Para mim, como para a maior parte
dos portugueses, Hélder Reis começou por ser uma cara das manhãs da RTP, onde
trabalha desde 2002.
Circunstâncias várias – como eu ter
criticado a sua prestação na tevê na minha coluna de jornal, há uns anos, e ter então recebido dele
uma carta simpática e humilde a agradecer-me a atenção dada ao seu trabalho e a
oportunidade de tornar-se sempre melhor naquilo que ama fazer –fizeram-me
querer saber mais sobre ele. Estaria a ser realmente humilde ou fora apenas
ironia para não me desatar a insultar como chegaram a fazer outras figuras do
pequeno ecrã?
Hoje sei que ele é assim mesmo. Encontra
sempre o lado positivo das coisas, inclusive das críticas, e usa-o para crescer
e ser todos os dias uma pessoa melhor do que ontem. Recentemente publicou mais
um livro, agora de poesia, intitulado “A Gestação da Chuva”. Teve a gentileza
de mo enviar, como antes me enviara os infantis “ A Aldeia da Casa Magia” e “Uma
Lágrima Chamada Sal”.
Quis fazer-lhe umas perguntas. Ele
quis responder-me. A entrevista que daqui resulta quero agora partilhá-la com
todos os que nos acompanham aqui no blog.
AA – Começo por te fazer uma
pergunta com raízes no passado: como é a tua ‘relação’ com Sophia de Melo
Breyner Andresen? Um ídolo poético? Uma referência? Uma paixão? Apenas uma
escolha circunstancial para a tese da licenciatura de Teologia?
HR – Uma paixão. Sophia é/foi uma
mulher de causas. Uma mulher atenta. Uma mulher de elevadíssima sensibilidade.
Ensinou-me a magia do silêncio, do branco, das praias, do mar, da Grécia antiga
e do Portugal de hoje. Esta paixão levou-me a querer perceber o modo como ela
inseriu o sagrado na sua obra, e foi maravilhoso.
– Tens vários livros publicados,
todos eles com uma grande carga solidária, como “Branco”, numa edição a tinta e
em braille. Como vês a tua relação com a escrita e como é que ela surgiu na tua
vida? Será que a encaras como uma experiência religiosa e/ou cívica?
– A escrita é um exercício. Na
técnica e na cidadania. Acredito que todos temos um papel educacional na
sociedade. Procuro fazê-lo na televisão que faço e nos temas de livros que
escrevo. Neste momento preparo uma obra sobre o pecado, que é um bom caminho
para a santidade.
– Queres falar-me um pouco da
tua relação com Deus, na medida em que isso afecta ou influencia a tua relação
com as artes?
– Deus é tão difícil na minha vida
que deixei o seminário por não O perceber para O explicar. Hoje a minha relação
é mais serena. Mas difícil não significa desacreditar! Deus é a bondade que vou
encontrando nas pessoas que conheço (há tanta gente anónima extraordinária).
Deus é este sossego de quem faz boa obra e faz bem só por fazer, não para
parecer e aparecer! A Igreja é profundamente estética, por isso é fácil
perceber a dimensão espiritual nas coisas bonitas no mundo.
– Poesia. Escrita poética para os
mais pequenos. Para quando a prosa e um grande romance?
– Estou a trabalhar num livro de
contos sobre o pecado. Vai ser provocante e irreverente. Até que ponto o pecado
nos eleva?
– Manifestas um espírito algo
renascentista: cantas [integra a banda Pólen, que actua amanhã, sexta-feira,
pelas 22horas no Clube de Jazz Tribeca, no Porto], escreves, fazes
jornalismo... É mesmo de ti ou passa por uma luta para encontrar também o teu
espaço profissional nestes tempos que correm?
– As duas coisas. Eu faço tudo o que
gosto. Não brinco em serviço, e não faço nada para passar o tempo. Estudei
muito para fazer TV, tenho aulas de canto há 15 anos. Escrevo todos os dias e
faço muitas formações em escrita. Luto para fazer bem e me afirmar em tudo
aquilo que gosto de fazer. Sinto que ainda estou longe, mas sei o que quero.
– Julgo saber que, depois de uma
licenciatura em Teologia e outra em Jornalismo, estás agora a fazer um curso de
guionismo e também que vais começar um novo programa na RTP Memória. Aliado a
escrever poesia, liderar uma banda, e – já agora – a manter uma vida pessoal,
sobra tempo para ler?
– Sobra…não muito. Leio o jornal, leio
poesia. Leio muito para preparar os meus directos, leio o que amigos vão
escrevendo. Leio romance, biografias. Leio muitas coisas ao mesmo tempo… Na RTP
faço tudo o que gosto, a reportagem é um modo muito nobre de fazer TV, é ir ter
com a notícia, com as pessoas, com as histórias, isso é incrível e faz da RTP
única e próxima! O novo programa na Memória, “Percursos”, tem os textos
escritos por mim, o que é um grande desafio e altamente aliciante! Tempo…muito
pouco. Realização…muita!
– O que lês? Preferências,
descobertas, ‘desgostos’...
– Gosto de romance e biografias. Mas
sinto que a escrita por vezes tem falhas de ritmo, de surpresa, do inesperado.
Também sinto que há autores que têm que escrever muito para dizer tão pouco.
Por isso gosto tanto de poesia. Poucas palavras, muitas ideias.
– Tiveste oportunidade de ir à Feira
do Livro de Lisboa? Estás a guardar-te para a do Porto? Se foste, o que
compraste? Se ainda vais, qual a lista de desejos?
– Era para ir apresentar o meu
último livro de poesia, “A Gestação da Chuva”, mas não tive tempo. Tentarei ir
ao Porto. Apetece-me Mia Couto e conhecer melhor a poesia da América do Sul.
– Como são as estantes lá de casa? O
caos? A transbordar? Organizadas por títulos ou temas ou autores ou tudo ao
molho e fé em Deus? Autores de eleição? Mais poesia do que prosa? Ainda os
livros da adolescência?
– O meu escritório é muito
organizado, todo branco, limpo e arrumado, qb. Tenho a poesia numa estante,
romances noutras, livros de religião noutra, etnografia, dicionários,
fotografia. Enfim, é fácil encontrar um livro, mas não é ‘A’ organização, é
organizadinho! Gosto de Sophia, Torga, Eugénio de Andrade, Fitzgerald, Daniel
Faria, Luís Peixoto, Saramago, Pablo Neruda, Beckett, Valter Hugo, Ramos Rosa,
Tolentino Mendonça, Haruki Murakami, Garcia Marquez... Mia Couto... e tantos e
tantos...
– Gostava que me falasses um pouco
deste livro mais recente, “A Gestação da Chuva”, que segundo explicas no teu
blog, foi escrito metade antes e metade depois da recente morte do teu pai.
– É uma arrumação da alma. Não
sabemos nada da vida, somos ignorantes da morte. A morte dói. Muito. A nossa
maturidade surge quando nos morrem os pais, agora somos nós e o futuro que
fizermos. Este livro foi um exercício de lapidar o meu amor pelo meu pai. Está
lá tudo, com a imagem do pintor Ruy Silva. A morte do meu pai, o processo de
meses que a antecedeu, aproximou-me do meu Sr. Eduardo. É… A morte nem sempre
separa! Faz meio ano, não é nada. A arte serve para isto: expressar. Depois da
morte do meu pai digo muito mais: quero lá saber!
– De filha de um Eduardo que partiu
para o filho de outro Eduardo que partiu, agora que a dor terá acalmado um
pouco, só uma última pergunta: o que fazes com a saudade?
– Alimento-a todos os dias.