quarta-feira, 25 de abril de 2012

Às tuas portas

No momento da sua última viagem, recorde-se o lado literário de Miguel Portas, político, jornalista, curiosamente economista de formação. "Não exerci para não prejudicar o país", brincou, na última entrevista que deu ao jornal "Expresso", em Julho do ano passado.



Autor de
"E o Resto é Paisagem" - Dom Quixote, 2002
"No Labirinto - O Líbano entre guerras, política e religião" - Almedina, 2006
e "Périplo" - Almedina, 2009
- este último um livro de viagens que não se esgotavam nos documentários feitos a meias com o realizador Camilo Azevedo para a RTP em 2005 -,
Miguel Portas revelava-se "um viajante eternamente jovem e obstinado, que gosta de encontrar realidades diferentes, surpreendentes e contrastantes; que, apesar de uma lucidez feroz e muitas vezes mortífera, mantém uma atitude de romantismo assumido, quer na escola dos temas, quer da defesa corajosa daquilo que ele poderá definir como as suas 'causas'; alguém que não somente tem prazer em escrever como revela a partir do manifesto prazer da escrita uma sensibilidade estética que o protege de anquilosamentos ou fossilizações", como escreveu Eduardo Prado Coelho no prefácio. 

Para a memória do futuro, eis um trecho de "Périplo": 
"Se em Santa Sofia o visitante ainda hoje se sente um grão de areia na casa do Senhor, na mesquita andaluz, pelo contrário, devia perder-se. Claro que o incomoda a enxertia da catedral católica no seu interior. O incruste é como uma cruz cravada em terra de infiéis. No entanto, é esta estranheza arrogante que acaba por revelar a altura da construção islâmica, até aí oculta na harmoniosa monotonia da floresta de arcos em
que assenta. O mesmo Deus era, portanto, diferente, consoante se adorava em Istambul ou em Córdoba."



E outro, este de reflexão sobre o que é "Périplo",
in Sem Muros, o blog do próprio Miguel Portas:
"Os povos do grande lago são mestiços sem excepção. Não acreditem quando vos disserem que houve quem preservasse o sangue e apurasse a raça. Com nenhum povo foi assim porque o Mediterrâneo é o lugar onde a vida se fez Tempo e este livro é sobre esse casamento feito de festas e amores, zangas e equívocos."


À tal entrevista do "Expresso", Miguel Portas explicava-se: "A razão pela qual tenho de escrever livros é exactamente para evitar a carga de droga dura que a política traz." E, a dado momento, 53 anos, consciente do cancro de pulmão que o consumia, rematava: "Ao chegar ao fim da vida, quero poder olhar para trás e dizer: terei feito algumas asneiras, mas no conjunto posso partir, lá para onde for, com tranquilidade."


Que a nova viagem seja tranquila, Miguel Portas.

(Obrigada pela ajuda para este post, José Carlos Rodrigues)


Sem comentários:

Enviar um comentário