quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Com Claraboia reconciliei-me com Saramago


A Claraboia abre também outras janelas. Foi assim durante o mês de leitura do livro e é assim para o terminar. Desta vez para além do texto da pessoa que o escolhe, neste caso eu, há também uma surpresa. Hoje uma leitora, que segue o blogue e o nosso grupo no Facebook e também minha amiga aceita o desafio. Foi este o livro que acabou de ler e o texto que se segue é da sua autoria, a sua opinião sobre o mesmo. Brevemente as minhas opiniões também aqui.

Lembro-me de estar no 12º ano e de ler duas grandes obras: Aparição de Vergílio Ferreira e Memorial do Convento de Saramago. E no 'braço de ferro' entre estes dois escritores o primeiro levou a melhor.

Depois, mais tarde, recordo que abandonei outro livro do escritor da Azinhaga — A Caverna — possivelmente pela minha imaturidade na altura. E durante muito tempo não voltei a pegar em mais nenhum. Mas talvez porque Claraboia foi “a obra rejeitada” decidi dar-lhe agora uma oportunidade.  E devo dizer que a li de chofre, em menos de uma semana.

Saramago afirmou que este era um romance ingénuo — talvez como ele próprio seria quando o escreveu. Mas creio que falo verdade quando digo que Claraboia é um grande romance e não desmerece a obra do Prémio Nobel.  

E parece que é mesmo através dessa estrutura envidraçada — a claraboia — que conseguimos ver a vida dos personagens deste romance que habitam um prédio de Lisboa. Este prédio é, na verdade, um microcosmos da sociedade lisboeta dos anos 50.

Aqui são retratadas seis famílias: Silvestre, o sapateiro filósofo, e a sua mulher Mariana, tão bondosa quanto gorda; Lídia, uma “mulher por conta” que ganha com o corpo o seu sustento; Adriana, Isaura, Cândida e Amélia, quatro mulheres avulso que definham sem o amor de um homem. Quatro mulheres que vivem uma vida com “janelas sem horizontes” e que encontram na música uma réstia de alegria. Saliente-se que é através de uma destas mulheres — Isaura — que Saramago ousou tocar na questão da homossexualidade. E será através das leituras, nomeadamente d’ A Religiosa, de Diderot, que ela acaba por descobrir a sua orientação sexual.

Vivem ainda neste prédio: Justina e Caetano, um casal que se odeia mutuamente e que se agride até no silêncio; Anselmo, Rosália e a filha Maria Cláudia, que querem subir na vida a todo o custo; e Emílio e Carmen, um português e uma espanhola casados como que por “engano”, pais de Henriquinho.

Por fim, há Abel — que será o próprio Saramago. Ele é um jovem “livre” que se torna inquilino do sapateiro. Um jovem que lê e que se interrroga sobre a vida: “Queriam-me casado, fútil e tributável?, perguntara o Fernando Pessoa. É isto o que a vida quer de toda a gente?, perguntava Abel.”

E é ao longo das conversas de serão entre Abel e Silvestre que são abordadas questões filosóficas como a busca do sentido da vida — que, segundo o sapateiro, reside no verdadeiro amor.

Em Claraboia, Saramago faz-nos entrar casa e vida adentro destes personagens. E, com um certo voyeurismo, somos levados a conhecer, sem qualquer pudor, os desejos, os anseios, os medos, os sonhos, as desilusões e os segredos dos inquilinos deste prédio. As suas vidas são postas a nu sem qualquer delicadeza. E todas estas histórias nos parecem verdadeiras, todas estas vidas podiam “ser de verdade”. Acredito até que alguns destes personagens nos façam lembrar algum vizinho na vida real.
Claraboia é um romance simples (não quero que isto pareça redutor) e divertido — há ironia à colher. Mas também é sério. Muito sério. Porque, afinal, fala-se da vida.

Quando terminei o livro fiquei seriamente a pensar na(s) vida(s) de todos os personagens. E na minha também. Com Claraboia sinto que me reconciliei com Saramago.

Gina Macedo
gina.avila.macedo(at)gmail(ponto)com

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