quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Wislawa: daqui para a nuvem

Descobri-a há tão pouco tempo, não estava preparada para esta despedida. Mas a verdade é que Wislawa Szymborska partiu ontem de Cracóvia para a terra dos poetas. Tinha 88 anos, uma vida inteira de fumadora e um cancro de pulmão para o provar, uns 400 poemas publicados ao todo, um Nóbel da Literatura ganho em 1996.

Os amigos, conta agora quem lidou de perto com a muito privada senhora polaca, referiam-se-lhe como "a tragédia do Nobel", já que durante anos não escreveu nem mais um poema.


Na sua aceitação do prémio sueco, Wislawa brincou com o potencial cinematográfico da vida dos poetas, parcas em material. "O trabalho dos poetas é muito pouco fotogénico. Alguém sentado a uma mesa ou afundado num sofá, olhando estático para uma parede ou para o tecto. De vez em quando escreve sete linhas, apenas para, quinze minutos depois, riscar uma, e depois passa mais uma hora sem acontecer seja o que for." Quem aguentaria assistir a este filme, perguntava-se.

Por mim, imaginei-a envolta numa nuvem de fumo, aparentemente impávida, fervilhando por dentro, ecoando vozes de tudo quanto é complexamente simples. Agora imagino-a fumando nuvens, algures nos céus de azul para que passo a vida a olhar.


Outros poemas haverá - não os conheço todos, quem dera - que falem melhor de despedida. Eu adoro este que se segue. E com ele faço o meu luto. Obrigada Wislawa, por teres vivido.

"Nuvens

Para descrever as nuvens
muito teria de apressar-me,
pois numa fracção de segundo
deixam de ser estas e começam a ser outras.

É sua propriedade
não se repetir
nas formas, tonalidades, poses e configurações.

Sem o peso de qualquer lembrança,
pairam sem dificuldade sobre os factos.

Mas nem testemunhá-los podem,
pois logo se dissipam em todas as direcções.

Comparada com as nuvens,
a vida afigura-se firme,
quase duradoura, eterna.

Perante as nuvens
até uma pedra parece nossa irmã,
na qual se confia,
mas elas, enfim, umas levianas primas afastadas.

As pessoas que existam, caso queiram,
e depois morram uma por uma,
as nuvens não têm nada a ver com
coisas
tão estranhas.

Sobre toda a tua vida
e sobre a minha, ainda não toda,
desfilam com pompa, como desfilavam.

Não têm obrigação de morrer connosco.
Não precisam do nosso olhar para navegar."


Deixo-vos ainda um vídeo sobre a versão original deste poema. É só seguir o link e, pelo menos, ouvir a música enquanto se relê esta tradução. Bem melhor do que um Te Deum.
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=fhv5yu7nUPk#!


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