domingo, 13 de novembro de 2011

in Pequena Abelha




Abelhinha

“ Tudo era felicidade e canções quando eu era pequena. Havia montes de tempo para isso. Não era preciso ter pressa para nada. Não tínhamos electricidade nem água corrente nem, porque ainda não tinham feito as ligações dessas coisas à nossa aldeia. Eu sentava-me no meio das raízes da limba e ria-me enquanto via Nkiruka a balouçar para a frente e para trás, para a frente e para trás. A corda do balouço era muito comprida, de modo que ela demorava muito tempo a ir de uma ponta à outra. Aquele balouço nunca parecia ter pressa. Eu costumava vê-lo o dia inteiro e nunca me apercebi que estava a ver um pêndulo que ia fazendo a contagem decrescente das últimas estações de paz na minha aldeia.

No meu sonho, eu via o pneu a balouçar para trás e para a frente, para trás e para a frente, naquela aldeia que não sabíamos ainda ter sido construída em cima de um campo petrolífero, naquela aldeia que, em breve, seria disputada por homens que estavam cheios de pressa para perfurarem a terra até chegarem ao petróleo. É esse o problema da felicidade – toda ela é construída em cima de alguma coisa que os homens querem.

(…)

Na minha aldeia havia dois carros, um Peugeot e um Mercedes. O Peugeot apareceu antes de eu nascer. Sei disso porque o condutor era o meu pai, e a minha aldeia foi precisamente o sítio onde o Peugeot dele tossiu duas vezes e morreu na poeira vermelha. O meu pai bateu à porta da primeira casa da aldeia para perguntar se tinham um mecânico. Não tinham mecânico nenhum, o que eles realmente tinham era a minha mãe, e o meu pai deu-se conta de que precisava mais dela do que de um mecânico, de maneira que ficou. O Mercedes apareceu quando eu tinha cinco anos. O condutor estava bêbado e foi chocar com o Peugeot do meu pai, que estava exactamente como o meu pai o deixara, excepto um pneu que os rapazes tinham tirado para usar no balouço. O condutor do Mercedes saiu do carro e bateu à porta da primeira casa que viu e disse ao meu pai: Desculpe. E o meu pai ofereceu-lhe um sorriso e a seguinte resposta: Não peça desculpa. Nós temos é de lhe agradecer, porque o senhor acaba de pôr a nossa aldeia no mapa – é que este é o nosso primeiro acidente de viação. E o condutor do Mercedes riu-se e ficou também na aldeia e tornou-se muito amigo do meu pai, de tal forma que eu até lhe chamava tio. E o meu pai e o meu tio viveram muito felizes lá na aldeia até àquela tarde em que os homens apareceram e os mataram.”


Sarah

E eu sinto-me…

Para dizer a verdade, eu não sabia como é que me sentia. Nós não temos uma linguagem de adultos para a dor do luto. Os programas da manhã e da tarde fazem-no muito melhor. Sim, claro, eu sabia que devia sentir-me devastada. A minha vida desmoronara-se. É essa a fórmula, não é? Mas o Andrew estava morto há quase uma semana e ali continuava eu, de olhos secos, com a casa inteira a tresandar a gin e a lírios. Ainda a tentar sentir-me apropriadamente triste. ainda a esgravatar nas memórias da minha breve e confusa vida com o pobre Andrew. À procura do ponto crucial, da memória que, quando finalmente fosse partida e aberta. Libertaria algum sintoma de angústia. Lágrimas, talvez, sob uma pressão inacreditável.

(…)

Era esgotante, esta prospecção da dor, sem saber sequer se haveria dor para encontrar. Talvez fosse demasiado cedo. Para já, sentia mais compaixão por uma mosca encurralada que zumbia contra a vidraça. Abri a janela e lá foi ela a voar, vulnerável e fraca, de volta ao jogo.”


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