sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Fechar a Claraboia para mostrar o interior escondido


A abordagem que faço à leitura do livro é baseada no sentimento de confiança. Já li bastante da sua obra e gosto e conheço o suficiente para me sentir à vontade. Sabendo que há altos e baixos ao longo de uma obra tão extensa e até diferenciada era curiosidade o que me levava à leitura deste livro.

Já tinha ouvido falar deste livro, não era segredo que Saramago o tinha na gaveta à espera que chegasse a hora. Já se sabia também que essa hora seria sempre póstuma. Depois de o ler parece que foi escrito nos primeiros anos da década de 1950 para ser lido exactamente agora, mais precisamente em Janeiro de 1953, com 30 anos, José Saramago sob o pseudónimo Honorato.

Claraboia é a história de um prédio com seis inquilinos sucessivamente envolvidos num enredo. Primavera de 1952. Numa rua modesta de Lisboa, o prédio é o cenário principal das histórias simultâneas que compõem este romance da juventude de José Saramago. Os dramas quotidianos dos moradores - donas de casa, funcionários remediados, trabalhadores manuais - tecem uma trama multifacetada, repleta de elementos do consagrado estilo da maturidade do escritor, em especial a mestria dos diálogos e o poder de observação psicológica. As janelas, paredes e corredores do velho edifício lisboeta são testemunhas privilegiadas das pequenas tragédias e comédias representadas pelos personagens.

Acho que o livro não está mal construído, tem uma estrutura bastante diferente do que conhecemos de Saramago. Mais ingénuo talvez, mas não deixando de se notar já, a necessidade de uma critica social e dos comportamentos humanos muito típica na sua obra. Encontramos assim a ironia e o olhar acutilante e certeiro sobre as relações humanas, e somos surpreendidos com a segurança com que o então jovem escritor perscruta o interior destes personagens memoráveis, onde até já se incluem exemplos das mulheres, oprimidas mas fortes, que povoariam os seus romances posteriores.

"Isaura sempre gostava daqueles momentos em que, antes de curvar a cabeça sobre a máquina, deixava correr os olhos e o pensamento. A paisagem era sempre igual, mas só a achava monótona nos dias de verão teimosamente azuis e luminosos em que tudo é evidente e definitivo. Uma manhã de nevoeiro como esta, de nevoeiro delgado que não impedia de todo a visão, cobria a cidade de imprecisões e de sonho. Isaura saboreava tudo isto. Prolongava o prazer. No rio ia passando uma fragata, tão maciamente como se flutuasse numa nuvem. A vela vermelha tornava-se rosada através das gazes do nevoeiro. Súbito, mergulhou numa nuvem mais espessa que lambia a água e, quando ia surdir de novo nos olhos de Isaura, desapareceu atrás da empena de um prédio."

São vários núcleos de personagens, cada um em seu apartamento: irmãs que tem discussões sobre música e livros, um velho casal que sofre com a falta de dinheiro e aluga um quarto para um jovem rapaz, uma moça que é sustentada pelo amante de mais idade… Pouca coisa acontece no enredo do romance, estruturado como pequenos registos fotográficos de momentos comuns da vida dessas pessoas. Há apenas esparsas tentativas de escapar desse esquema narrativo, como o capítulo XIII, que começa com um trecho de diário e segue com um recorte de um romance de Diderot.

As partes de maior impacto emocional do romance geralmente são sabotadas por uma dramaticidade exagerada e por diálogos que revelam demais, como este de Emílio a falar com o filho adormecido: “Sou infeliz, Henrique, sou muito infeliz. Vou-me embora um dia destes. Não sei quando, mas sei que irei. A felicidade não se conquista, mas quero conquistá-la. Aqui já não posso. Morreu tudo… A minha vida falhou. Vivo nesta casa como um estranho. Gosto de ti e da tua mãe, talvez, mas falta-me qualquer coisa”.

O verdadeiro problema de Claraboia talvez resida no facto de que Saramago deixa muito pouco para a imaginação do leitor. O que não está explicitado em diálogos, logo em seguida é tornado claro pelo narrador.

1 comentário:

  1. Grande leitura neste mês. Foi muito bem acompanhado. Parabéns aos bloguistas :)

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