto doirado!
Tais coisas fiz que fui considerado
Merecedor das palmas da vitória!

Ficou meu nome em páginas de história!
Por muita gente fui eu admirado!
Tive amigos, cartaz, fui festejado,
E até fiz um livro à minha memória!

Mas de tão alto, um dia, tombei
E vim caindo até a baixa lama!...
Dizem que nada fiz, que nada sei,

Que vivi de ilusões de triste fama!...
Que importa, se aprendi no que eu amei
A compreender a vida mais humana!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Uma ideia de viajar à Índia...



Seguindo o mote do Rodrigo, na busca de outros olhares sobre a Índia por onde o nosso protagonista viaja, deixo "Uma Ideia da Índia", de Alberto Moravia.
Em 1961, o autor publica uma série de crónicas no Corriere della Sera (reunidas neste livro), fruto da sua incursão neste "território espiritual", acompanhado do realizador Pier Paolo Pasolini (que publica também um livro sobre esta viagem, «O cheiro da Índia»).

Em muitos aspectos, como alerta o coordenador da Colecção, Carlos Vaz Marques, esta Índia viajada por Moravia já não será a que vemos nós; nem Bloom.
Mas o que este livro traz de interessante à nossa construção mental do cenário do livro de Gonçalo M. Tavares é o relato, mais que factual, reflexivo, sobre a vida nesse estranho país.
"Tudo é religião na Índia, até o modo como se vestem", afirma Moravia, prosseguindo na narrativa em descrições de milhares de leprosos vagueando pelas ruas apinhadas, as vacas magras, a estranheza das castas e dos costumes. E o imponente Ganges, rio de passagem entre a vida e a morte.

E à imagem dos corpos que viajam neste rio fátuo, deixo uma passagem do primeiro canto da epopeia de Bloom, em jeito de homenagem também a um Japão dilacerado pela catástrofe.

"24
(...)
De que forma a catástrofe
traz perturbações ao velho método
de aplicar uma distância ao mundo?

25

Por cima da catástrofe, de um ponto de vista aéreo,
o homem é capaz de ironizar,
porém, já debaixo da catástrofe,
debaixo dos seus escombros,
a ironia será a última a aparecer,
depois da acção instintiva de defesa,
do desespero que ainda emite ordens e tentativas,
e do último grito que assinala o fracasso."

O deus das pequenas coisas para conhecer melhor a Índia

É uma obra plena de detalhes. Muitos pormenores. Muito fácil de visualizar a acção visto a autora descrever tudo e todos, como se de poesia se tratasse. É preciso tempo para ler este livro, tal como o livro deste mês no blogue. A narrativa, tal como a vida, vai-se desenrolando enquanto o tempo passa e deixa as suas marcas.

"O Deus das Pequenas Coisas" é a história de três gerações de uma família da região de Kerala, no Sul da Índia, que se dispersa por todo o mundo e se reencontra na sua terra natal. Uma história feita de muitas histórias. As histórias dos gémeos Estha e Rahel, nascidos em 1962, por entre notícias de uma guerra perdida. A de sua mãe Ammu, que ama de noite o homem que os filhos amam de dia, e de Velutha, o intocável deus das pequenas coisas. A da avó Mammachi, a matriarca cujo corpo guarda cicatrizes da violência de Pappachi. A do tio Chacko, que anseia pela visita da ex-mulher inglesa, Margaret, e da filha de ambos, Sophie Mol. A da sua tia-avó mais nova, Baby Kochamma, resignada a adiar para a eternidade o seu amor terreno pelo padre Mulligan. Estas são as pequenas histórias de uma família que vive numa época conturbada e de um país cuja essência parece eterna. Onde só as pequenas coisas são ditas e as grandes coisas permanecem por dizer.

Arundhati Roy é a autora de O Deus das Pequenas Coisas, vencedor do Booker Prize em 1997, além de vários ensaios e argumentos. O seu papel como activista em torno das questões ligadas à justiça social e desigualdade económica valeram-lhe, em 2002, o Cultural Freedom Prize, concedido pela Lannan Foundation. Vive em Nova Deli. Roy tem a coragem de ser uma voz subjectiva que fala de coisas objectivas, um desvio na arena de frases feitas e lugares-comuns do politicamente adequado, do politicamente correcto. Quer se odeie quer se ame, é uma daquelas pessoas que são mesmo necessárias ao mundo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Dois sentidos...

Ler o texto normalmente e depois de baixo para cima

'Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...'

Um ano Almedina

O meu percurso profissional foi feito de grandes momentos, experiências e pessoas fantásticas. Obviamente com momentos menos bons, desemprego, incerteza em relação ao futuro...

Quando fiz parte da abertura da Leitura Bom Sucesso, integrei uma equipa muito boa. Que soube impor as suas ideias e lutar por aquilo que queria para a loja. A prova que o grupo é coeso é o facto de, ainda hoje, pouca gente ter saído. Aliás, nem uma mão saiu.

