sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Correntes d’Escritas 2012: Primeira Mesa

Após ter sido condecorado pelo Secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, Rubem Fonseca declarou-se filho e neto de portugueses, “e com muito orgulho”, afirmando peremptoriamente: “amo a língua portuguesa”, acabando a elogiar o poeta maior, Luís de Camões.



Eduardo Lourenço, a quem a Revista Correntes D’Escrita 11 é dedicada, ressaltou, de Camões, a permanente consciência de dizer "o que precisamos para não sucumbir à tentação do pessimismo que invade páginas" num velho país onde "os tempos não são famosos" e há "grande desesperança e dúvida".

A 1ª mesa com o tema “A escrita é um risco total” foi composta por Rubem Fonseca; Ana Paula Tavares, Hélia Correia, Eduardo Lourenço e Almeida Faria e teve como moderador José Carlos de Vasconcelos, director do "Jornal de Letras".



Para Eduardo Lourenço, que é o autor da frase que serve de tema, recua aos primórdios da escrita, do Egipto à Mesopotâmia, aferindo ao escritor a imagem do “roubador do fogo” com a vida é o risco maior pois todos escrevemos as páginas da nossa vida, mas o escritor embarca numa aventura e arrisca-se em cada livro, porque escrever não é mais do que cumprir a sua vida, assim a escrita pode ser uma "cidade cheia de luzes ou um cemitério de sombras".



Para Almeida Faria, que começa por recordar o momento em que encontra numa manhã de nevoeiro sebastiânico, em plena 5ª Avenida, Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro, a realidade supera a ficção. Contudo, e nas suas próprias palavras, revela que o conflito entre a realidade e a ficção é inevitável e acredita que as personagens que cria são mais duradouras que a nossa breve passagem pelo mundo e isso é que faz valer a pena a escrita.



Ana Paula Tavares desde sempre contrariou o seu destino ou aquilo que parecia ser o destino de uma mulher nascida num recanto rural de Angola. Para Ana Paula escrever foi de facto um risco e valeu-lhe inicialmente o epíteto de pornógrafa, pois os seus primeiros poemas publicados geraram na Angola de então, pouco preparada para ler uma mulher que ninguém conhecia e que falava de amor, das paixões e do corpo com desassombro inaudito.



Hélia Correia recua às raízes, ao étimo da palavra risco que são quatro, não havendo certezas sobre qual será o étimo real. Do árabe ‘risc’, que remete para o pagamento dos soldados em função do seu desempenho, da sua “gente”, do grego, ‘risikon’ que remetia para os acasos da sorte, passando pelos étimos latinos ‘rixicare’, sugerindo o risco do combate, e ‘ressecare’ significando rasgar (por exemplo, quando os navios se ‘rasgavam’ nos rochedos), que a escritora associa à escrita.




Rubem Fonseca, que raramente dá entrevistas e tem fama de tímido, surpreendeu a plateia com a sua desenvoltura e nas suas palavras declarou-se "uma pessoa peripatética" e que não consegue falar parado. Começou a sua intervenção com um elogio à loucura, pois todos os escritores são intrinsecamente loucos e que a escrita é uma forma aceite de loucura, afirmando que todos, na mesa, são totalmente loucos, “ainda que cada um à sua maneira”. Mas não basta ser louco, diz Rubem Fonseca, “é preciso ser um pouco alfabetizado, não muito”. A inteligência não é um requisito para se ser escritor, aliás de Somerset Maugham, que afirmava conhecer dezenas de escritores e muito poucos escritores inteligentes. À loucura e à alfabetização, junta-se a motivação, “sem a qual não conseguimos sequer descascar uma banana”. A paciência é o requisito que se segue, pois tal como Flaubert é preciso encontrar a palavra certa, le mot juste, porque “não existem sinónimos; isso é conversa de gramáticos para boi dormir”. Finalmente, o último ingrediente - a imaginação. É fundamental que o escritor invente, a imaginação é elementar no acto da criação, sem ela não conseguimos sequer viver. Rubem Fonseca que começou esta mesa a elogiar Camões, termina-a a declamar o poema "Busque amor novas artes, novo engenho".

Sem comentários:

Enviar um comentário