sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José



Volto a escrever-lhe, de Paris, com o tempo deliciosamente soberbo. Um sol olímpico grassou hoje pela cidade que viu Victor Hugo, fugidio, e Baudelaire e Nerval, nevrálgicos, por entre os passeios dos jardins e os candeeiros a gás das esquinas mais suspeitas, as do ópio e as da alma!
Vim fazer férias de Portugal, desse país que tanto amo e que tanto odeio. Mas o que é o amor sem esse pó estrelado de um ódio subtil, ligeiro e cortante, jovem das danças para dentro?
(…)
A missiva já vai extensa e demasiado cosmopolita para que o jovem das alturas românticas possas descansar entre páginas de loucura, de silêncio e de solidão.
Chegou a hora de publicar aquela impublicável impressão de Nicosia, mais uma. Sempre impressões, impressões, impressões. Tenho receio de que aquelas páginas tenham esgotado algo cá dentro.
Efraim cortou o cabelo e pediu-me que lhe contasse este pequeno pormenor de cabeleireiro.
Escreva-me sempre, meu querido amigo, sempre.
Um abraço deste sempre

Seu

Gonçalo Viana de Sousa



Sonata Pathétique

Que o sol de Nicosia continue a ser um céu onde possa repousar a alma deste cansaço que assola sem aviso prévio, sem ameaça ou convite. Depois são aquelas noites em branco, a folha por escrever e a alma com tanto lá dentro para ser dito. Efraim, um copo de horizonte com gelo, e logo a seguir whisky em doses positivamente triunfais!
Assola-me este cansaço abúlico, sem explicação ou descrição possível. Um cansaço de tédio, um cansaço de qualquer coisa inominável, curiosamente grande e pegajosa, que não tem medo, nunca tem medo, de se colar à pele da gente e de nos acompanhar, incessantemente, incessantemente, incessantemente. Tenho lido poesia decadente a mais, Efraim. Os franceses tornaram-me intolerante a certas lactoses literárias.
Que as noites de Nicosia sejam sempre perfumadas com este travo de um Oriente que só existe nestas terras de realidade e de noites estreladas sobre desertos de cidades e de areias movediças que refletem o prateado luar de um imaginário oitocentista de escritor sentado numa escrivaninha ou escrevendo de pé. Escrevendo sobre isto, sobre nada e sobre o Absoluto…
Move-me a alma uma dessas vague des passions que levavam os românticos aos promontórios da solidão e do silêncio. Sinto-me cansado e, contudo, patético, no sentido integral da palavra, Efraim.
Esta sonata de Beethoven há-de levar-me àquelas viagens tão lindas de maresia e de suavidade. Tudo parece um embalo de mar e de céu e de azul. Sim, azul, um azul de todas as cores, azul frio, quente, apaixonado.
Que foi feito dos propósitos e dos amores de há muitos anos atrás? O piano acompanha-me na sua ladainha profana de folhas de um Outono que tarda a chegar. Às vezes a passagem do tempo é como um baloiço que vai e vem, mas quando o baloiço volta, no seu rodopiar de criança com fita no cabelo, de bibe molhado e mãos sujas de lama, crescemos. Quando o baloiço volta, não é o mesmo baloiço que volta, nem a mesma criança, nem o mesmo olhar sobre tudo isso. E a alma torna-se grande.
Mas o calor desta noite quente aperta e seca-me a garganta e os propósitos de cetim que tive para noites como estas, exóticas e romanticamente orientais.
Ligo a música e escuto a sonata patética de Beethoven. O universo estilhaça-se em mil pedações e paisagens de naturezas distantes parecem esvanecer-se em câmara lenta.
Preciso de férias, Efraim, de umas férias da alma e do mundo e das coisas.




Leia, Ouça, Veja, mas sobretudo, Pense - Agostinho da Silva

Se grandes invenções ou descobertas, como o fogo, a roda ou a alavanca, se fizeram antes que o homem fosse, historicamente, capaz de escrever, também se põe como fora de dúvida que mais rapidamente se avançou quando foi possível fixar inteligência em escrita, quando o saber se pôde transmitir com maior fidelidade do que oralmente, quando biblioteca, em qualquer forma, foi testamento do passado e base de arranque para o futuro. A livro se veio juntar arquivo, para o que mais ligeiro se afigurava; e fora de bibliotecas ou arquivos ficaram os milhões de páginas de discorrer ou emoção humana que mais ligeiras pareceram ainda, ou menos duradouras. Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia. 