Foi a Leitura que me pôs a trabalhar directamente com a Almedina. Agarrei a oportunidade de escolher os livros de direito para a loja. Esse papel fez-me conhecer o vendedor da altura, José Leal. Com ele criei uma área diversificada, com as edições sempre em dia.

Mais tarde, quando o meu contrato acabou, foi a ele que deixei currículo. E foi esse currículo que, 10 meses depois, me abriu portas.

A primeira experiência nos livros foi muito intensa. Passei por uma grande inauguração na Boavista e dei uma perna na abertura da loja do Museu de Serralves. Creio que foi uma boa escola, muito do que sei sobre livros foi lá que aprendi.

Estive com um pé na Coimbra Editora uns meses mais tarde. Foi pela mão do irmão do actual vendedor da Almedina aqui na zona Norte (o Miguel). O Pedro Peixoto (também ele vendedor, mas da Princípia) fez chegar o meu nome a uma entrevista na sede em Coimbra.

Aquilo que inicialmente previa ser uma nova fase transformou-se numa desilusão. Na sexta feira estava garantido que ficava. Na segunda desistiram do lugar. Nunca esquecerei ou perdoarei a forma deselegante com que me informaram, por telefone. É, verdadeiramente, vergonhoso.

A paciência por esperar por um lugar nos livros começava a desvanecer-se. Precisava de pagar os estudos, vivia sem pedir dinheiro aos pais. E o subsídio de desemprego estava a acabar.

A sorte mudou quando soube que ia abrir uma Fnac em Guimarães. A minha família está ligada a Guimarães e, ainda hoje, conserva uma bonita casa na cidade.

Abrir a Fnac foi um excelente desafio. O público e a forma de trabalhar são totalmente diferentes. Mas sabia que não seria por muito tempo. O meu contrato tinha sido feito, especificamente, para abrir a loja.

Dois meses e meio depois estava desempregado. Sem qualquer tipo de ressentimento pela Fnac. Já estava a contar, embora, não o negue, gostasse de ter ficado mais tempo. Conheci gente extraordinária, adorei viver na cidade. Volto lá com enorme prazer, fiz amigos para a vida.

Saído da Fnac, andei 'em namoros' com a Bertrand. Mas não passou disso mesmo. Em Janeiro fui a uma entrevista para a loja do Fórum Coimbra. Passado pouco tempo, fui a outra para um part-time em Ovar. Se, no primeiro caso, não fui escolha, no segundo não aceitei.


A Almedina apareceu no tempo certo. As reservas de dinheiro estavam reduzidas a quase zero. Ironicamente marcou entrevista para o dia em que já tinha agendada outra, para a Fnac Leiria.

Mas ganhou em tudo. Primeiro, a entrevista foi mais cedo. Segundo, as condições eram quase iguais. Obviamente que, entre viver na minha cidade ou ir para Leiria, não se colocou a questão.

No entanto, não foi o único motivo. Nunca escondi aos meus antigos colegas que gostava, um dia, de trabalhar na Almedina. Sou cliente há alguns anos, não fosse a minha 'aventura' pelo ensino superior ser Direito.

Conheço bem as lojas de Coimbra e do Porto. Há pouco tempo conheci uma loja em Lisboa e a de Braga. Em cada loja, em cada pessoa que conheço, a certeza: é um grupo que tem excelentes profissionais, é uma marca com enorme potencial e com margem para crescer e implementar o seu nome num mercado difícil e competitivo.

Obviamente, com muito trabalho.


Passado um ano e duas lojas na Almedina, o futuro vive-se dia-a-dia. Procurando resolver problemas e investindo nos nossos clientes. É essa a minha aposta e das pessoas com quem trabalho.

Almedina, que em árabe significa cidade. Arco de Almedina, sua porta de entrada. Símbolo da cidade de Coimbra, onde estudei e vivi os melhores anos.

Alguns anos depois, 5 lojas no currículo, das quais 3 inaugurações; posso dizer que tudo passou rápido de mais para me sentar e pensar um pouco... Mas valeu a pena não ter desistido.

Inauguração: M. Tavares aberto!

Auto-impus uma leitura mais lenta. Estava a ir rápido de mais e não vale a pena. É preciso absorver e apreciar cada momento, o mês vai a meio...

'Uma Viagem à Índia' já está a ser especial. O prefácio de Eduardo Lourenço é extenso e presta-lhe uma enorme homenagem. Se um dia fosse homenageado assim, não acreditaria...

Destaque para a frase de abertura, retirado de «O Novo Advogado», em a Metamorfose. Franz Kafka.

'Já no tempo de Alexandre as portas da Índia estavam fora de alcance, mas, ao menos, o gládio do rei mostrava a sua direcção. Hoje, as famosas portas estão mais longe e mais inacessíveis; mas ninguém mostra a direcção; muita gente brande gládios mas o olhar que pretende segui-los perde-os de vista.'


