sábado, 29 de outubro de 2011

A pilha de livros

David Stoupakis é um pintor entre o perturbador e o encantatório. Vive entre a doce imaginação e a cruel inocência. A delicadeza do traço e a brutalidade do conflito. Entre contos de fadas e histórias de horror. E livros, menciona ele ‘en passant’, numa entrevista. Talvez por isso só exista um quadro seu onde surge tal objecto. Em pilha, numa repetição que atravessa a sua arte.

http://www.davidstoupakis.com/gallery/gallery_outer_frameset.htm

O Engraxanço e o Culambismo Português


Conheçam a modalidade (olímpica) que Miguel Esteves Cardoso apresenta: o culambismo (evolução do velho engraxanço)...

"Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.

Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.


Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.

Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada. O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas.Ninguém gostava de um engraxador.

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing.Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.

(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês."

in 'Último Volume'

Frase de Almada Negreiros



*Esta apareceu no mural do facebook da Marta Tormenta. Resgatei-a para aqui. Para perpetuar e espalhar...

Poemas que dão música - Chico Buarque

"A música Roda-viva foi escrita para a peça de teatro com o mesmo nome, também da autoria de Chico Buarque. A peça não tinha a ver com política, mas com a trajectória de um cantor massificado pelo esquema da televisão. Em Julho de 1968 a peça foi montada em São Paulo quando o Comando de Caça aos Comunistas invadiu o teatro, desfez o cenário e espancou os actores."

Roda Viva ficou classificada em terceiro lugar no III Festival de Música Popular Brasileira. Tentem perceber as palavras e a grande metáfora que representa. Do cantor, compositor e escritor Chico Buarque.



"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz activa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...


Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)"

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

E ele disse: faça-se luz

Numa escola pública em Tomar, em tempos de crise, foram colocados numa única sala polivalente 12 candeeiros do arquitecto Siza Vieira que custam no mercado mais de 20 mil euros. Vou abster-me de fazer alusões a iluminados.

Mas falo-vos, sem pudor, de luminárias. No caso, destes candeeiros 'literários' da dupla de designers Myungseo Kang e Mi-Seung Kim, intitulados - quem adivinharia - Book-lamps.


A luz varia de intensidade conforme se abre ou fecha mais o 'livro', que vem equipado com o cabo que permite tanto dependurá-lo do tecto como deixar ficar na estante.

O preço? Para que raio querem vocês saber o preço?

O Chalet da Memória, Tony Judt


Acaba de ser lançado, pela mão das edições 70, O Chalet da Memória de Tony Judt.

A crítica fala assim deste livro:

“O Tony foi um lutador e combateu a sua doença com toda a força e determinação. ‘Mas o inferno não é uma experiência transmissível’, disse. Então o melhor é falar de outras coisas: amigos, bêtes noires, política, livros.”
Timothy Garton Ash – The New York Review of Books

“Este ensaio combina uma estrutura formal elegante com uma flexibilidade emocionante de conteúdo.”
Jane Shilling – The Telegraph


Quanto ao conteúdo, trata-se de um ensaio autobiográfico. Deixo o seu testemunho:

«Já doente há uns meses, percebi que, durante a noite, escrevia histórias completas na minha cabeça. Não há dúvida de que procurava o esquecimento, e trocava a contagem de carneiros pela complexidade narrativa, com o mesmo efeito. Mas durante estes pequenos exercícios, percebi que estava a reconstruir – como se fosse um lego – segmentos entrelaçados do meu próprio passado que antes nunca pensara que estivessem relacionados. Em si mesmo, isto não era grande feito: os fluxos de consciência que me levavam de um motor a vapor para a minha aula de alemão, das linhas de autocarro de Londres cuidadosamente traçadas à história do planeamento urbano do período entre guerras – eram suficientemente fáceis de lavrar e, por isso, seguiam em todo o tipo de direções interessantes. Mas como conseguiria eu recuperar no dia seguinte esses sulcos meio enterrados?»