Milhões de homens, porém, no mundo actual estão incapacitados de escrever e de ler, muito menos porque faltam métodos e meios do que incitamento que os levante acima do seu tão difícil quotidiano e vontade de quem mais pode de que seus reais irmãos mais dependam de si próprios do que de exteriores e quase sempre enganadoras salvações. Mais se comunica falando do que de qualquer outra forma; o que nos dizem muitas vezes nos parece de nenhuma importância, mas talvez tenha havido uma falha na atitude de escutar do que no conteúdo do que se disse; porventura a palavra-chave estava aí, mas estávamos distraídos, ou ansiosos por nós próprios falarmos; e no vento fugiu, a outros ouvidos ou a nenhuns. Ouça. 
No tempo em que a antropologia ainda julgava que o homem descendia do macaco notou-se, para os distinguir, que um, mesmo no estádio mais primitivo, desenhava; o outro, mesmo que antropóide superior, nem olhava o desenho. Imagem nos veio acompanhando pela História fora, desde as pinturas ou gravuras rupestres, cujo verdadeiro significado ainda está por encontrar, até cinema ou televisão, sobre cujo significado igualmente muitas vezes nos podemos interrogar e que se tem de arrancar o mais depressa possível ao domínio do lucro, da publicidade ou das propagandas ideológicas para que possam cumprir, como nas formas mais antigas, a sua missão de iluminar, inspirar e consagrar o mundo. Imagem o cerca. Veja. 
Mas o que vê e ouve ou lê nada mais lhe traz senão matéria-prima de pensamento, já livre de muita impureza de minério bruto, porquanto antes do seu outros pensamentos o pensaram; mas, por o pensarem, alguma outra impureza lhe terão juntado. Nunca se precipite, pois, a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, excepto o do amor de entender, de ver o mais possível claro dentro e fora de si; critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância dos factos; acredite fundamentalmente na dúvida construtiva e daí parta para certezas que nunca deixe de ver como provisórias, excepto uma, a de que é capaz de compreender tudo o que for compreensível; ao resto porá de lado até que o seja, até que possa pôr nos pratos da sua balancinha de razão. A tudo pese. Pense. 

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Levem-me ao Japão, please

Hostel-biblioteca é inaugurado em Tóquio nesta quinta

Uma mistura de hotel cápsula com biblioteca, este hostel em Tóquio oferece 1700 livros e camas entre estantes para visitantes

*post original do site http://casa.abril.com.br/
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Quando alguém perde o último trem no Japão e não consegue outra forma de voltar para casa, duas alternativas são possíveis: passar a noite em um hotel cápsula (assim como o nome diz, é um local que as camas ficam empilhadas, como se fossem caixas e você mal tem espaço para ficar sentado) ou em um internet café (mais elaborados do que as lan houses brasileiras, oferecem cabines individuais, livros, DVDs, chuveiro, café e, claro, computador com internet). Mas há quem queira juntar as duas coisas e oferecer uma experiência única: é o caso do Book and Bed Tokyo, uma espécie de hostel-livraria que abre as portas no próximo dia 5 de novembro.
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Com projeto assinado pelos designers Makoto Tanijiri e Ai Yoshida, do Suppose Design Office, o local oferece estadia em camas que se localizam atrás de estantes repletas de livros - são mais de 1700 títulos, entre obras em inglês e japonês. Há beliches que você precisa usar escadinhas para acessar (as mesmas utilizadas para alcançar as prateleiras mais altas) e cabines que parecem cápsulas. A capacidade total é de 30 visitantes. Quem não quiser passar a noite, pode passear pelo local durante o dia: confortáveis sofás estão disponíveis para até oito pessoas, por menos da metade do preço da diária.
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Localizado no sétimo andar de um edíficio perto da estação de trem de Ikebukuro, o Book and Bed Tokyo também oferece wi-fi livre, café da manhã e serviços de banho - quem for pernoitar, por uma quantia de 540 ienes (cerca de R$ 15) pode usar o chuveiro no banheiro compartilhado e recebe um kit com toalha, xampu, condicionador, sabonete, pasta e escova de dente. Além dos japoneses, a equipe do hotel também espera receber turistas dispostos a passar a noite lá para ter um experiência diferente.
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Os preços variam de 1500 ienes (R$ 46) para a visita durante o dia a 5500 ienes (R$ 170) para pernoites em finais de semana. Só é aceito pagamento em cartão e as reservas podem ser feitas online.
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terça-feira, 3 de novembro de 2015

rubor


caio encandeado
como os crepúsculos
de outono humedecidos
e choro
o sal das lágrimas
purifica-me o rosto
como as flores.


 Helder Magalhães




segunda-feira, 2 de novembro de 2015

"Bem-vindos a esta noite branca"

Amigos e leitores do Clube, é com gosto que informo sobre a publicação do meu livro, "Bem-vindos a esta noite branca", em formato eBook. É o culminar do trabalho de largos meses, trabalho esse que, apesar de cansativo, sempre foi feito com grande satisfação e maior prazer! 

Neste momento está apenas disponível na loja da LeYa Online mas dentro de poucos dias chegará, também, a várias outras livrarias online: Amazon, Apple Store, Barnes & Noble, Fnac.pt, Gato Sabido, Google, IBA, Kobo, Livraria Cultura, Submarino, Wook.

Entretanto, segue o link para página de "Bem-vindos a esta noite branca", na loja da LeYa Online:
https://www.leyaonline.com/pt/livros/romance/bem-vindos-a-esta-noite-branca-ebook/




Um abraço a todos e boas leituras!
Gonçalo Naves