sábado, 31 de julho de 2010

O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde


Oscar Wilde escolhe todas as palavras. Uma a uma. 'O retrato de Dorian Gray' entra directamente para a minha galeria de livros obrigatórios.

Um homem belo é admirado pela sociedade. Faz sucesso sempre que passa por qualquer mulher. Todo ele é confiante e encaixa no perfil costumeiro das grandes festas de salão. Um dia, o seu rosto é pintado num quadro. A sua verdadeira cara mantém-se jovem e bem tratada, mas a da tela vai envelhecendo. Este espelho de si mesmo, leva-o à loucura e a cometer e ocultar certos crimes para esconder o quadro de toda a gente. Até que, no final, ele póprio é vítima da pintura e do monstro que criou.

É bom regressar ao século XIX e ver como a escrita mantém-se sempre actual. Entre muitos trechos, deixo umas reflexões:

"Os únicos artistas que tenho conhecido, se são pessoalmente deliciosos, são maus artistas. Os bons artistas existem simplesmente no que fazem, e, por conseguinte, no que são nenhum interesse despertam. Um grande poeta, um poeta realmente grande, é a menos poética de todas as criaturas. Mas os poetas inferiores são absolutamente encantadores. Quanto piores são as suas rimas, mais pitorescos eles parecem. Só o facto de haver publicado um livro de sonetos de segunda classe torna um homem deveras irresistível. Vive a poesia que não pode escrever. Os outros escrevem a poesia que não ousam realizar."

"Quando uma mulher se casa segunda vez é porque detestava o primeiro marido. Quando um homem se torna a casar é porque adorava a sua primeira esposa. As mulheres experimentam a sua sorte; os homens arriscam a deles."

(É necessária uma pequena nota a esta última citação: o autor refere-se à viuvez...)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Os Livros e o Cinema

Em muitas das sessões de apresentação do meu livro, houve uma pergunta omnipresente entre o meu público: "Quando sai o filme inspirado no livro?". Obviamente que esta pergunta me deixa com um sorriso nos lábios pela sua inocência e por duas razões principais: seria necessária uma imensa logística para produzir em cinema uma história de fantasia como a minha e os autores portugueses estão longe de atingir um patamar de interesse que os leve ao cinema.

Mas essa relação quase imediata que se faz entre um filme e um livro (especialmente entre os jovens) tem uma razão de ser. Há cada vez mais adaptações de livros no cinema, criando uma espécie de sucesso ciclíco. Os fãs do livro inevitavelmente têm curiosidade para ver o filme e depois do filme muitos são aqueles que vão experimentar o livro. Basta olhar para os top's de vendas para perceber que quando o filme estreia, há todo um "novo" marketing construído para relançar o sucesso do respectivo livro.

A maior parte daqueles que experimentam os dois produtos culturais, consideram que o livro tem sempre mais qualidade. Mas se analisarmos a fundo, será que realmente podemos estabelecer comparações? Obviamente que um livro terá muito mais profundidade e desenvolvimento da história e personagens. Um filme, limitado a pouco mais de duas horas e com uma atenção especial pela força das imagens, nunca conseguiria transmitir essa profundidade. É apenas uma interpretação, uma nova visão do livro e que vem enriquecer o universo da história.

Mesmo atacando de certa forma a magia infinita da imaginação do leitor, eu encaro os filmes adaptados de obras literárias como uma excelente forma de convergência entre meios de comunicação que têm como objectivo levar histórias às pessoas. Claro que isto nem sempre corre bem...

Qual a vossa opinião sobre esta relação entre os livros e o cinema?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O marinheiro que perdeu as graças do mar, Yukio Mishima

"Seppuku (切腹) é o termo formal para o ritual suicida chamado popularmente de harakiri (腹切り)."

Yukio Mishima, autor do extraordinário livro 'O marinheiro que perdeu as graças do mar', resolveu, aos 45 anos de idade, cortar a sua barriga da esquerda para a direita e, posteriormente, de baixo a cima (como forma a ficar em cruz).

"O seppuku era horrivelmente doloroso, mas o samurai, de acordo com o seu código de honra, não podia demonstrar dor ou medo ao realizá-lo. Dentre os motivos para cometer seppuku está a falha ao servir seu senhor ou perda da honra por qualquer motivo."


Mishima foi um louco, provavelmente. Mas fica o génio. Esta história deixou-me vidrado, sem reacção, profundamente pensativo, petrificado. Como é que eu não me apercebi mais cedo deste livro? Estava na minha estante há quase dois anos para o ler...

Um amor que um filho vai separar. Com uma dose muito elevada de perversidade, um sacrifício é feito. Para que o amor seja, definitivamente, proibido e esquecido.

Deixo-vos a página 53 e 54...

"Eles nem sequer sabem definir perigo. Acham que perigo quer dizer algo físico, um arranhão que deita um pouco de sangue e os jornais fazem uma grande história com isso. Bom, o perigo não tem nada a ver com isso. O verdadeiro perigo é viver. Claro, aquilo a que chamamos viver é apenas o caos da existência, mas mais do que isso é o esforço de desmantelarmos tudo, a existência, até atingirmos um ponto onde o caos original é restaurado e buscar forças à incerteza e ao medo que o caos contém, para recriar a existência instante a instante. Não há trabalho mais perigoso do que este. Na existência-em-si não há o medo, ou a incerteza, mas é o viver que os cria. E a sociedade, basicamente, não tem qualquer sentido, é apenas um banho romano misto. E a escola, a escola é a sociedade em miniatura: é por isso que nos estão constantemente a dar ordens. Um punhado de homens cegos diz-nos o que temos de fazer, retalha-nos as nossas imensas capacidades."

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A ilha, Giani Stuparich


Li um belíssimo livro sobre a vida e a morte. Com a crueldade destas palavras, passo a citar:

"(...) quem combate talvez não tenha plena consciência da inevitável derrota, e seja capaz de resistir e de retomar o fôlego para continuar a lutar. Mas quem assiste, impotente, à trágica luta, e tem nas veias o mesmo sangue que a vítima, sofre com reprimido horror, e todos os seus minutos são um inferno."

'A ilha' conta a história de um pai e de um filho. Juntos partem para a ilha onde o pai nasceu. Um retorno às memórias e ao convívio com o passado, um regresso às origens. O pai transporta uma doença e faz a despedida da ilha à medida que prepara o filho para a inevitável morte.

É um romance muito profundo. Por momentos, um pouco frontal. E, como diz Magris no prefácio, um "admirável conto de vida e de morte, não exorcizada, mas sim encarada impiedosamente de frente".

Lê-se rápido. Digere-se devagar. Fica na memória. Dá que pensar. É muito simples. É muito bem escrito. Vale a pena...