Tony Judt morreu em 2010 vítima de esclerose lateral amiotrófica.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Era uma vez uns livros antigos

Sobre Annette Mangseth não haverá muito a dizer.
É uma designer norueguesa, tem 38 anos.
Mas há tanto a ver.

Como as femininas e delicadas ilustrações que cria a partir de páginas arrancadas a livros antigos.
http://www.etsy.com/people/carambatack

O Japão No Femininino - II - Haiku, Século XVII a XX

Este volume não me encantou tanto como o primeiro (que podem ler aqui e aqui). De qualquer forma, parece-me essencial lê-lo para compreender a poesia feminina Japonesa desde o século XVII até ao XX.

A introdução deste livro da Assírio (organizado por Luísa Freire) inicia-se com estas palavras: "O «Haiku nem é feminino nem masculino», diz Tsuji Momoko num volume de 1997, concluindo que «tudo o que temos são poemas líricos e poemas de humor em forma de haiku». Esta apreciação, vinda de uma mulher poeta nascida em 1945, condensa perfeitamente o que é, no Japão moderno, o pensamento feminino face à velha forma tradicional."


Um estudo de R. H. Blyth apura esta definição, dizendo: «Haiku is the creation of things that already exist in their own right, but need the poet so that they may "come to the full stature of a man". [...] Haiku shows us what we knew all the time, but did not know we knew; it show us that we are poets in so far as we live at all.»

"De tudo isto se conclui que o haiku, mais do que poesia, é uma atitude mental; mais do que criação, é um processo de descoberto aprendido em cada dia, aprendido em cada coisa, repetido em cada circunstância; é a fusão do directo, do prático e do espiritual, quase a expressão de um satori, fruto de um momento privilegiado e daí ser considerado uma experiência poética e religiosa. Ao contrário da poesia ocidental, o haiku não pretende tocar o grande, o eterno ou o infinito distante, mas só o pequeno, o imediato, o ínfimo infinito que os olhos contemplam, ali mesmo, ao alcance da mão."


Posto isto, deixo dois exemplos. Um de Mitsuhashi Takajo (1899-1972), que afirma «Escrever um haiku é como tirar uma crosta. Ao fazê-lo provamos que estamos vivas.»

"Ali o balão
insuflado de tristeza,
subindo no ar.

O tronco curvado,
depois que a hera morreu,
inexplicavelmente.

Começo de Inverno -
árvores, vivas e mortas,
já não se distinguem.

Pelo gelo fino
minha sombra a deslizar
até que mergulha."

Por fim, Tsuda Kiyoko (N. 1920) que define assim esta arte poética: "Compor um haiku é como cozinhar. Tudo o que faço é cozinhá-lo e oferecê-lo ao meu mestre. Se ele o come ou não, já não é comigo.»

"No campo gelado,
olhos famintos da água
sobre a minha carne.

A voar nas dunas,
o corvo e a borboleta,
ambos solitários.

As folhas da árvore,
visitadas pela morte,
tombam uma a uma.

Besouro a voar -
velocidade visível
de asas invisíveis."

Livros que deram filme: O Segredo do Licorne, Hergé


Chega hoje às salas portuguesas o filme O Segredo do Licorne, uma adaptação do livro de Hergé. Dirigido por Steven Spielberg e com produção de Peter Jackson e Kathleen Kennedy. O filme apresenta também passagens de outros livros da série, como O Caranguejo das Tenazes de Ouro e O Tesouro de Rackham o Terrível (este, aliás, sequência do livro que dá título à adaptação).

"O filme mostra o primeiro encontro de Tintim com o Capitão Haddock e a descoberta de uma pista para o tesouro dos ancestrais do capitão, Sir Francis Haddock. Eles partem para a busca com a ajuda dos detectives Dupond e Dupont."



