segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Pretérito Perfeito



Pudesse uma personagem ter carne e osso?

Tu do outro lado do espelho.
O espelho a deformar o corpo ou o corpo deformado no espelho.
A insuficiência do corpo.
A ampulheta ao contrário, o mundo do avesso, o tempo a encolher, a escurecer, a vida em contagem decrescente, a contra-relógio.
Deixas de usar relógio.
Deixas de correr.
Começas a correr.
O tempo uma unidade fugaz, veloz, voraz.
O tempo a comer o tempo.
O teu corpo a comer-te os dias.
Não sabes o que fazer e corres.
Ferido na asa, a vida num sopro, menos que breve, semi-breve e, corres, quando queres apenas, sem penas ou rancor, todas as memórias boas, perfeitas, cristalizadas, a absoluta certeza de que foste feliz mesmo nas coisas mínimas ou principalmente nas coisas mínimas, quase invisíveis, as minudências, as tardes infindáveis da infância, o primeiro amigo, o primeiro beijo, o primeiro amor, o primeiro cigarro, a primeira viagem ao estrangeiro.
O teu corpo estrangeiro.
Ou tu estrangeiro no teu corpo.
E, em fuga corres, e queres, não queres, não suportas, dás-te vencido, traído e, queres, deter os pés, fechar os olhos, pousar as mãos, sossegar o corpo.
O corpo em reparação.
O corpo irreparável.
O corpo pendente por um fio do coração.
Não um coração pendente de um fio.
Um coração filigrana de oiro fino.
Se fosse de oiro seria fácil substituir.
A vida a acabar ou a começar?
A vida começa todos os dias e ninguém repara.
Reparar: compor, consertar, corrigir, emendar.
A vida sem conserto.
Um último concerto.
O teu contrabaixo.
Um último abraço.
Os braços da mãe.
Um último olhar.
Um último sorriso.
Mas, como saber se o último, se nem sempre a morte é uma coisa que acontece no fim da vida.


2 comentários:

  1. Os livros de Bernard Cornwell, parte 1 – As Crônicas de Artur um bom livro para acrescentar em seu blog.

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  2. http://www.wattpad.com/14850832-o-despertar-do-merlin-danilo-barbosa-%26-vanessa

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