segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

«Todos os tempos verbais», a vez de Guimarães



 

A poesia saiu à rua e eu vesti-me de versos só para a ver passar. Ela desfilava pura, sem grandes truques ou artimanhas. Limpa, ao seu ritmo, carregada de geometria e sentido próprio. 

A poesia sou eu, sem saber muito bem que EU sou. Procura duvidar sobre o mundo particular, de um corpo que pensa e reflecte. Procura enquadrar o espaço da alma que não tem resposta. Procura um sentido, como qualquer homem ou mulher que explore esta forma de ser.

Não há acto mais livre do que o poema. Mesmo que ele nos prenda à fatalidade de um certo ritmo, o poema floresce como uma ideia cristalina e bela. O pensamento encontra a palavra e a emoção. E depois carrega tristeza, saudade, amor, morte. E desagua, por fim, numa forma, sem caminhos certos ou direcções pré-estabelecidas.

Deixei-me apanhar pela escrita, sem saber bem porquê. Acto espontâneo de um leitor experiente, talvez. A verdade é que vivo ainda a surpresa máxima de perceber que a minha palavra é também a expressão de um sentimento de alguém. Isso é o meu super poder, estou certo que é um segredo bem próprio e guardado a sete chaves dentro de mim. 

Nunca percebi bem isso de dar categorias às emoções. O ser humano emociona-se porque sim. Porque precisa, ponto. Porque tem que ser. E dar espaço ao sentimento exprime-se de diversas maneiras. 

Eu encontrei na poesia a minha voz, mesmo que a minha voz não soe bem a muita gente. Não escrevi para ninguém em particular, o poema é um acto egoísta de gritar ao mundo bem alto aquilo que me vai. Mesmo que ficcionado, mesmo que forçado… o que escrevo tem o seu quê de vivido. 

Mas quando leio o que fiz, surpreendo-me. O meu livro é também um acto de descoberta muito própria daquilo que carrego e por vezes desconheço. Tantas vezes me questiono sobre quem é aquele actor que mora em mim? Não tenho resposta para isso!

Passo por este livro e encontro tanta coisa que desconheço. Leio e identifico claramente aquilo que é meu. E leio tudo o que não sou, de todo. No processo de me ler, não sei bem o que pensar. Cada vez que passo os olhos pelo livro que fiz, fico confuso. Tudo isto é uma leitura diferente, cada vez é uma nova aventura.

 foto: André Gomes

Guimarães foi um dos berços da minha infância. Creixomil é o lugar que sempre me pareceu o mundo. Pelo menos o mundo enquanto fui criança. 

Foi bom sentir o campo a espreitar pelo fundo da janela. Foi sempre bom escutar o sino da Igreja, a recordar-nos de hora-a-hora que a vida é um ápice. E nesse ápice, queimamos tempo.

A infância é o lugar mais bonito onde mora o coração. Quando somos crianças, os sonhos moram todos connosco. Lá habitam também as pessoas que nos fazem falta, todos aqueles que construíram o nosso presente. 

Só se dá valor à saudade de ser criança quando se cresce. Tenho a certeza que não há saudade mais profunda do que essa de ter o mundo à nossa frente, pelo canto da janela. E o mundo pode ser o caminho que nos leva aos campos do milho e à ribeira. Ou aquela rã que encontramos no charco. Ou a promessa tão simples do pôr-do-sol.

Fui tão feliz aqui em Guimarães. A cidade cresceu em mim como uma promessa de regresso. E não há nada mais bom do que voltar aos sítios onde mora a felicidade, onde os sorrisos dos encontros se desfazem em abraços sentidos. Acredito puramente na filosofia do abraço. E quando o dou, acho sempre que a energia dessa pessoa me está a ser transferida. 

Lembro-me desses verões onde descia a rampa da casa a correr. Ou quando me esfarrapava todo ao cair da bicicleta. O almoço e o jantar eram os pontos altos das minhas preocupações, e os únicos horários a cumprir. Tudo o resto era apenas a liberdade de ser, de existir só porque fui feito para viver neste mundo. 

Tenho tantas saudades das pessoas da minha infância. Daquelas que partiram, daquelas que estão ainda comigo. Crescer é talvez o pior crime da existência. Devia existir uma cláusula contra tudo isso, crescer podia perfeitamente ser uma escolha. Se pudesse lá voltar, não hesitava um segundo. Não sendo possível, encontro e refugio-me na palavra. Só a palavra me salva dessa ideia macabra de um dia virar pó, lançado ao vento.

A memória vive comigo, como uma recordação dos sítios por onde passo. E por mais que a vida passe, os lugares nunca deixam de viver em mim. Assim como as pessoas, todos os momentos tristes e alegres.

Guimarães é também o berço de grandes amizades. E esta livraria condensou sempre as pessoas mais importantes desta minha cidade. O meu livro também são estes amigos, também são estes momentos, também é este espaço. E hoje celebro-o, sem qualquer medo da emoção de dizer a toda esta gente que amo verdadeiramente cada um em si, com todas as pequenas singularidades que compõem um corpo. Um corpo onde gasto e deixo morar os abraços, sentindo o peso de cada amigo, de cada momento, de cada sorriso rasgado... na certeza do encontro.

Agradeço genuinamente a todos os que construíram o livro comigo. Sem eles, eu não acharia possível criar o objecto. É profundamente uma honra contar com pessoas como a Ana Paula Oliveira no processo de criação. Escrever pode ser um acto solitário, mas construir um livro nunca o é. E a Ana Paula sabe bem o valor do que é publicar. Essa, por si só, seria a razão mais válida para a convidar a estar hoje comigo. Mas não é a principal razão. A verdade, é que eu precisava de mais uma amiga a quem abraçar, pura e simplesmente. E para estar aqui presente na discussão pública da minha felicidade. Obrigado por estares comigo, pelo teu apoio. 

Não posso deixar de homenagear o meu avô, a quem dedico este livro. Senti sempre que a força de o fazer vem dele e da felicidade de o ter comigo na infância e adolescência. Se pudesse resgatar pessoas à morte, convidava-o a voltar. De qualquer forma, ele viverá sempre em mim. Eu também sou ele, de múltiplas e variadas formas.

A minha família, meu rumo e prioridade máxima, ajudou-me sempre a ser genuíno. Não podia ter mais sorte em ter os pais que tenho, as irmãs que tenho, avó, os tios e primos que vivem comigo. Eles são a força que me inspirou a escrever, o meu livro é o espelho de muitas memórias passadas com todos eles.

Por último, quero agradecer a todos vós por este instante. Acreditem que bastaria uma pessoa apenas para me fazer sentir bem, mas fico muito contente por contar com muitos amigos na plateia.

Aventurem-se a descobrir este livro, terei todo o prazer de o discutir convosco. Muito obrigado a todos.

  foto: André Gomes

*Rodrigo Ferrão, no dia da apresentação de «Todos os tempos verbais», na Livraria Snob, Guimarães 

Agradecimentos: David Pintor | Ana Almeida | Ana Paula Oliveira | Helder Magalhães | Clara Amorim | Sara Costa Leite | Daniel Gonçalves | Emília Araújo | Duarte Pereira | Eduardo Fernandes | Livraria Snob | RealBase

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