"Tintin compra para o amigo Haddock o modelo de um galeão antigo, que, por coincidência, era a réplica do navio de um antepassado do capitão, o cavaleiro de Hadoque. O modelo é roubado, e logo depois a casa de Tintin é toda revirada. O que procuravam os assaltantes? Por sua vez, o capitão encontra no sótão de casa as memórias do cavaleiro. Nelas, ele narra o seu encontro no Caribe com o pirata Rackham, o Terrível, que o captura com o seu navio, e para o qual transfere os tesouros que havia pilhado. O cavaleiro consegue escapar e afunda o Licorne com todo o tesouro a bordo. Divide depois o mapa com a localização do naufrágio em três partes, que esconde em réplicas do navio. Muitos anos depois, Tintin e seus amigos decidem encontrar as partes do mapa, sabendo que para isso terão de enfrentar uma perigosa quadrilha."

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Paraíso

A lotaria - palavras de Jorge Luis Borges

"Devo esta variação quase atroz a uma instituição que as outras repúblicas ignoram ou que nelas só actua de modo imperfeito e secreto: a lotaria. Não investiguei a sua história; estou informado de que os magos não conseguem chegar a nenhum acordo; apenas sei dos seus poderosos propósitos o que pode saber da lua o homem não versado em astrologia. Sou de um país vertiginoso onde a lotaria é parte principal da realidade: até ao dia de hoje; pensei tão pouco nela como no comportamento dos deuses indecifráveis ou no do meu coração. Agora, longe da Babilónia e dos seus queridos costumes, penso com certo espanto na lotaria e nas conjecturas blasfemas que ao crepúsculo murmuram os homens velados.


O meu pai contava que antigamente - questão de séculos, de anos? - a lotaria em Babilónia era um jogo de carácter plebeu. Contava (ignoro se com verdade) que os barbeiros trocavam por moedas de cobre rectângulos de osso e de pergaminho adornados de símbolos. Em pleno dia efectuava-se um sorteio: os agraciados, sem outra corroboração do acaso, recebiam moedas cunhadas de prata. O procedimento era elementar, como podem ver."

Estou a ler «Ficções» do grande Borges. Este conto chama-se "A lotaria em Babilónia". Vale mesmo a pena!

a-ver-livros: O homem que amava uma mulher que amava livros

Cruzei-me com o senhor Guillaumin. Armand Guillaumin. Na verdade, Jean-Baptiste Armand Guillaumin. Sabemos sempre o nome completo daqueles por quem nos apaixonamos, não é? E apaixonei-me por ele, entrei na sua história como quem entra num livro.

A começar pela adolescência de classe operária na França novecentista, em que aos 15 anos o puseram a ajudar na loja de lingerie do tio, podia ser que as mamas das clientes o distraíssem de querer ser artista. Não resultou, não tinha jeito para corpetes e soutiens e bateu com os costados nas linhas férreas, a trabalhar para o Estado. Alguma coisa teria que pagar as aulas de desenho e pintura onde em breve faria amigos para a vida, como Camille Pizarro e Paul Cézzane, mais tarde o próprio Van Gogh.


Para a História da Arte, Guillaumin ficou como impressionista dedicado e longevo - que só haveria de bater a cassoleta aos 86, um amplo recorde para a época. Fala-se sempre das suas paisagens de Paris e das cores intensas. O meu Guillaumin é outro.



É o tipo que, em 1886, se casa com a prima, a professora Marie-Joséphine, ávida leitora que o sustentaria durante anos. Mas ele devia amá-la. Só podia amá-la. A primeira vez que pintou o seu retrato, que se saiba, foi quatro anos antes do nó, e já nessa obra ela estava de livro na mão. Em breve a senhora sua esposa e os seus livros se tornariam o tema recorrente do pintor.


