quinta-feira, 30 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José

Cá continuo eu, por Paris, deambulando, vagabundeando como se pede a quem por flâneur tem o cunho e a realidade.

Enviei por correio expresso as tais caixinhas daquele Chambertin positivamente divinal!
Aproveite-o, beba-o e depois escreva-me. (Mas escreva-me sob o efeito do néctar, não quero cá escritas feitas em cima de um joelho sóbrio e com laivos de embrião académico).
Não lhe envio nem memórias nem apontamentos, nem poemas libertários, nem testamentos. Hoje não vai publicar nada para além das palavras desta missiva escrita debaixo de um maravilhoso Sol, num banquinho de jardim ao pé do antigo Museu Napoleão.

Terá tempo, portanto, para as suas coisas e tolices. (Para quando é que habemus esse Infinito e penoso Doutoramento terminado?) Conte-me, com tinta do rouge Chambertin que propósitos são esses e que ideias têm povoado a sua estação de caminhos-de-ferro oitocentista, ainda que para dentro? Efraim anda relendo Le Spleen de Paris. Comprou uma edição da Hachette naquelas barraquinhas na margem Sul do Sena, ao lado de Nôtre-Dame. Não pagou mais que três euros! Veja lá isto, jovem dos vendavais românticos! Na cidade dos poetas e dos artisas e dos boémios sai mais caro um bom prato de queijo do que um pacote de livros dos grandes clássicos da literatura francesa! Pelo demo! Que cultura! Que civilização! A mente antes do estômago! Nem os gregos chegaram tão longe. Até o velho Sócrates, de branca toga e brancas barbas ensinava na clássica Atenas que primeiro devemos viver e depois filosofar!

Chego, pois, a uma conclusão: Paris não é para viver, Paris é, positivamente, para filosofar. (Amar nesta cidade sai caro. Já Papa John mo dissera)

Têm sido dias maravilhosos, estes que por aqui temos passado, jovem frenético. Tenho lido menos do que tenho comido e bebido, é certo, mas com a minha idade também é urgente aproveitar estas pequenas grandes maravilhas que os deuses nos oferecem. Ando a ler Céline, pois há que tempos que o Antunes me chateia para que o leia, no francês, não na nossa pátria língua. 

Antes de me despedir, peço-lhe que, na próxima semana, publique dois poemas sobre o "Brasil lindo e trigueiro", pelo simples motivo que estarei ausente e incontactável. Já sabe como é a minha primeira semana de Maio (…). (…), é escusado dizer-lhe muito mais.

Efraim enviou-lhe, juntamente com as caixas do Chambertin, umas quantas caixinhas de macarons, positivamente deliciosos! Coma e beba (estude menos, ou então, estude mais!)
Abraço cosmopolita e parisiense 

Seu

Gonçalo V. de Sousa.

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