Nessa altura Celeste amava um marinheiro, e ficava em casa à espera do
momento em que o barco dele passasse na barra rumo a qualquer água longínqua de
um mar distante, desenhado a aguarelas azuis e cinzentas no mapa fluido e
incerto das longas separações. Era noite e o rio estava cheio de luzes
flutuantes por trás das cortinas vagas da chuva, pontos verdes e vermelhos que
cruzavam devagar a espessura da faixa negra ao fundo da encosta coberta de
telhados de prédios e de antenas de televisão. Celeste sentava-se diante da
janela e via o desenho trémulo da ponte na humidade salobra do vento, o último
comboio passava muito longo e solitário rente ás praias de lodo da foz. Sabia
que a qualquer instante um homem havia agora de navegar por ali, uma vez mais
de partida no segredo da casa das máquinas, e esse era o homem que ela então
amava. Celeste reconhecia os dois faróis amarelos na proa, acelerava-se-lhe o
coração, abria os vidros e acenava longamente com um lenço branco. Adeus meu
amor, rimas simples de uma canção antiga. E ele, que decorara no primeiro olhar
a latitude e a longitude da janela de onde uma mulher estava a vê-lo sumir-se
na voragem vasta do mundo, atroava por três vezes o sono da cidade com o eco
plangente da buzina, adeus, adeus, adeus querida, de novo e sempre para nunca mais.
Cá vou eu, Celeste, nos quartos do leme a pensar em ti. Depois o escuro tragava
os dois faróis amarelos num silêncio demorado, Celeste guardava o lenço e
deixava escapar um suspiro. Devolvia-se devagar à penumbra da casa, sorria para
si própria e para a imagem improvável daquele amor embarcadiço todo povoado de
bússolas e de guindastes, e de nós e de milhas marítimas, um amor com
barbatanas de golfinhos a ferir a superfície junto ao casco e mulheres sem
rosto que de madrugada cantavam baixinho na errância dos portos. Celeste amava
um marinheiro e a seguir abria a porta do frigorífico sem acender a luz da
cozinha, tirava uma garrafa de litro de cerveja preta e voltava para a sala.
Foi assim que a encontrei quando lá cheguei com o cão.
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