sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Só porque chove lá fora


"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é."


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
(heterónimo de Fernando Pessoa)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

a-ver-livros: Senta-te aqui, anda

Encontrei mais um livro-banco aí pelo mundo. Este é uma escultura do britânico Bill Woodrow, intitulada “Sitting on History”, peça em bronze que inclui o banco propriamente dito e uma grilheta, que simboliza o livro como o objecto captor da informação a que não escapamos, como explica o seu criador.

Nesta foto estava em exposição temporária nos jardins do Jesus College, em Cambridge, mas, adquirida pela British Library em 1997, encontra-se em exposição permanente numa das zonas de descanso deste edifício, em Londres.

Se quiserem saber mais sobre o escultor, o link para a sua página oficial fica aí no fundo. Mas deixo-vos aqui mais duas peças dele relacionadas com livros. A primeira chama-se “Sitting on History II” mas trata-se de uma maquete em cera de outro potencial banco de jardim que nunca chegou a ser tornado realidade. A segunda intitula-se “Book Tree”, e a base é também o bronze.

http://www.billwoodrow.com/

De Lisboa para Dublin

Com a Irlanda na ‘ordem do dia’, nada como revisitar William Butler Yeats. Podia entrar em detalhes sobre a biografia do poeta, mas encontra-se em todo o lado. E, na verdade, só um detalhe me prendeu a atenção.

Yeats nasceu a um 13 de Junho. Tal como Fernando Pessoa, anos depois. Uma data marcada também pelas mortes de Al Berto e, mais tarde, Eugénio de Andrade.

Conseguem imaginá-los todos juntos, quem sabe jogando uma bisca ou, num momento de inspiração, entregues talvez a uma desgarrada poética?

“Ele Deseja Os Tecidos do Céu

Fossem meus os tecidos bordados dos céus,
Ornamentados com luz dourada e prateada,
Os azuis e negros e pálidos tecidos
Da noite, da luz e da meia-luz,
Os estenderia sob os teus pés.
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.
Eu estendi meus sonhos sob os teus pés
Caminha suavemente, pois caminhas sobre os meus sonhos."

W.B. Yeats

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Consciência Débil da Nossa Autenticidade, Vergílio Ferreira

"A consciência que te acompanha no que vais sendo é o puro registo disso que vais sendo para o poderes ler, se quiseres, depois de já ter sido. Mas no instante de seres o que és, o que és é apenas, por uma decisão anterior ao decidires. O que és é-lo onde a tua realidade profunda em profundeza obscura se realizou. O que és é-lo no absoluto de ti. A consciência testifica-nos apenas como o ser privilegiado que sabe o que é por aquilo que vai sendo e pode assim reconverter-se à posse iluminada disso que vai sendo. A consciência constata mas não interfere senão para se não ser mais o que se foi, ou mais rigorosamente, para se não querer ser o que se é - o que é ser-se ainda, embora de outra maneira.


Porque se neste instante me sobreponho, ao que sou, outra maneira de ser - a consciência que me altera o primeiro modo de ser é a paralela iluminação do modo de ser segundo. Decidi ainda antes de decidir, quando decidi não ser o que primeiramente decidira. Assim no torvelinho dos actos que me presentificam e da consciência desses actos, sempre o insondável de nós se abre para lá do que podemos sondar. Sempre a realidade de nós é a realidade original que na origens se gera. Sempre a autenticidade de nós está a uma distância infinita das razões que a justificam."

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Livros que deram filme: As Serviçais, Kathryn Stockett

Passei ontem pelo cinema e vi que está em exibição o filme baseado no livro 'The Help', de Kathryn Stockett.

Chamou-me a atenção, porque é a história que um leitor do blogue - José Santos - acompanhou de perto e diz ter gostado bastante. Podem ler a opinião do livro aqui. Já agora, ele também viu o filme.



Em Portugal é conhecido por "As Serviçais" e é publicado pela Saída de Emergência.