Tinha mesmo que ser amor por uma mulher que amava livros – só isso explica que a sorte os tenha bafejado em seguida, corria 1891. Chamou-se lotaria e choveram cem mil francos. O suficiente para a família não voltar a preocupar-se com dinheiro e Guillaumin poder pintar apenas o que lhe desse na veneta. Adivinhem: Marie-Joséphine e os seus livros. Mais tarde, Marguerite, a filha adolescente. E os seus livros. Mesmo que depois perdessem protagonismo para a dança, que a menina tornar-se-ia professora na escola da Ópera de Paris.

Alguns críticos garantem que foi a fase menos interessante de Guillaumin.
Não para mim.

Arranca hoje! Livrarias Almedina e Loja Online promovem dois dias com 20% em todos os livros

Não perca a óptima oportunidade para visitar o site da Almedina ou qualquer loja perto de si. Esta campanha é válida só no dia 26 e 27 de Novembro.



Além do site, pode visitar as seguintes lojas:

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Almedina Arco (Coimbra)
Almedina Praça da República (Coimbra)
Almedina Estádio Cidade de Coimbra (Coimbra)

Almedina Atrium Saldanha (Lisboa)
Almedina Centro de Arte Moderna (Lisboa)
Almedina Oriente (Lisboa)
Almedina ISCTE (Lisboa)

Pensamento tido em conversa privada


Continua a minha descoberta de escritores sem livro. E, sem dúvida, que escrever está nas mãos de muita gente...

Desta conversa guardo a sua confidencialidade. Com a excepção destas palavras:

"A única coisa que temos garantido é que quando cairmos vai mesmo doer. Mas a verdade é que quando não estiver a doer será tudo mil vezes mais maravilhoso, mais verdadeiro. O grande esforço será sempre para manter o espírito positivo. O dia de amanhã será sempre melhor do que o de hoje - e se for pior, será melhor o depois de amanhã. Sempre. Essa confiança é essencial."

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Prémio José Saramago 2011

Informa o site da Fundação José Saramago:

"Andréa del Fuego, natural de S. Paulo, Brasil, onde nasceu no ano de 1975. Com formação em publicidade, fez produção de cinema e realizou duas curtas-metragens. Colaborando em várias revistas, inicia-se na escrita com Minto enquanto posso (2004). Uma primeira coletânea de contos seguida por Nego Tudo (2005), Engano seu (2007) e Nego fogo (2009). Em paralelo experimenta o juvenil com Quase caio (2008) e Sociedade da Caveira de Cristal (2008) e o registo infantil com Irmãs de pelúcia (2010). Decidida a completar a sua formação em Filosofia ingressa na Universidade de São Paulo. Incluída em diversas antologias de contos, nomeadamente 30 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira e Os cem menores contos brasileiros do século, foi distinguida ainda este ano com o Prémio São Paulo de Literatura. Mantém o blog www.andreadelfuego.wordpress.com."


Seleccionei duas opiniões do júri:

Nélida Piñon

"Os Malaquias é um romance áspero, poético, original. Voltado para a paisagem rural, a que raramente os autores contemporâneos se circunscrevem, seu perfil arcaico e trágico suscitam emoções intensas.

Oferta-nos uma leitura da qual não se sai incólume, cada capítulo traçado para nos perturbar. Uma criação que, enquanto avança, sem pausa que nos console, distancia-se dos intimismos, dos individualismos exacerbados, do falso cosmopolitismo que ora pauta a produção urbana. Como se estivera a autora centrada em retratar a injustiça e a crueldade de que somos forjados. Graças, pois, ao inusitado vigor de sua narrativa, Andréa del Fuego, autora de Os Malaquias, merece o prémio Saramago 2011, talhado para o seu talento."

