segunda-feira, 2 de abril de 2012

Três mulheres, quatro grandes romances. A Relógio D' Água lança Harper Lee, Clarice Lispector e Virginia Woolf


«nelas abertas para o jardim, a falar da fossa. O conselho do condado prometera fazer chegar a água à aldeia, mas não o fizera. Mrs. Haines, casada com o senhor da quinta, uma mulher com cara de gansa e olhos protuberantes como se vissem na valeta alguma coisa que engolir, disse num tom afectado: — Mas que assunto de conversa para uma noite como esta! Depois, fez-se silêncio; uma vaca mugiu, e isso levou-a a dizer como era estranho que, em pequena, nunca tivesse tido medo das vacas, mas só dos cavalos. Com efeito, uma vez, em criança, quando estava no seu carrinho, um grande cavalo de tiro rasara-a, passando, a menos de uma polegada do seu rosto. A sua família, dizia ela ao velho sentado na poltrona, vivera, durante séculos, nas proximidades de Liskeard. As sepulturas no cemitério podiam prová-lo. Ouviu-se um pássaro chilrear lá fora. — Um rouxinol? — perguntou Mrs. Haines. Não, os rouxinóis não chegavam tão a norte. Era uma ave diurna que a substância e a suculência do dia, os vermes, os caracóis e os grãos faziam chilrear até durante o sono.»






«Em O Lustre, de 1946, Virgínia mantém um relacionamento incestuoso com o irmão, Daniel, com quem faz reuniões secretas em que experimentam verdades, na condição de iniciados especiais. Os protagonistas Virgínia e Daniel fazem experiência com o mal, ora como agentes (beneficiários), ora como vítimas. Nas brincadeiras de infância entre os dois irmãos, o menino exercita sua maldade com jogos perversos que denunciam o abuso do poder de que se sabe possuidor. Virgínia é o instrumento de obtenção daquele prazer que no romance anterior parecia poder levar ao êxtase a jovem Joana: a fascinação pelo mal, o prazer advindo da percepção - e, neste caso, do uso - da inerente maldade humana. Para o menino, o mal metamorfoseia-se em perversidade, exige relação, necessita de um outro para se completar: pratica o mal pelo mal, convertendo-se o meio em fim.»


«Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor- -a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras — e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.»

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