"Skeeter tem vinte e dois anos e acabou de regressar da universidade a Jackson, Mississippi. Mas estamos em 1962, e a sua mãe só irá descansar quando a filha tiver uma aliança no dedo.

Aibileen é uma criada negra, uma mulher sábia que viu crescer dezassete crianças. Quando o seu próprio filho morre num acidente, algo se quebra dentro dela. Minny, a melhor amiga de Aibileen, é provavelmente a mulher com a língua mais afiada do Mississippi. Cozinha divinamente, mas tem sérias dificuldades em manter o emprego… até ao momento em que encontra uma senhora nova na cidade.
Estas três personagens extraordinárias irão cruzar-se e iniciar um projecto que mudará a sua cidade e as vidas de todas as mulheres, criadas e senhoras, que habitam Jackson. São as suas vozes que nos contam esta história inesquecível cheia de humor, esperança e tristeza.

Uma história que conquistou a América e está a conquistar o mundo."



«Que altura perfeita para surgir este romance de estreia animador que ocorre na época do Movimento dos Direitos Civis em Jackson, Mississippi, onde as crianças brancas eram confiadas às mulheres negras mas estas não podiam polir as pratas da casa. […] Profundo e escrito com um enorme talento, é uma história cheia de coração, destinada a tornar-se um best-seller.»

Publishers Weekly

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Uma piada, por Ana Rodrigues


"Qual é o ritmo latino preferido de um livreiro? É a 'lombada'!"

Ana Rodrigues - acaba de ter uma inspiração partilhada no Facebook.

Não Tenho Pressa, Alberto Caeiro


"Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui."

Grandes Livros - Mau tempo no Canal

Hoje vi parte deste documentário sobre "Grandes Livros" na rtp2. Este episódio é dedicado a Vitorino Nemésio. Além das imagens convidativas dos Açores, ficamos a conhecer a fundo esta obra do escritor. É uma boa maneira de lermos um romance: indo à fonte que o constrói, observando o cenário que o inspira...



«Creio que o isolamento de cada ilha açoriana dá lugar à constante presença de um fantástico individual, que percorre de um modo exemplar o romance de Nemésio, desde a personagem mais singela até à de maior complexidade. Fantástico individual que está em luta aberta contra um maravilhoso colectivo. Assistimos a um descer dentro de cada um, como se dentro de si pisassem os degraus da escada em curva - perfeita sucessão de serpentes cegas - que levam, na geografia insular, ao lago subterrâneo da ilha Graciosa; a única das cinco ilhas centrais que as páginas de Mau Tempo no Canal não contemplam.»

Do prefácio de João Miguel Fernandes Jorge - edição Relógio D'Água (hoje esgotada). Actualmente podemos encontrar este livro nas edições de bolso - Bis Leya.

domingo, 13 de novembro de 2011

in Pequena Abelha




Abelhinha

“ Tudo era felicidade e canções quando eu era pequena. Havia montes de tempo para isso. Não era preciso ter pressa para nada. Não tínhamos electricidade nem água corrente nem, porque ainda não tinham feito as ligações dessas coisas à nossa aldeia. Eu sentava-me no meio das raízes da limba e ria-me enquanto via Nkiruka a balouçar para a frente e para trás, para a frente e para trás. A corda do balouço era muito comprida, de modo que ela demorava muito tempo a ir de uma ponta à outra. Aquele balouço nunca parecia ter pressa. Eu costumava vê-lo o dia inteiro e nunca me apercebi que estava a ver um pêndulo que ia fazendo a contagem decrescente das últimas estações de paz na minha aldeia.

No meu sonho, eu via o pneu a balouçar para trás e para a frente, para trás e para a frente, naquela aldeia que não sabíamos ainda ter sido construída em cima de um campo petrolífero, naquela aldeia que, em breve, seria disputada por homens que estavam cheios de pressa para perfurarem a terra até chegarem ao petróleo. É esse o problema da felicidade – toda ela é construída em cima de alguma coisa que os homens querem.

