Dear José
Dia duit!, que é como quem diz saudações!
Escrevo-lhe ainda das míticas e formidáveis terras da ilha de
Eire, mátria dos ventos ancestrais e de um verde e azul escuro sempre
maravilhosos.
Já bebi por si, como me havia pedido. Visitei vários locais
esplendorosos, mas há um que gostaria de partilhar consigo, ainda que por umas
quantas palavras.
Penhascos de Moher. Um mar céltico finitamente infinito e revoltado,
o vento soltando sibiliantes líquidas e com o adocicado de uma gaita de foles
imaginária. Efraim jamais tinha visitado esta formidável ilha, jovem dos
trópicos literários.
(…)
Mas não foi por isso que lhe escrevi. É com uma luminosa merencória que lhe escrevo, ainda que em terras altas.
Pois bem, envio-lhe nesta missiva uns quantos poemas que trago
sempre nas minhas malas e que considero inacabados. (Peço-lhe que após
transcrever esta carta a queime, como todas as outras, deixando apenas o que
julgar ter interesse literário. O resto, carbonize!)
É um conjunto de poemas em constante alteração e que são como que
um oráculo tropical. Mesmo nestas insulares e frias terras consigo sentir as
quentes e prateadas noites de luar de outros lugares. O que interessa é que lhe
envio uns cinco poemas, dos quais terá que escolher um (fiz o favor de os
escrever de uma golfada e são os únicos que nunca retoquei após a sua primeira demão.
Escolha um deles e os outros deite-os ao fogo, ou à água, que também é imagem
diluviana quanto baste! Não procure continuações ou divisões, pois não lhas
dou! Escolha um e queime os outros. É o que lhe peço.)
Efraim cumprimenta-o saudosa e hebraicamente. Shalom!
Haveremos de voltar um dia destes, quando nos cansarmos deste mar
e desta magnífica cerveja cor da terra e do carvão oitocentista!
Slán!
Gonçalo V. de Sousa.
Do livro Brasil Lindo e Trigueiro
“Altos Luares de
Copacabana.”
Havemos de nos
encontrar nos altos luares de Copacabana,
Senhora minha do Brasil brasileiro.
O teu corpo
estendido na minha cama,
Enquanto a minha
alma te sorve os beijos de um dia inteiro.
E havemos de
percorrer as praias de areia mística
De mãos dadas.
O sol, meu amor,
será testemunha,
E as ondas
cumprirão todas as suas promessas de espuma.
Teremos o céu
azul e infinito a nosso lado
E teremos sempre
o amor dos dias grandes e fartos e luminosos
E os teus
cabelos, loiros, anelados, sedosos,
São o mestre
deste verso exótico e apaixonado.
Teremos o calor
das tardes e a suavidade das manhãs azuis.
Seremos sempre
os dois, celebrando os nossos beijos de cetim
Enquanto os teus
braços dourados e o teu líquido olhar
Me fazem
adormecer em sonhos que são os teus lábios carmim.
Seremos filhos desse
Brasil lindo e trigueiro,
Iremos beber das
águas dos canaviais verdes e distantes
Iremos saltar,
inocentes e nus, pelas cachoeiras de cores murmurantes
Até me ensinares
a amar o teu Brasil brasileiro.
Matar-me-ás a
sede de música refrescante
Princesa minha
das causas azuis e tropicais.
O samba será o
teu corpo dourado balançando o vento
E os coqueiros serão
filhos de um luar que será feito dos versos
Dos trovadores
filhos do sul do Trópico de Câncer.
E assim nos vejo
correndo pelo teu Brasil exótico e colorido,
Pintando
aguarelas que são músicas antigas e iniciáticas
De um propósito
de morros e florestas e luzes
Que só se
encontram nos recantos da terra de nosso Senhor.
A tua Terra.
O teu Brasil
brasileiro.
Rio de Janeiro,
25 de Fevereiro de 1968.