Ana Paula Tavares:

"«Antes do amanhecer a água mudou o tato das coisas. Um vento sob a represa que a superfície, disfarçava, o chão soltando ar, as plantas ficando de lado, aconteciam peixes.» Os Malaquias, p.117

Há um mundo primevo neste Os Malaquias de Andréa del Fuego, uma proposta de atravessar o tempo para descobrir as teias de um passado onde se apropria das falas e do conhecimento que lhe permitem nomear os seres que habitam a narrativa com voz própria para contar a vida vivida, a vida sonhada. Há em cada personagem do livro um passado que funciona como razão de um presente que o aprisiona e impele para um mundo onde se resolve a condição de estar vivo. Serra Morena é o lugar onde se chega para encontrar as origens e perceber que uma família se faz das intrincadas alianças que ultrapassam o mero parentesco mas também o lugar encantado onde tudo ganha forma nos misteriosos caminhos da escrita que se afeiçoa a revelar ao leitor as mil maneiras de viver e morrer dos Malaquias. Do outro lado o vale “onde quem vai, se volta, volta virado” (p. 154), que se prolonga numa sucessão de espelhos “o outro lado do vale era outro vale” (p. 163), como a palavra escolhida precisa e encantatória de Andréa del Fuego. Todas as famílias têm uma história, mas poucas servem esta tensão da escrita com o seu sistema de referências requintado e próprio da arte do romance. Os Malaquias dão-se a conhecer num intrincado jogo que a escrita controla e refaz. O resultado é misterioso mas absolutamente fascinante."

Do pouco que vi, gostei, para já, do blogue dela! Ver aqui.

Vaz de dicionário, Camões

O Dicionário Luís de Camões sai na segunda quinzena de novembro, garante a Lusa. Segue a notícia.

"Lisboa, 25 out (Lusa) -- O Dicionário Luís de Camões, o primeiro dedicado à vida e obra do poeta, elaborado por especialistas nacionais e estrangeiros sob coordenação de Vítor Aguiar e Silva, chega às livrarias na segunda quinzena de novembro numa edição da Caminho.

A obra, que resulta de uma maratona editorial de cinco anos, envolveu 69 colaboradores de várias nacionalidades e reúne cerca de 200 artigos sobre aquele que é considerado "o poeta da nacionalidade", pelo facto de ter escrito a epopeia moderna "Os Lusíadas".

"Para nós portugueses, Camões cria a única mitologia cultural digna desse nome ainda viva e, apesar das aparências, mais viva do que nunca como texto profético da nossa perenidade sempre em instância do naufrágio", escreveu o pensador Eduardo Lourenço num ensaio sobre o dicionário publicado na revista Ler de outubro."

Os jardins nunca são demais

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tatuagem - e a tua própria pele será um poema



“And your very flesh shall be a great poem.”
Walt Whitman

a-ver-livros: Arruma-me a alma por cores

As minhas estantes são uma amálgama multicor que nunca conseguirei que condigam com algo mais do que a minha memória.
As que Chris Cobb rearrumou sob o tema “There Is Nothing Wrong In This Whole Wide World” trazem-nos o conforto perfeito do arco-íris – numa aventura que, no final de 2004, numa livraria de San Francisco, implicou quase duas dezenas de pessoas durante uma noite inteira a mudar o lugar a vinte mil livros.
Mudar. Apenas. Nada se retirou. Nada se acrescentou.

“Não tens que saber seja o que for acerca de arte para a entender, para a sentir”, afirmou o artista da fenda palatina – que, para ganhar a vida, também já trabalhou como professor, chef, redactor de obituários, designer, vendedor de antiguidades e dj. Ao todo, sete ocupações.
Vermelho. Laranja. Amarelo. Verde. Azul. Anil. Violeta.
Não há coincidências, pois não?

Shi Ananda, que trabalhava na Adobe Books e ajudou nesta colorida e hérculea tarefa, revelaria mais tarde: os livros azuis foram os que mais se venderam durante os dois meses em que a instalação esteve montada. Os castanhos foram os mais roubados. Os vermelhos ficaram nas prateleiras. Havia mais livros brancos do que de qualquer outra cor. Raros eram os livros amarelos.

http://www.kqed.org/arts/programs/spark/profile.jsp?essid=4286