Prenderam-me em Novembro de 1591 e, durante quase onze meses, não falei a
mais ninguém para além do guarda prisional. Nem fui informado das acusações que
pendiam sobre mim nem autorizado a ler fosse o que fosse, e a minha janela, uma
fenda mesquinha na pedra nua, estava tão alta que não me permitia espreitar
para a cidade lá em baixo. A esperança agarrava-se às recordações de Tejal, e
por vezes, também, ao tamborilar da chuva, a qual me lembrava que havia um
mundo onde os meus carcereiros não tinham poder. Uma vez, durante uma
tempestade, pus-me a lamber umas gotas que escorriam pela parede. Souberam-me
ao Riacho do Moinho e, por uns instantes, os meus pensamentos chapinharam em
toda a minha liberdade de criança, mas muitas vezes penso que acabaram por me
trair; nessa mesma noite, Deus foi-me roubado, e, ao acordar, senti-me mais
sozinho do que já alguma vez estivera, expulso do mundo sobre o qual ELE sempre
velara. Nunca mais haveria de sentir os dedos dos meus pés afundarem-se na
terra vermelha dos arrozais ou saber se Tejal dera à luz um rapaz ou uma menina.
* Tradução de
Manuel Resende
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