Vejo as críticas da contracapa. Referem-se ao conjunto da obra do escritor. Destaco 3:

'A notoriedade de Tavares em breve será global.' (The Times Literary Supplement)

'Com uma siderante maestria, que lembra Kafka ou Gombrowicz, Tavares interroga-nos acerca de temas tão importantes como o mal, a loucura, ou o medo.' (Lire)

'Cada um dos seus livros (ou série de livros) é um caleidoscópio que manipula a realidade para melhor a observar.' (Alberto Manguel)

'Uma Viagem à Índia' é uma publicação da Editorial Caminho.

domingo, 13 de março de 2011

Os livros são uma animação


Ora aí está mais uma coisa que não se pode fazer com ebooks.

Revista Ler, número 100


Lembrei-me, em plena pausa de almoço há uns dias, começar a escrever sobre o conteúdo desta revista literária.

Melhor ocasião só escrevendo sobre a primeira! Tinha que recuar 24 anos. Possivelmente já não a arranjo.

A revista 100 traz imensa informação, uma retrospectiva do que foi esta publicação ao longo destes anos.

Destaco, além das páginas que fizeram a revista, os nomes que por lá passaram, as imagens e os livros; a excelente entrevista a George Steiner, na qual ficamos a saber que António Lobo Antunes devia ter ganho o Nobel - na sua opinião - e que não existe (ainda) uma tradução convincente dos 'Lusíadas' de Camões para Inglês.

Gostei muito da homenagem que fazem a uma série de personalidades que escreveram a história desta revista. Editores, livreiros, autores... A melhor foto é, de longe, a de Alberto Pimenta.

Ler a entrevista de Harold Bloom é, igualmente, essencial. A reflexão que faz da importância do 'génio' na literatura é extraordinária.

Por fim, deixo uma das 100 ideias para o futuro. A opinião é de José Carlos Barros, poeta e Arquitecto-paisagista.

'Conseguimos essa coisa tão gabada e impressionante: passar, num ai, do primário ao terciário. A isso, metendo o valor acrescentado das novas tecnologias, chamámos «modernidade». Agora, não mais que de repente, as famílias vêem-se sem orçamento para o repolho. Já se explicava em Dom Quixote (mas leu-se ao contrário) que o sonhar depende de termos os pés assentes na terra. Estou em que o futuro viável, hoje, depende em grande parte de acreditarmos que é urgente construir uma horta concreta - com cebolinho, tomates, pimentos, couve-galega.'

Cartas da Terra, Mark Twain

A edição que tenho de 'Cartas da Terra' é da desaparecida Mareantes editora. Actualmente quem publica este enigmático livro é a Bertrand.

Do prefácio de Luís Nogueira, retiro o seguinte: 'Humor negro, humor corrosivo que salvam de uma vez para sempre o nosso Mark Twain, senão do Inferno, ao menos - e valha-nos isso - do molho cor de rosa das múltiplas disneylândias mentais em que o pretendem, no seu país e fora dele, ensopar.'

Concordo inteiramente com esta opinião. Mark Twain não é só o pai de 'Huckleberry Finn' e de 'As Aventuras de Tom Sawyer'. O resto da sua obra é, em geral, bastante negra. Nada que faça lembrar as aventuras para os jovens.


'Esta obra incompleta de Mark Twain escrita em 1909, um ano antes da sua morte, e nunca publicada em vida do autor é a última de uma série de livros e textos que escreveu «sobre Deus, a Bíblia, a Natureza humana e as paradoxais e contraditórias crenças religiosas da raça humana.»'

'Deus, a criação, a evolução da terra e da humanidade, são os ingredientes desta sátira extrema onde o Arcanjo Satã, alter-ego de Twain, através de epístolas nos vai transmitindo perplexo as diabrites dos homens, que vai observando, no evoluir dos tempos, por comando do Criador.'

Conhecer Mark Twain é espantoso. É um autor de enigmas, sarcasmos. Ler este livro fez-me soltar longos sorrisos.

Porquê "Uma viagem à Índia"?

Hum... Quero saber se Gonçalo M. Tavares me conseguirá bloomificar.

Bloom, protagonista desta “epopeia mental”, já comparado a personagens como o desassossegado Bernardo Soares ou o nihilista Bartleby, de Herman Melville, deixa-me curiosa, assim como a prosa poético-filosófica do seu autor.

Depois de ler alguns livros do Bairro, habituei-me à desconstrução, aos questionamentos, a personagens que nos desarmam na sua paradoxalmente complexa simplicidade (é daquelas coisas que há que ler para crer): como o senhor Valéry, por exemplo, que confundia sua cabeleira com um chapéu (vá-la, não confundia a mulher, como o outro), preferia andar dez horas a pé para chegar a seu destino, do que apenas vinte minutos de comboio (pois claro que os locais de destino não seriam os mesmos com tamanha discrepância de tempos), ou que absorvia as coisas que o rodeavam como se estas se lhe colassem aos sapatos.

“A vida, apesar de tudo, é fácil. Numa rotunda.”, diz o primeiro personagem da alfabética ordem de acontecimentos de Matteo Perdeu o Emprego. O globo terrestre, sendo globo, é redondo. E se o podemos tornear, podemos também vê-lo como rotunda.

Será fácil a vida de Bloom? É o que vamos ver!
Estão todos convidados a esta epopeia literária!