quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sombra de mim em ti

Soltas vão as horas, numa noite quente e húmida.
Sou guardiã dos pensamentos que poluam na noite escura.
Viajo por becos e esquinas …resgato no manto do silêncio, a solidão que habita nestes caminhos encruzilhados. São gente de olhar perdido em busca de respostas que não querem ouvir.
Sinto o peso da sua presença em forma de um denso fumo que o envolve.
Aproximo-me…não sente a minha presença…sou invisível como sãos os seus pensamentos que correm livremente. Ligeiramente curvado, acende mais um cigarro e inspira fortemente …sopra com preguiça o fumo que sai pela boca, acariciado pelos seus lábios. Corro atrás dessa nuvem e oiço….

- Não tenho relógio…detesto relógios! Fazem sentir-me preso e eu nasci para não ter outro ritmo que não seja o meu.
Gosto da noite! A sua escuridão é como uma amante…dá prazer e nada questiona…está simplesmente porque quer estar. Por isso, é na noite que acerto o meu desassossego. Vagueio o corpo e liberto a alma.
Sem pressas, ando pelas ruas. Vejo as putas que, em lânguidos movimentos, vendem o prazer com minutos contados e os homens que as compram, cheirando a sexo em ebulição.
Tudo acontece ao ritmo da vida real, nua e crua. Sem fingimentos, sofisticações: os odores que sinto são de corpos suados, os olhares que me cobrem têm marcas de sonhos rasgados e as melodias que entoam são dedilhadas em violas gastas por um tempo sem memórias.
Gosto disto. Sinto-me vivo aqui. Neste mundo, a indiferença é um estado de alma de quem nada pede porque nada tem para dar. Sou apenas mais um que deambula pelas ruas. Nada me pertence e eu não pertenço a ninguém. Sou apenas Eu e quanto mais habito neste mundo, mais pleno Sou.
Não me interessa a incompreensão dos outros, estou-me nas tintas para isso. Ninguém me questionou, se as amarras que prenderam as minhas asas, feriram! Ninguém quis saber, as batalhas que travei e que preço paguei para as vencer.
Desbravei mundos…fiz das cidades minhas amantes e em cada uma amei o prazer. Cada rua foi minha, possuída ferozmente. Meu corpo ficou exausto dessa entrega, mas renovado para, noutro recanto, jorrar novamente em prazer.
Vi a injustiça erguida em estandarte…Fiz do ódio meu Aladino e desventrei os medos castrantes. Quis a liberdade plena de ser omnipresente e omnisciente e sem barreiras saltar o abismo.
Vivi a incerteza da minha própria certeza e hoje, vivo apenas com a minha certeza incerta.
Não quero mais nada porque já tive tudo. O nada que me acompanha preenche o tudo que dentro de mim vive.
Vou pintar a vida que quero com as cores da minha poesia e despojado de tudo, resgatarei todos os sonhos na tela que comecei e que nunca terá fim….

- Dá-me um cigarro! Peço-lhe.
- Pensava que nunca mais pedias – responde-me o homem de gabardina preta que fuma um cigarro na esquina de uma noite escura.
Em silêncio, olhamos o fumo que sai das nossas bocas e que suavemente esvai-se na escuridão…pensamentos que voam em concordância.

Elsa Martins Esteves

Tela de MNN

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