terça-feira, 15 de janeiro de 2013

1º Parágrafo: Goa ou o Guardião da Aurora


Prenderam-me em Novembro de 1591 e, durante quase onze meses, não falei a mais ninguém para além do guarda prisional. Nem fui informado das acusações que pendiam sobre mim nem autorizado a ler fosse o que fosse, e a minha janela, uma fenda mesquinha na pedra nua, estava tão alta que não me permitia espreitar para a cidade lá em baixo. A esperança agarrava-se às recordações de Tejal, e por vezes, também, ao tamborilar da chuva, a qual me lembrava que havia um mundo onde os meus carcereiros não tinham poder. Uma vez, durante uma tempestade, pus-me a lamber umas gotas que escorriam pela parede. Souberam-me ao Riacho do Moinho e, por uns instantes, os meus pensamentos chapinharam em toda a minha liberdade de criança, mas muitas vezes penso que acabaram por me trair; nessa mesma noite, Deus foi-me roubado, e, ao acordar, senti-me mais sozinho do que já alguma vez estivera, expulso do mundo sobre o qual ELE sempre velara. Nunca mais haveria de sentir os dedos dos meus pés afundarem-se na terra vermelha dos arrozais ou saber se Tejal dera à luz um rapaz ou uma menina.


* Tradução de Manuel Resende

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