terça-feira, 24 de abril de 2012

O Homem que via com o pensamento

São 18 h de um dia frio, chuvoso!

Quero chegar a casa!

Só penso naquele banho quente, aconchegante.

Estou exausto... o meu corpo não anda... arrasta-se!

Aperto o fecho do blusão, cruzo os braços, encolho os ombros, aconchego-me e caminho lentamente pelos túneis do metro. Quero chegar rapidamente a casa, mas não consigo andar mais depressa... pensei... "que bom seria a telepatia!" Estou aqui...  l segundo... já estou lá...

Vou assim embrulhado nesta letargia consciente e totalmente desprendido do que me rodeia. Não vejo rostos, vejo sombras; não oiço sons, oiço ruídos. Quero manter-me neste estado para que não tenha que perceber e enfrentar a vidas dos outros, mundos que correm ao meu lado. Quero este meu casulo, apenas isso! Nele, posso viver em qualquer estação do ano, posso colorir as emoções de todas as cores e posso escolher os acordes musicais para me embalarem.

- Cuidado! Não vê? - Sou literalmente sacudido por esta voz .

Olho em frente e, ali mesmo, está uma homem encostado à parede. Tem um ar elegante, altivo. O cão, a bengala e os óculos escuros rotulam a sua condição: invisual!

Apercebo-me da ironia da sua frase: "Cuidado, não vê?". Ele invisual, pergunta-me a mim, que nem óculos para ler preciso, se não vejo?

Paro junto a ele... o meu cansaço foi-se... o meu corpo aqueceu de repente e a pressa de chegar a casa, tornou-se uma quimera.

Como por magia, à minha volta há vida, há rostos... identifico a solidão, a falta de fé, o abandono... vejo também rostos plenos de desejo, expectativas, possibilidades...

- Sabe já fui como o Senhor! - (diz-me) -  ... já tive olhos, mas nada via. Hoje, os meus sentidos estão cegos, mas a minha alma vê tudo.

Levo um soco no estômago! A rudeza daquela verdade corta-me, fere-me!

Encosto-me ao lado dele e fico assim, em silêncio, longos minutos... no chão um amplificador toca "Unforgettable". Perfeito!



Foto by Simão Carvalho - INSTAGRAM 2 - "O pior cego é aquele que não quer ver"

São 18h de um dia frio e chuvoso!

Corro... cheia de vitalidade por aquele túnel. Oiço vozes, conversas, sussuros. Pisco o olho a uma rapariga lindíssima que me retribui o olhar... sorrio!

Vejo-o! Está lá... com a mesma postura, o mesmo companheiro, o mesmo amplificador.

- Olá! Que queres ouvir hoje? - pergunta-me

- Olá! Escolhe tu! Hoje apetece-me sonhar! - respondo-lhe

- Ok!

E, de repente, por um amplificador colocado no chão de um túnel, saem acordes musicais que me transportam para um mundo onde tudo acontece, onde tudo se vê, mas apenas com o coração!

Elsa Martins Esteves

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