(…)

Na minha aldeia havia dois carros, um Peugeot e um Mercedes. O Peugeot apareceu antes de eu nascer. Sei disso porque o condutor era o meu pai, e a minha aldeia foi precisamente o sítio onde o Peugeot dele tossiu duas vezes e morreu na poeira vermelha. O meu pai bateu à porta da primeira casa da aldeia para perguntar se tinham um mecânico. Não tinham mecânico nenhum, o que eles realmente tinham era a minha mãe, e o meu pai deu-se conta de que precisava mais dela do que de um mecânico, de maneira que ficou. O Mercedes apareceu quando eu tinha cinco anos. O condutor estava bêbado e foi chocar com o Peugeot do meu pai, que estava exactamente como o meu pai o deixara, excepto um pneu que os rapazes tinham tirado para usar no balouço. O condutor do Mercedes saiu do carro e bateu à porta da primeira casa que viu e disse ao meu pai: Desculpe. E o meu pai ofereceu-lhe um sorriso e a seguinte resposta: Não peça desculpa. Nós temos é de lhe agradecer, porque o senhor acaba de pôr a nossa aldeia no mapa – é que este é o nosso primeiro acidente de viação. E o condutor do Mercedes riu-se e ficou também na aldeia e tornou-se muito amigo do meu pai, de tal forma que eu até lhe chamava tio. E o meu pai e o meu tio viveram muito felizes lá na aldeia até àquela tarde em que os homens apareceram e os mataram.”


Sarah

E eu sinto-me…

Para dizer a verdade, eu não sabia como é que me sentia. Nós não temos uma linguagem de adultos para a dor do luto. Os programas da manhã e da tarde fazem-no muito melhor. Sim, claro, eu sabia que devia sentir-me devastada. A minha vida desmoronara-se. É essa a fórmula, não é? Mas o Andrew estava morto há quase uma semana e ali continuava eu, de olhos secos, com a casa inteira a tresandar a gin e a lírios. Ainda a tentar sentir-me apropriadamente triste. ainda a esgravatar nas memórias da minha breve e confusa vida com o pobre Andrew. À procura do ponto crucial, da memória que, quando finalmente fosse partida e aberta. Libertaria algum sintoma de angústia. Lágrimas, talvez, sob uma pressão inacreditável.

(…)

Era esgotante, esta prospecção da dor, sem saber sequer se haveria dor para encontrar. Talvez fosse demasiado cedo. Para já, sentia mais compaixão por uma mosca encurralada que zumbia contra a vidraça. Abri a janela e lá foi ela a voar, vulnerável e fraca, de volta ao jogo.”


Caetano Veloso - "Livros"




Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objectos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou - o que é muito pior - por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Caetano Veloso
"Livros", 1997



in Elogio da Velhice, Hermann Hesse


“A verdade é um ideal tipicamente jovem, o amor, por seu turno, um ideal das pessoas maduras e daqueles que se esforçam por estar preparados para enfrentar a diminuição das energias e a morte. As pessoas que pensam só deixam de ambicionar a verdade quando se dão conta que o ser humano está extraordinariamente mal dotado pela natureza para o reconhecimento da verdade objectiva, pelo que a busca da verdade não poderá ser a actividade humana por excelência. Mas também aqueles que jamais chegam a tais conclusões fazem, no decurso das suas experiências inconscientes, um percurso semelhante. Ter consigo a verdade, a razão e o conhecimento, conseguir distinguir com precisão entre o Bem e o Mal, e, em consequência disso, poder julgar, punir e sentenciar, poder fazer e declarar a guerra - tudo isto é próprio dos jovens e é à juventude que assenta bem. Se, porém, quando envelhecemos, continuamos a atar-nos a estes ideais, fenece a já de si pouco vigorosa capacidade de «despertar» que possuímos, a capacidade de reconhecer instintivamente a verdade sobre-humana.”