O que é atender em Portugal? Nos livros...
Se dissesse que atender em livrarias deve ser dos trabalhos mais complicados de atendimento, provavelmente não acreditariam. É sempre uma opinião pessoal, já atendi noutros registos. No entanto, esta é uma profissão exigente a nível físico e cultural.
A maior parte dos clientes são indiferentes. Porém, mais de noventa por cento não diz 'olá' ou 'bom dia'. Utiliza-se muito o 'faz favor', o que não é sinónimo de educação porque é utilizado para se fazer notar.
Nos livros há duas razões que levam os funcionários tirar do sério: pedir desconto e queixarem-se de determinado livro não existir em parte nenhuma.
Para os descontos existe um cartão cliente em todos os sítios por onde passei. Não adianta fazer comparações entre as empresas, porque, em princípio, todas dão 10% de desconto em livros. Se as pessoas se queixarem que viram mais barato, é óbvio que eu não vou dizer "então porque não comprou lá?". Mas dava vontade, não dava?
A questão dos descontos existirem é uma moda errada que pegou quando algumas empresas estrangeiras entraram no mercado. Não são as editoras que comportam os descontos que se fazem nas livrarias. Depois, há muito a tónica do discurso de que os livros são caros. Eu sei que são, mas o problema está nas editoras, nunca nas livrarias.
Quanto aos livros não existirem em parte nenhuma, dirijo-me àqueles que resolvem procurar na véspera de entrega de um trabalho, exame, apresentação... Não me refiro àqueles que tentam encontrar um livro que sabem estar esgotado. A esses aplaudo o facto de terem esperança. Queixo-me, apenas, dos que de antemão sabem que precisam de um livro e depois descarregam a sua frustração quando não o arranjam.
É preciso dizer isto em letras grandes: conseguir livros em Portugal é muito difícil.
Fisicamente a maioria dos clientes não sabe o que é estar todo o dia de pé, carregar livros, desmontar caixas, expor, arrumar reposições de livros - um por um. Acredito muito nesta premissa: a minha profissão já foi prestigiante, hoje é vista da mesma maneira do que um emprego noutro tipo de atendimento qualquer.
E não pode ser. Não é justo para nós. Principalmente para alguns que procuram pôr o cliente acima de tudo, muito mais a que seria obrigado.
Muitos clientes também abusam do "Dr." ou outro título, não entendendo que, nos dias que corre, não faz sentido. Na minha loja trabalham, por exemplo, dois juristas, uma designer ou uma arquitecta.
Saber ou perceber de livros também não é fácil. Muitas vezes falam para nós do estilo, "tem o último cimi?". Confesso que, quando ouvi esta pergunta pela primeira vez, fiquei chocado. Não é a questão que preocupa, é a descontracção com que é feita. Quem atende em livros precisa de ter cultura: inevitável. Mas não pode dominar milhares de referências.
Obviamente que, por vezes, é impossível não sermos considerados ignorantes. Seremos sempre ignorantes enquanto alguém especializado falar connosco como um igual.
Fazendo uma limpeza a tudo isto, os bons clientes são poucos. Mas também são aqueles que nos dá prazer cumprimentar. Com alguns já fiz amizade. Outros confiam totalmente em nós e só a nós se dirigem. São esses que compensam a grande maioria que passa indiferente. E que me fazem gostar do que faço.
Nota: é completamente diferente trabalhar num centro comercial ou numa loja de rua. Talvez um dia escreva sobre isso...
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